Vinícius Valfré – Jornal Estadão

BRASÍLIA – O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, foi a terceira testemunha a ser ouvida pela CPI da Covid no Senado. Em depoimento durante sessão que durou cerca de dez horas, o chefe da pasta esquivou-se quando pressionado a emitir sua opinião a respeito da prescrição da cloroquina, como defendida pelo presidente Jair Bolsonaro.

O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, durante depoimento na CPI da Covid © Edilson Rodrigues / Agência Senado / AFP O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, durante depoimento na CPI da Covid

Por outro lado, confirmou que o governo inflou o total de doses de vacina contra a covid-19 efetivamente contratadas. Além disso, ele reiterou que as principais alternativas de combate à pandemia são a vacinação em massa e medidas preventivas como uso de máscaras e distanciamento social.

Veja os principais pontos do depoimento de Marcelo Queiroga:

Abstenção ao comentar recomendação de cloroquina

A pressão do presidente Jair Bolsonaro para que o uso de cloroquina para pacientes com a covid-19 norteou os depoimentos dos ex-ministros Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich. Marcelo Queiroga também foi bastante cobrado sobre o tema.

No entanto, o atual ministro da Saúde driblou as inúmeras perguntas relacionadas ao medicamento. Disse que a questão está em debate na Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec) e poderá ser submetida a sua avaliação definitiva. Portanto, não poderia antecipar uma posição.

“Segundo o decreto-lei que regulamenta a Conitec, eu sou instância final decisória. Então, eu posso ter que dar um posicionamento acerca desse protocolo, de tal sorte que eu gostaria de manter o meu posicionamento final acerca do mérito do protocolo para quando o protocolo for elaborado”, disse.

Queiroga disse que os médicos têm autonomia para receitar tratamentos com base nos conhecimentos que dispõem e que essa autonomia não é ilimitada.

“A autonomia médica tem limite. Está limitada pelo que é comprovado cientificamente e pela legislação”, disse. Ele reiterou que hoje ainda não há um protocolo definitivo do Ministério da Saúde acerca do chamado “tratamento precoce”.

Total de vacinas contratadas

Marcelo Queiroga confirmou que o total de 560 milhões de doses de vacinas contra a covid-19 propagandeadas pelo governo é inflado.

Reportagem do Estadão revelou que, em resposta a pedido de informações da Câmara dos Deputados, o ministério diz que apenas parte das doses divulgadas como “compradas” possui contratos fechados. A pasta informou haver contratos fechados para cerca de 280 milhões.

Ao ser questionado sobre qual seria o número real, Queiroga se contradisse. Primeiro, insistiu que o número de doses contratadas era de 560 milhões. Depois de receber informações do secretário-executivo do ministério, Rodrigo Otávio da Cruz, admitiu que o número era menor. E citou a quantidade de 430 milhões de doses.

O ministro declarou que um técnico da pasta errou ao elaborar a resposta oficial enviada à Câmara e que haverá uma apuração interna no ministério para determinar o que ocorreu. A resposta ao Legislativo, em seguida, será “retificada”.

Relação com a China

O depoimento de Marcelo Queiroga foi recheado de estratégias que o permitiram evitar entrar em rota de colisão com o presidente Jair Bolsonaro.

Na véspera, o chefe do Poder Executivo atacou a China ao sugerir, sem apresentar qualquer fundamento, que o país asiático faz “guerra química” com o novo coronavírus por interesses econômicos.

Questionado sobre a ação de Bolsonaro, o ministro se limitou a dizer que tem boa relação com representantes do governo chinês, com os quais conversa quase semanalmente.

“A nossa relação com o embaixador da China é a melhor possível”, frisou. Há uma reunião dele e do chanceler Carlos França com o embaixador chinês marcada para esta sexta-feira.

Defesa do isolamento social e do uso de máscaras

Diante da insistência dos membros da CPI para que emitisse sua opinião particular a respeito da prescrição da cloroquina para pacientes com a covid-19, o ministro Marcelo Queiroga ressaltou que a definição dos remédios não é fundamental para o combate à pandemia.

Segundo ele, os fatores decisivos para o êxito da política sanitária do País são a vacinação em massa e as medidas não farmacológicas, como o distanciamento social e o uso de máscaras de proteção.

“Essa questão do tratamento precoce não é decisiva no enfrentamento à pandemia. O que é decisivo é justamente a vacinação e as medidas não farmacológicas”, disse.

Provocado a comentar o fato de Bolsonaro ter promovido uma série de aglomerações, o ministro disse apenas que elas não devem ser feitas por ninguém.

“Toda aglomeração deve ser dissuadida, independente de quem faça”, disse.

A favor de “medidas extremas”

Outro conflito com posições manifestadas pelo presidente Jair Bolsonaro transpareceu ao ser perguntado sobre medidas como o lockdown.

Marcelo Queiroga afirmou não ser contrário a “medidas extremas”, desde que elas sejam colocadas em prática em casos específicos.

“Num município onde o estado epidemiológico está muito grave, pode-se, eventualmente, ter um fechamento maior, mas, como uma medida nacional… Nós temos um país continental. Uma medida como essa não vai surtir o efeito desejado”.

Jair Bolsonaro disse na quarta-feira avaliar a edição de um decreto para garantir a “liberdade de culto, de poder trabalhar e o direito de ir e vir” que “não poderá ser contestado por nenhum tribunal”.

Queiroga confirmou não ter sido consultado para fazer sugestões à minuta, mas que não cabe a ele fazer juízo de valor sobre o decreto.

“O que o presidente falou comigo acerca desse tema é que ele queria assegurar a liberdade das pessoas. Com assegurar a liberdade das pessoas, eu concordo”, salientou.

Contra a quebra de patentes

Marcelo Queiroga disse ser contrário à quebra de patentes de vacinas contra a covid-19. O ministro argumentou temer que o Brasil não tenha condições de produzir as vacinas mesmo com a suspensão dos direitos de propriedade intelectual.

O ministro destacou que o programa de vacinação do País é baseado em doses provenientes de fabricantes como Pfizer e Janssen e que a quebra de patentes poderia afetar o programa.

“Isso pode interferir negativamente no aporte de vacinas para o Programa Nacional de Imunização. Claro que isso é uma opinião inicial. Vi que o presidente Biden se manifestou. Isso carece de análise mais detida”, afirmou Queiroga.

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