Thiago Prata

Há 25 anos, José Saramago lançava “Ensaio sobre a Cegueira”, que narra os efeitos catastróficos de uma epidemia. Uma década mais tarde, o português colocava nas prateleiras “As Intermitências da Morte”, romance que mostra, em sua primeira metade, as consequências geradas em um país onde, durante meses, ninguém morre. Em ambos os livros, há críticas potentes a várias instituições.

Em tempos de pandemia, obras como essas se fazem atemporais e reforçam não apenas a força da literatura de seu criador como também o discurso humanista que perpetua, mesmo dez anos após a morte do autor.

Humanista

Nascido em Azinhaga, em Portugal, em 16 de novembro de 1922, e falecido em Tías, na Espanha, no dia 18 de junho de 2010, José de Sousa Saramago se tornou um ícone dentro do meio, sendo, inclusive, laureado com o Prêmio Nobel de Literatura em 1998 – é o único escritor de língua portuguesa congratulado com a honraria.

“Saramago tem um papel importantíssimo como escritor na reconstrução da língua portuguesa através de seus romances. E também como humanista, como pessoa ligada em todos os setores da vida política do mundo, não só portuguesa e brasileira”, comenta o gestor cultural e escritor Afonso Borges, que recebeu Saramago em 1999, em Belo Horizonte, para uma edição do Sempre Um Papo.

“Ele (Saramago) dizia que nunca havia tido uma recepção em Belo Horizonte. Em 1999, foram 2 mil pessoas no Palácio das Artes para vê-lo. As pessoas batiam palmas sem parar, e ele virou para mim e disse: ‘É a primeira vez que sinto o vento das palmas’. Só uma pessoa sensível como ele para notar e falar algo assim. Em público, ele era formal, mas pessoalmente era muito divertido”, relembra.

Diretor do documentário “Um Humanista Por Acaso Escritor”, sobre a obra de Saramago, o cineasta Leandro Lopes também enfatiza a questão humanista do português, algo que transcende o conteúdo dos livros.

“Era muito comum, nos lançamentos das obras, ele aproveitar o tempo para denunciar alguma atrocidade humana. Ele se tornava uma figura peculiar. Era na rodagem pelo mundo que oficializava, com suas frases, o alerta a algumas questões. Hoje em dia, você vê artistas que se calam diante de questões sociais. Saramago, porém, é inspiração àqueles que nutrem a coragem de se projetar no mundo como críticos”, disse.

Mais do que se posicionar e denunciar as mazelas de sociedades, o português carregava consigo um anseio, como destaca a presidenta da Fundação Saramago e ex-companheira dele, Pilar del Rio, em “Um Humanista Por Acaso Escritor”. “Gosto de encontrar o que José Saramago escreveu. E o que escreveu é que em todos os momentos, em todas as circunstâncias, o amor é possível”, sintetiza.

Atemporalidade

Numa época em que a pandemia do novo coronavírus matou mais de 400 mil pessoas em todo o mundo – sendo mais de 40 mil no Brasil –, enfraqueceu a economia, abalou a fé de muitas pessoas em várias instituições e modificou as relações entre os indivíduos, as obras de Saramago se mostram atemporais.

“Vou te dar um bom exemplo sobre isso. No livro ‘Intermitências da Morte’, ele faz uma crítica, através da ausência da morte, e é muito daquilo que a gente vive hoje. Vivemos a pandemia, e isso nos faz relembrar como Saramago trata de momentos assim, como no retratado no livro, já que a morte, naquele contexto, é como uma pandemia, pois causa todo um alvoroço social”, ressalta o cineasta Leandro Lopes, que estudou Saramago para seu mestrado.

“O primeiro capítulo do ‘Intermitências’ fica nessa crítica. Embora não seja algo panfletário, aborda questões humanistas no mundo. O que ele faz, provoca. ‘Ensaio Sobre a Cegueira’ também é sobre esse momento, sobre uma pandemia. Se formos pegar esses dois livros, vem toda uma preocupação humanista”, completa.

Em outras palavras, para Lopes, as pessoas deveriam ler mais Saramago “para serem pessoas melhores”. “Ele tinha esse poder. Livros como ‘O Evangelho Segundo Jesus Cristo’ (1991) e ‘Ensaio Sobre a Cegueira’ abrem um pouco nosso coração para questões que são muito importantes no mundo. E, mais do que os livros, é interessante às pessoas ouvirem as palavras de Saramago”, destaca.

Afonso Borges também bate na tecla de que a literatura de Saramago é atemporal (e essencial). “Não tem nada datado. Você vê essa pandemia que vivemos, e ‘Ensaio Sobre a Cegueira’ já surge como referência. Saramago era um inovador sempre. Perceba como em suas obras as pessoas não têm nomes. Ele sempre procurou inovar, livro a livro”, salienta.

Homenagens

Nesta quinta-feira, às 18h, no Instagram e no Facebook do Sempre Um Papo, Afonso mediará um debate sobre a obra de Saramago e que contará com a participação de jornalista e ex-companheira de Saramago Pilar del Río, presidenta da Fundação José Saramago, Luiz Schwarcz, editor da Companhia das Letras no Brasil, e Carlos Reis, professor de Coimbra.

Outra boa pedida é a exibição de “Um Humanista Por Acaso Escritor”. A exibição acontece a partir das 19h no canal da Cardume TV no YouTube, seguida de debate com o diretor Leandro Lopes e convidados.

 

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By Moysés