Rafael Moraes Moura – Jornal Estadão
BRASÍLIA – A maioria do Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou, nesta quinta-feira (22), a decisão da Segunda Turma, que declarou a parcialidade do ex-juiz federal Sérgio Moro ao condenar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na ação do triplex do Guarujá. O resultado marca uma das principais derrotas da história da Lava Jato, que caiu em desgraça após a divulgação de mensagens privadas atribuídas a Moro e a procuradores da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba.
O julgamento do Supremo, além de ser usado para reforçar a narrativa petista de que Lula foi vítima de perseguição, lança luz sobre outra questão: quais as punições possíveis para Moro? Ele pode ser responsabilizado? De que forma?
Lula foi condenado a nove anos e meio de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro na ação penal do triplex. Com base nessa sentença, assinada pelo então juiz federal Sérgio Moro e confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4), o petista foi enquadrado na Lei da Ficha Limpa, acabou afastado das últimas eleições e permaneceu preso por 580 dias. Agora, com as condenações anuladas e os casos transferidos de Curitiba para a Justiça Federal do DF, Lula está elegível e apto a disputar a corrida ao Palácio do Planalto em 2022.© Gabriela Biló/Estadão O ex-ministro e ex-juiz Sérgio Moro
Em entrevista ao Estadão, publicada no último domingo, o ministro Gilmar Mendes, do STF, foi indagado se cabe indenização ao ex-presidente, por danos morais. “Não sei se ele vai fazer, mas é uma questão a ser considerada”, afirmou Gilmar. Procurada pela reportagem, a defesa de Lula informou que esse assunto “não foi discutido e não há decisão” sobre o tema.
Especialistas ouvidos pela reportagem divergem sobre as possíveis punições cabíveis a Moro por ter, segundo o STF, encarado Lula como inimigo e não ter agido com isenção e imparcialidade na ação do triplex. No julgamento do mês passado, a Segunda Turma livrou Moro de ter de pagar as custas processuais do caso.
“As condutas do ex-juiz deverão passar por uma lente criminal, todavia, sem açodamentos. Intuitivamente, antevejo condutas passíveis de responsabilização penal por abuso de autoridade, advocacia administrativa, condolescência criminosa e prevaricação. Todavia, de nada adianta tripudiar, ou acolher narrativas de revanche. Deve-se garantir e conceder ao ex-juiz a ampla defesa e o contraditório, independente do resultado. Não é possível aclamar punições sem o devido processo penal”, aponta o advogado criminalista Thiago Turbay.
Para o advogado criminalista Ariel Weber, como Moro não ocupa mais o cargo de juiz, não cabem mais punições na esfera administrativa. Um integrante do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão responsável por fiscalizar a atuação de juízes, concorda com essa avaliação. Weber, no entanto, destaca que o Código de Processo Civil e a Lei Orgânica da Magistratura Nacional permitem a responsabilidade pessoal do magistrado, mas apenas quando ele proceder com dolo (intenção) ou fraude. “Demonstrado o dolo, poderia existir a responsabilização também do próprio juiz.”
“O reconhecimento da suspeição não implica reconhecimento de qualquer crime praticado, e falar em algum tipo penal aplicável ao caso, como alguns sugerem, exigiria elementos objetivos e subjetivos para fins de responsabilização penal”, diz Weber.
Professor de Direito Penal na FGV Direito São Paulo, Davi Tangerino discorda. “Acho que não cabe nada contra ele. A consequência jurídica da suspeição é a nulidade (das provas) – e nada mais”, afirma.
Na avaliação de Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, Moro precisa, sim, ser responsabilizado. O advogado atuou na Lava Jato em defesa de políticos investigados na operação. “Ficou muito claro que o que há, na verdade, é uma perseguição, o que houve foi uma perseguição do Moro e do bando que ele coordenava. Tem de ser investigado criminalmente. Tem prevaricação, corrupção, mas sou contrário à hipótese de prisão agora, eu não acho que existe contemporaneidade para a prisão. Quando abriu o inquérito no STJ (contra procuradores da força-tarefa da Lava Jato), que começou a falar em prisão de procuradores, eu fui contra”, diz.
O inquérito do STJ, no entanto, acabou suspenso por decisão individual da ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), que apontou a plausibilidade de que as provas colhidas contra o grupo possam ter sido obtidas por meio ilícito, o que não permitiria que as mensagens sejam usadas para a responsabilização criminal dos procuradores.
Procurado, Moro não se manifestou.