Proteção para quem inova é um dos princípios fundamentais da evolução tecnológica e do desenvolvimento econômico

Interfarma, Estadão Blue StudioConteúdo de responsabilidade do anunciante – Jornal Estadão

A comoção decorrente da covid-19 tem suscitado uma série de propostas e ações que abalam a estabilidade do sistema de patentes e causam insegurança às empresas e instituições empenhadas em desenvolver inovações, nos mais diversos setores da economia.

Uma dessas questões é o debate sobre a licença compulsória de patentes para vacinas contra a covid-19, processo também conhecido como “quebra provisória de patentes”. Na semana passada, o governo dos Estados Unidos anunciou apoio a uma proposta nessa direção que já estava sendo discutida na Organização Mundial do Comércio (OMC).

O Brasil tem alguns projetos de lei sobre licença compulsória de patentes para vacinas tramitando no Congresso Nacional. Um deles já foi aprovado pelo Senado e seguiu para análise da Câmara. Para o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, a eventual aprovação da proposta resultaria em efeitos negativos no combate à pandemia, pois não traria resultados efetivos e poderia abalar o que já se construiu, em termos de cooperação, com os laboratórios estrangeiros.https://www.estadao.com.br/widget/coronavirus

“É preciso entender que os princípios de reconhecimento à inventividade precisam ser mantidos. Outra pandemia poderá acontecer daqui a algum tempo, e a humanidade novamente dependerá da incrível capacidade demonstrada pelos laboratórios desde que começou a crise da covid-19”, disse Mandetta durante o Diálogos Estadão Think — Qual a Importância das Patentes?, promovido no dia 5 de maio pelo Estadão Blue Studio em parceria com a Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma). Fundada em 1990, com 51 laboratórios associados, a organização representa empresas que investem em pesquisa e inovação na área farmacêutica.

Processo complexo

Do ponto de vista prático, Mandetta projetou que seria necessário pelo menos um ano, a partir da eventual quebra das patentes das vacinas pelo Brasil, para que o País consiga colocar no mercado uma opção “genérica”, o que exige uma série de etapas e testes. “A pergunta que se faz é: o que ocorreria nesse meio-tempo com os processos e parcerias em andamento? Como ficaria a segurança daqueles que depositaram suas patentes aqui?”

Em contrapartida, mantendo-se o quadro atual, mesmo com todas as dificuldades para que o processo avance na velocidade desejada, espera-se que em um ano o Brasil já tenha conseguido vacinar 100% de sua população. “E então precisaremos das novas gerações de vacinas contra a covid-19. Para isso temos os acordos de transferência de tecnologia em andamento”, disse Mandetta.

A presidente da Interfarma, Elizabeth de Carvalhaes, concordou que a licença compulsória não traria benefícios efetivos para o enfrentamento da pandemia no Brasil, dada a complexidade envolvida numa eventual produção local que partisse do estágio inicial. “É preciso habilitar fábricas, desenvolver know-how e obter os insumos, que têm logística complicada.”

A expectativa é de que, ao longo do próximo ano, outros laboratórios coloquem vacinas no mercado e os países desenvolvidos distribuam seus excedentes, de tal forma que a oferta se tornará mais ampla e regular. Assim, toda a infraestrutura eventualmente mobilizada pelo Brasil para fabricar versões genéricas das vacinas deverá se tornar desnecessária em pouco tempo.

Visão estratégica

A solução apontada pelos especialistas é a busca de estratégias consorciadas, em nome do esforço coletivo da humanidade para deter a pandemia. “E isso se faz com diálogo, porque rompimentos e decisões unilaterais certamente não são o melhor caminho”, observou o senador Izalci Lucas, presidente da Frente Parlamentar Mista de Ciência, Tecnologia, Pesquisa e Inovação, também presente no debate.

Ele ressaltou a importância de investir na pesquisa e na inovação, para que, nas próximas gerações de vacinas contra a covid-19 e contra outras doenças, o Brasil não dependa da compra ou da quebra de patentes. “Por isso é fundamental reforçar o sistema de patentes, em vez de atacá-lo”, disse o senador.

Para Elizabeth, as circunstâncias da pandemia deveriam ser aproveitadas para que se desenvolva uma visão estratégica de pesquisa e desenvolvimento. “Precisamos definir nossa agenda de inovação e tecnologia. Onde queremos estar daqui a 30 anos? Quais vão ser as nossas políticas de longo prazo?”

José Graça Aranha, diretor regional da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (Ompi) no Brasil e ex-presidente do Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (Inpi), observou que as decisões nessa área deveriam ser muito mais técnicas que políticas e ressaltou a relação próxima, ao longo da história, entre desenvolvimento econômico e valorização da propriedade industrial. “Só os países que entenderam isso deram saltos econômicos, sociais e tecnológicos. É irônico que, justamente neste momento em que a humanidade está dependendo tanto das pesquisas e da inovação, o sistema de patentes esteja sendo atacado de tantas formas.”

Decisão do STF amplia insegurança

O webinar aconteceu no mesmo dia em que transcorria um julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a Lei da Propriedade Industrial (LPI) – cujo resultado deverá trazer consequências negativas para o futuro da inovação no País.

O STF acolheu a tese da Ação Direta de Inconstitucionalidade número 5.529, encaminhada em 2016 pela Procuradoria-Geral da República (PGR) para alterar a LPI. Cerca de 63% das patentes de fármacos e biofármacos vigentes no Brasil serão extintas ou terão seus prazos reduzidos por conta dessa decisão, mas os efeitos se espalharão em proporção semelhante por vários outros setores da economia.

Considerou-se inconstitucional um dispositivo da Lei de Patentes que assegurava o tempo mínimo de dez anos, a partir da data de concessão pelo Inpi, para que o inventor desfrutasse com exclusividade da sua inovação. A mudança ocorre depois de 25 anos desde a aprovação da lei, em 1996.

A ação encaminhada pela PGR pediu a extinção desse dispositivo, presente no artigo único do parágrafo 40, com base na visão de que se tratava de uma extensão do prazo das patentes. A lei determina que o prazo de vigência de uma patente no Brasil é de 20 anos a partir da data de protocolo do pedido no Inpi. O dispositivo se aplicava a casos em que a análise fosse além de dez anos – nessas circunstâncias, a data de referência para a contagem dos dez anos finais passava a ser a de concessão da patente.

Com a decisão do STF, perdeu-se essa garantia mínima, e o inventor corre agora o risco de ver todo o prazo de vigência da patente ser consumido pela demora do Inpi em analisar o processo. Diante desse quadro de incertezas, uma das consequências previstas é a inibição dos investimentos em pesquisa e desenvolvimento, com retração dos investimentos internacionais.

Ineficiência progressiva

O senador Izalci Lucas lamentou os efeitos da decisão não apenas sobre a iniciativa privada, mas também sobre as universidades e instituições de pesquisa, que estão entre as maiores detentoras de patentes e têm nisso uma importante fonte de renda. É o caso da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e de universidades como Universidade de São Paulo (USP), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Muitas dessas pesquisas são realizadas por meio de parcerias internacionais, que podem recuar diante da insegurança trazida pela decisão do STF.

Graça Aranha lembrou que, quando o dispositivo foi inserido na Lei de Patentes, em 1996, soava como uma precaução para algo que, esperava-se, jamais ocorreria. “Mas aí o Inpi foi acumulando ineficiência, e o dispositivo precisou ser acionado com uma frequência cada vez maior”, descreve Graça Aranha.

Mesmo com uma melhora gradual registrada nos últimos dois anos, o prazo médio de análise de um processo de patente pela autarquia está em 8,8 anos. Há mais de 10 mil pedidos nessa situação. “A solução óbvia é aumentar a eficiência do Inpi”, concluiu Graça Aranha.

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By valeon