Ramos afirma que seguiu ‘orientação’ do governo e que tenta convencer Bolsonaro a se imunizar: ‘A vida dele, no momento, corre risco’
Mateus Vargas, O Estado de S.Paulo
BRASÍLIA – O ministro da Casa Civil, Luiz Eduardo Ramos, afirmou nesta terça-feira, 27, que tomou “escondido” a vacina contra a covid-19, por “orientação” e para “não criar caso”. Sem saber que era gravado, Ramos disse, em reunião do Conselho de Saúde Suplementar (Consu), que também tenta convencer Jair Bolsonaro a ser imunizado porque a vida do presidente está em risco.
“Estou envolvido pessoalmente, tentando convencer o nosso presidente (a tomar a vacina), independente de todos os posicionamentos. Nós não podemos perder o presidente para um vírus desse”, observou o titular da Casa Civil. “A vida dele, no momento, corre risco. Ele tem 65 anos”, disse o general, errando a idade do presidente, que completou 66 anos no mês passado.
Ramos estava diante dos ministros Paulo Guedes (Economia), Marcelo Queiroga (Saúde), Anderson Torres (Justiça) e de representantes da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), no Palácio do Planalto.
Descontraído, ele lembrou que, quando tomou a primeira dose da AstraZeneca, no último dia 18, a informação acabou sendo divulgada. “Tomei escondido, né, porque era a orientação, mas vazou (…). Não tenho vergonha, não. Vou ser sincero: eu, como qualquer ser humano, quero viver. Tenho dois netos maravilhosos, uma mulher linda. Tenho sonhos ainda. Quero viver, porra! Se a ciência, a medicina, está dizendo que é vacina, quem sou eu para me contrapor?”, desabafou o chefe da Casa Civil, que tem 64 anos.
(ouça o áudio, cedido ao Estadão pela Rádio CBN)00:0000:42
Nenhum dos presentes sabia que a reunião estava sendo transmitida ao vivo pela internet. Ramos afirmou, ainda, que a pandemia é “uma praga”, que está “ceifando vidas”. Além disso, destacou que a doença não tem “partido”. “Ataca todos nós”, resumiu.
Aos 66 anos, Bolsonaro já poderia ter sido vacinado desde o dia 3 no Distrito Federal. O presidente argumenta, porém, que já contraiu o vírus e só será imunizado “depois que o último brasileiro” tiver sido vacinado. Ao longo dos últimos meses, Bolsonaro minimizou a pandemia e desdenhou de medidas para evitar o contágio, como isolamento social e uso de máscara. Ele sempre disse que já estava imunizado por ter pego covid, ignorando a possibilidade de reinfecção.
Eu não vou tomar vacina e ponto final. Minha vida está em risco? O problema é meu”, declarou Bolsonaro, em dezembro do ano passado. De lá para cá, no entanto, ele modulou o discurso, principalmente depois que sua popularidade começou a cair e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva retornou à cena política, cobrando a vacinação. Agora, Bolsonaro tem dito que vai se vacinar, mas “no fim da fila”. Continua, porém, provocando aglomerações em suas viagens e mesmo quando sai para visitas na periferia de Brasília.
Na mesma reunião desta terça-feira, no Planalto, Guedes disse que “o chinês inventou o vírus e a vacina dele é menos efetiva que a do americano”. O ministro da Economia avaliou, ainda, que o SUS não deve dar conta de prestar atendimento à população no longo prazo e sugeriu até mesmo a entrega de “voucher” para uso da rede privada.
“Você é pobre? Você está doente? Está aqui seu voucher. Vai no Einstein, se você quiser”, afirmou o ministro, numa referência ao Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo.
Horas depois, Guedes disse ter sido “infeliz” em seus comentários. O chefe da equipe econômica tem 71 anos e, no mês passado, foi vacinado com a Coronavac. “Hoje usei uma imagem infeliz”, admitiu o ministro, ao ponderar que falava sobre “como é importante que o setor privado colabore no combate à pandemia”. “É uma imagem que não tinha nenhum objetivo (de ofender)”, assegurou. “Foi um mal entendido”.
Em mensagem postada no Twitter, Ramos disse que estão inventando “crise onde não existe”. “Como tomei vacina escondido se saiu na imprensa?”, perguntou o ministro, embora suas frases tenham sido gravadas. “Fui vacinado como mais de 38 milhões de brasileiros, apenas não quis fazer desse momento individual um ato político”. O general ponderou, ainda, que a liberdade é o “bem mais precioso”. “Sou livre para fazer minhas escolhas e essa foi uma delas”, escreveu.
A Casa Civil preparou uma tabela contendo 23 afirmações com as quais o governo pode ser confrontado na CPI da Covid, instalada nesta terça-feira, 27, no Senado. Um e-mail com esses tópicos, que apontam erros do governo na condução da pandemia de covid-19, foi disparado para vários ministérios, pedindo informações de cada área para reforçar a estratégia de defesa do governo na CPI. “Nunca vi uma confissão de culpa antecipada”, ironizou o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), vice-presidente da comissão.