Campanha eleitoral deve começar com as contas públicas bem mais esburacadas
Notas & Informações, O Estado de S.Paulo
Campeão da dívida pública entre os grandes emergentes, o Brasil consolidará em 2021 essa posição pouco invejável e muito arriscada, com o governo enrolado numa confusão financeira digna de inscrição nos livros de recordes. No fim do ano passado o governo geral devia R$ 6,61 trilhões, soma equivalente a 88,8% do Produto Interno Bruto (PIB). Em fevereiro o setor público já estava pendurado em R$ 6,74 trilhões, 90% do valor estimado da produção de bens e serviços. O poder central é responsável pela maior parte desses compromissos. Além disso, numa crise o entendimento com os credores acabará ficando para a administração federal. É difícil prever, neste momento, como estará o endividamento em dezembro de 2021, porque nem se pode dizer com segurança como ficarão as despesas especiais destinadas a conter os efeitos da pandemia. Mas os credores e investidores nacionais e estrangeiros estarão atentos à evolução das cifras.
A equipe econômica entrou em 2021 prometendo fechar o ano com a dívida abaixo de 90% do PIB. A intenção proclamada era manter essa relação sob firme controle e sempre abaixo de 100% nos próximos anos. O maior desafio, naturalmente, será conter o déficit e o endividamento do poder central.
Em dezembro, a dívida bruta do governo da União, de R$ 5,01 trilhões, correspondia a 75,8% do total devido pelo governo geral, formado pelos níveis federal, estadual e municipal e pela Previdência. Em fevereiro a relação havia chegado a 77,1% da dívida bruta. Os próximos dados poderão mostrar uma proporção maior, mas, de toda forma, uma previsão parece bem segura: o ministro da Economia e seus auxiliares terão muito trabalho para conter a piora das contas oficiais – se estiverem dispostos a isso, se o presidente Jair Bolsonaro concordar e se os parlamentares do Centrão decidirem controlar seu apetite e dar uma trégua ao Tesouro Nacional.
Por enquanto, confusão e incerteza tornam muito obscuro o cenário das finanças públicas. O acordo entre Executivo e Legislativo para permitir a sanção e a execução do Orçamento Geral da União estourou as amarras, já enfraquecidas, da responsabilidade fiscal. Pelo projeto de lei orçamentária, a administração federal deveria, em 2021, conter no limite de R$ 247 bilhões o déficit primário, isto é, a diferença entre despesas e receitas sem os custos da dívida pública. Essa meta é hoje apenas um detalhe de um documento oficial mal feito, mal consertado e sem grande significado prático.
Para alcançar o acordo, o Executivo aceitou a manutenção de emendas parlamentares – como obras de interesse eleitoral – com valor adicional de R$ 16,5 bilhões. O entendimento inclui a possibilidade de cortes de gastos discricionários para recompor as despesas obrigatórias, subestimadas na versão aprovada no Congresso.
Gastos especiais para atenuar os efeitos da pandemia ficarão fora dos limites do Orçamento graças a um arranjo combinado entre os dois Poderes. O governo já havia negociado a liberação de cerca de R$ 44 bilhões para a retomada do auxílio emergencial, interrompido em janeiro, mas o conjunto das ações anticrise deverá custar muito mais, um valor ainda obscuro, estimado em até R$ 125 bilhões.
Com esse arranjo, o governo poderá sustentar um auxílio direto aos mais necessitados, por quatro meses, e dispor de algum dinheiro para cuidar dos efeitos do novo surto da pandemia. A eficácia dessas ações é imprevisível. O quadro sanitário continua muito ruim, com atraso na vacinação, insegurança quanto ao abastecimento das vacinas, dificuldades de imposição de medidas preventivas e, em primeiro lugar, com a omissão, o negacionismo e a incompetência do presidente da República.
Também na economia há muitas incertezas. As projeções de crescimento formuladas no mercado vêm diminuindo, mas aumenta a expectativa de inflação. Os dados finais do primeiro trimestre devem ser muito fracos. Enquanto isso, os gastos aumentam, a dívida cresce e o presidente se apronta para a disputa eleitoral de 2022. Qual será o custo fiscal dessa campanha?
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