Indústrias que se comprometem a suspender a fabricação da sua linha regular – contra febre aftosa, por exemplo – estimam que poderiam produzir 400 milhões de doses ao longo de 90 dias
J. R. Guzzo, O Estado de S.Paulo
É raro ouvir alguma coisa boa a respeito de covid-19 no Brasil de hoje – a conversa, quase o tempo todo, é sobre recordes no número de mortos, projeções de fim do mundo em modo extremo, ameaças de “fecha tudo” cada vez mais agressivas, a inépcia dos comitês de burocratas-“cientistas” encarregados de gerir a epidemia nos governos “locais” e por aí afora. É um notável alívio, assim, ver que na área da vacinação as notícias são positivas. Dois meses depois de aplicada a primeira vacina, o Brasil está demonstrando, sim, que é capaz de fazer com eficiência um trabalho de vacinação em massa contra a covid.
Com as vacinas distribuídas pelo Ministério da Saúde, tanto as produzidas no Instituto Butantan de São Paulo e na Fiocruz do Rio de Janeiro, como as importadas – e todas elas aplicadas pelos serviços médicos dos Estados e municípios – o Brasil acaba de completar 9 milhões de vacinados com a segunda dose – mais do que a Inglaterra, pioneira da vacinação e um dos grandes produtores mundiais do imunizante. Ao todo, somando-se os mais de 25 milhões que receberam a primeira dose, o país caminha para os 35 milhões de vacinados – ou mais de 20% de toda a sua população adulta, descontados os 55 milhões de crianças e jovens até 18 anos.
A competência e a experiência das equipes de vacinadores – poucos países no mundo têm a capacidade de vacinar que foi desenvolvida ao longo dos anos pelo Brasil – garantem que o ritmo da vacinação pode passar, com consistência, de 1 milhão de doses por dia. O principal obstáculo para se fazer coisa melhor do que está sendo feita é a falta física de vacinas, não a capacidade ou organização dos técnicos que fazem a vacinação. No momento, o imunizante só é fabricado em dois lugares, o Butantan e a Fiocruz – e, além disso, depende da importação de matéria prima. Só meia dúzia de países até agora fazem o processo todo; a disponibilidade mundial, com uma população próxima aos 8 bilhões de pessoas, é forçosamente limitada.
Essa questão pode ser praticamente resolvida se for aprovada a permissão para que os laboratórios brasileiros que fornecem vacinas ao agronegócio recebam licença para fabricar e vender o imunizante da covid. Trata-se de gigantes na área da bioquímica, entre eles nomes como Merck Sharp & Dohme ou Boehringer, que há anos produzem vacinas de alta qualidade em suas fábricas no Brasil – e que poderiam multiplicar dramaticamente a oferta de doses para combater a covid.
As indústrias, que se comprometem a suspender a fabricação da sua linha regular – febre aftosa, por exemplo, praticamente extinta no Brasil com a aplicação regular e maciça de vacinas – estimam que poderiam produzir 400 milhões de doses ao longo de 90 dias; o Ministério da Saúde acha que não é tudo isso, calculando que seria preciso talvez o dobro do tempo, ou pelo menos quatro meses, para se chegar a esses volumes.
Em todo caso, é certo que a capacidade de produção existe, e está instalada. É necessário, agora, que a Anvisa aprove a vacina, com todos os requerimentos exigidos das vacinas que já vêm sendo aplicadas – e que os laboratórios recebam a licença de transferência de tecnologia para a produção do ingrediente farmacêutico ativo que está na base do imunizante.
O Brasil se juntará, então, ao fechado clube dos produtores; poderá, mesmo, tornar-se um exportador.
Não é apenas uma boa notícia. É a melhor perspectiva aberta para o país desde o início desta tragédia.