Por João Lara Mesquita – Jornal Estaqdão
Quando se fala em Amazônia atualmente a atenção se volta para o desmatamento ilegal. Antes este fosse o único problema, ou o pior. Mas há outros que provocam tanto ou mais danos à floresta e aos habitantes da região. Hoje, vamos comentar um deles, o garimpo ilegal na Amazônia.
Alguns números do garimpo ilegal na Amazônia
Nossa atenção foi despertada por brilhante artigo do ex-embaixador, e Presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior, Irice, Rubens Barbosa, no jornal O Estado de S. Paulo, em 27 de abril. Num espaço pequeno Rubens conseguiu resumir o drama do garimpo ilegal, ao mesmo tempo em que conclamava Bolsonaro a agir.
Na reunião do clima com Joe Binden o presidente reafirmou antiga promessa brasileira de acabar com o desmatamento ilegal até 2030. Mas nada foi dito sobre o garimpo, ou a grilagem de terras, outras duas chagas da região Norte.
O garimpo ilegal é feito às claras, sem objeção do governo, mesmo quando põe em risco o linhão de transmissão de energia de Belo Monte para o Sudeste, no Pará.
Em seu artigo Rubens Barbosa mostra que o combate às práticas ilícitas na região incluem as queimadas e o garimpo.
“A busca pelo ouro na Amazônia está enraizada em práticas ilegais, que hoje respondem por cerca de 16% da produção do País, com a extração em áreas proibidas e sem nenhum tipo de controle.”
320 pontos de mineração em nove Estados da região
Mas alerta que “essa ilegalidade pode ser muito maior, já que não há como contabilizá-la com exatidão.” E prossegue: “Cerca de 320 pontos de mineração ilegal foram identificados em nove Estados da região.”
“A área para a pesquisa de ouro já ocupa 2,4 milhões de hectares. Desde 2018 houve um aumento no número de solicitações nesses territórios, com um recorde de 31 registros em 2020.”
Pedidos de ‘pesquisas’ em Unidade de Conservação e Tis
Apesar de ser proibido, assim como a mineração em Terras Indígenas, Rubens lembra que “em unidades de conservação, os pedidos para a pesquisa de ouro já ocupam 3,8 milhões de hectares.”
“No total são 85 territórios indígenas afetados pelos pedidos de pesquisa para o ouro e 64 unidades de conservação. Só na Terra Indígena Yanomami, entre os Estados do Amazonas e de Roraima, são 749 mil hectares sob registro.”
“Na Terra Indígena Baú, no Pará, a segunda em extensão de processos, 471 mil hectares estão registrados, ocupando um quarto de seu território.”
Garimpo ilegal na Amazônia e valores arrecadados pelos municípios
“Os municípios da Amazônia Legal arrecadaram em 2020, pela extração de ouro, 60% mais do que em todo o ano de 2019 e 18 vezes acima do valor registrado há dez anos.”
“Em Rondônia acaba de ser aprovada lei que legaliza 200 mil hectares de terras griladas em duas unidades de conservação, Jaci-Paraná e Guajará-Mirim.”
Corrupção, desmatamento, violência, e contaminação provocados pelo garimpo
“Os Institutos Escolhas e Igarapé acabam de divulgar importantes estudos sobre a exploração do ouro na Amazônia. Os resultados desses trabalhos mostram corrupção, desmatamento, violência, contaminação de rios e destruição de vidas, sobretudo de populações indígenas.”
E aqui nos despedimos momentaneamente de Rubens, e passamos a aprofundar os dados do Instituto Escolhas por ele citado. São chocantes.
Para começar ‘a área coberta por pedidos de pesquisa para a mineração dentro de Terras Indígenas e Unidades de conservação é de 6,2 milhões de hectares, o que corresponde a 2 países como a Bélgica, ou 40 cidades como São Paulo.
Deste total de 6,2 milhões de hectares, 3,8 milhões estão dentro das Unidades de Conservação, e 2,4 milhões dentro de Terras Indígenas.
Mesmo não sendo permitido o garimpo em Terras Indígenas, devido à leniência da atual gestão com os ilícitos na Amazônia, desde 2018 houve um aumento no número de solicitações nestes territórios, com um recorde de 31 registros em 2020.
O Instituto alerta que os 3,8 milhões de hectares pedidos para a pesquisa dentro das Unidades de Conservação ‘representam uma ameaça para estas áreas criadas para garantir proteção ambiental, o que não é compatível com atividades de grande impacto, como a extração de minérios, como se viu com os desastres de Mariana e Brumadinho.
O Instituto alerta que estes números são o resultado de estudo inédito que traz números atualizados desde 2020. Para tanto, analisou todos os pedidos de pesquisa para o ouro registrados na Agência Nacional de Mineração (ANM).
A ação deletéria da política ambiental atual
Não é preciso lembrar que quem mais insuflou os ilícitos na Amazônia foram Bolsonaro e seu ‘ministro’ do Meio Ambiente, que descaradamente defende quem pratica ilegalidades, ora proibindo o Ibama de multar os infratores, ora levando garimpeiros ilegais até Brasília.
Recente imbroglio entre Salles e o até então delegado da Polícia Federal do Amazonas, Alexandre Saraiva, provou mais uma vez a visão deturpada da atual política ambiental. Depois da maior apreensão de madeira ilegal no Pará o ‘ministro’ esteve duas vezes no local onde colocou em dúvida a operação da PF. Pouco depois, o delgado foi exonerado.
Para além das confusões gratuitas do ‘ministro’ do Meio Ambiente, o Governo Federal patrocina o Projeto de Lei 191/2020 que visa regularizar operações de garimpo ilegal dentro de Unidades de Conservação.
O Instituto Escolhas lembra que ‘o controle social sobre a atividade é pequeno. Faltam transparência e mecanismos de verificação para os dados do setor e não existe um sistema efetivo de rastreabilidade que permita acompanhar a origem do ouro produzido’.
‘Isso prejudica as ações de fiscalização e controle e fomenta o comércio ilegal no país, pressionando ainda mais as áreas que deveriam estar protegidas pelo bem do meio ambiente e da sociedade’.
Graças a este comportamento, chegou-se aos números atuais: 2.113 pedidos de pesquisa para o ouro em Terras Indígenas e Unidades de Conservação, totalizando 6,2 milhões de hectares.
A política federal ambiental desastrada estimula outras ações descabidas, como a do governador de Roraima que aprovou o garimpo com mercúrio!
A resposta ao comportamento do Governo Federal
E agora voltamos ao artigo de Rubens Barbosa, que comentou a reação a estes novos estudos. “O trabalho do Escolhas foi enviado à Comissão de Valores Mobiliários e ao Banco Central, que lançou um conjunto de ações de responsabilidade socioambiental, para responder à pressão de investidores e instituições financeiras no Brasil e no exterior por incentivos que favoreçam negócios sustentáveis e combatam o desmatamento.”
“Esse compromisso do setor financeiro nacional pode ajudar a limpar o setor de mineração de ouro no Brasil e fazer que esse metal ilegal não consiga ingressar no mercado. Exigir lastro de origem legal e de conformidade ambiental é um imperativo constitucional e deve ser um compromisso ético e moral do setor financeiro nacional.”
Sistema de validação eletrônica para comprovar a origem do ouro
Rubens nos traz um sopro de esperança ao comentar que “por iniciativa do senador Fabiano Contarato, o Projeto de Lei 836/2021 prevê a criação de um sistema de validação eletrônica para comprovar a origem do ouro adquirido pelas instituições financeiras e permitirá o cruzamento de informações com outras bases de dados, como a de arrecadação de impostos e de produção da Agência Nacional de Mineração (ANM).”
“Pretende-se que, para efetivar a transação, seja exigida a comprovação de que o ouro tenha sido extraído de área com direito de lavra concedido pela ANM e que a pessoa física ou jurídica que estiver fazendo a comercialização seja titular do direito de lavra ou portadora de contrato com quem tenha esse direito. Além disso, o vendedor terá de apresentar a licença ambiental da área.”
‘Brasil, centro das ramificações criminosas’
Rubens Barbosa finaliza seu artigo com este parágrafo: “o Brasil tornou-se o centro das ramificações criminosas e das facilidades da lavagem de dinheiro com o ouro ilegal. As terras indígenas e as unidades de conservação na Amazônia Legal estão ameaçadas pela busca do ouro, apesar de a atividade ser proibida. O ilícito na Amazônia tem de ser coibido pelos governos federal e estadual e o Congresso tem de fazer a sua parte.”
E, então, vamos cobrar o Congresso?