Partidos ignoram lei de apoio a mulheres
Dados de 4 anos mostram que norma não valeu em 67% dos casos, em 32 legendas
Paula Reverbel, O Estado de S.Paulo
Os partidos brasileiros não cumpriram a exigência legal de destinar 5% da verba que recebem do chamado Fundo Partidário – o Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos – em programas que incentivem a presença de mulheres na política, de acordo com levantamento acadêmico consultado pelo Estadão. A norma foi desrespeitada em 67% das ocasiões, considerando quatro exercícios financeiros já julgados de 32 agremiações. Apenas os nanicos Democracia Cristã (antigo PSDC) e PSTU respeitaram a regra nos anos considerados.
Outras 10 agremiações desrespeitam a norma durante os quatro anos da pesquisa: PCB, Cidadania (antigo PPS), PT, DEM, PP, MDB, PTC, PRP (incorporado ao Patriota), Avante (antigo PTdoB) e PRTB. Os dados foram coletados pelo pesquisador André Norberto Carvalho, que consultou os julgamentos das prestação de contas das siglas em 2010, 2011, 2012 e 2013. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) concluiu as análises de 2014 e avalia 2015.
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Ao contrário da cota de 30% do Fundo Eleitoral que tem de ir para candidaturas femininas – exigência que deriva de uma interpretação do TSE sobre a Lei das Eleições – a cota dos 5% consta explicitamente da Lei dos Partidos Políticos desde 2009.
Alguns partidos tentaram, em suas prestações de contas, fazer com que despesas administrativas – como manutenção de instalações e telefone, por exemplo – fossem aceitas pelo tribunal como investimentos voltados ao aumento da participação feminina. Caso do PSDB que, a partir de 2011, criou uma norma interna sobre a aplicação dos recursos destinados à promoção da participação feminina na política, permitindo computar uma parcela dos gastos de manutenção da sede nacional – onde funciona também a Secretaria do PSDB-Mulher – como investimento para fins do programa.
Apesar de ser uma exigência legal, o desrespeito à norma dos 5% só não levou à reprovação das contas partidárias quando esse era o único problema nos cálculos apresentados pelos partidos. Na imensa maioria das vezes, o TSE optou por aprovar as contas com ressalvas, aplicando “os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade”, com o entendimento de que as falhas tinham afetado uma porcentagem pequena da verba pública destinada às agremiações.
“Logo que começa o julgamento das contas de 2010, firma-se o entendimento de que esse descumprimento por si só não geraria a desaprovação de contas, só uma multa de 2,5%”, explicou Carvalho ao Estadão.https://arte.estadao.com.br/uva/?id=Q8P4bQ
Uso eventual. O levantamento do pesquisador também mostrou que o mesmo argumento – que livrou partidos de serem penalizados por não investirem o mínimo em programas de participação feminina – não foi aplicado diante de outras falhas. Ao se debruçar sobre problemas de outra natureza, o ministro Luiz Fux considerou que era importante considerar o valor nominal da irregularidade – ou seja, se ela tinha comprometido quantias vultosas, mesmo que estas representassem uma parte pequena da verba total. O ministro Henrique Neves, também na análise de outros pontos que não a cota dos 5%, defendeu que o TSE deveria observar a qualidade e a gravidade das falhas.
Nessa linha, Carvalho também destacou uma relatório de Luís Roberto Barroso, acompanhado por Edson Fachin, Og Fernandes, Luis Felipe Salomão, Admar Gonzaga e Tarcisio Vieira, segundo o qual irregularidades graves comprometem a transparência das contas, mesmo que representassem porcentual ínfimo em relação ao total de recursos.
O tratamento que o TSE deu à regra dos 5% passou a ser questionado pela ministra Rosa Weber, que começou a defender a ideia de que a reincidência no erro, ou seja, o descumprimento da cota por vários anos, deveria sim levar à reprovação das contas – desfecho que leva à suspensão dos repasses do Fundo Partidário.
“A ministra Rosa Weber propôs que geraria reprovação na terceira reincidência”, afirmou o pesquisador Norberto Carvalho, salientando que esse entendimento foi aplicado uma vez, para reprovar as contas de 2012 do DEM. “Mas também não prevaleceu nos demais julgamentos sobre a questão essa ideia, porque criou-se o entendimento de que aqueles partidos que cumpriram parcialmente com os 5% estariam tentando viabilizar o cumprimento da norma. Mas a norma não coloca essas gradações, ela simplesmente estabelece que 5% é o mínimo”, argumentou Carvalho.
Proporcionalidade. Para a advogada Maíra Recchia, coordenadora-geral do Observatório de Candidaturas Femininas da seção paulista da Ordem dos Advogados do Brasil, não se valoriza adequadamente a inserção das mulheres na política.
“Se aplica o princípio da proporcionalidade para isso, mas não para outros casos”, criticou a advogada Recchia. E acrescenta: “Ao tratar de outros assuntos, eles rejeitam as contas eventualmente por uma porcentagem que, ainda que seja irrisória, eles falam que compromete a regularidade”. “E aí os partidos vão aplicando esse pacote de verbas em outras coisas que nada têm a ver com sua finalidade”, concluiu Recchia.
A advogada admite que as agremiações partidárias vêm montando, em anos recentes, secretarias para as mulheres – mas sua avaliação é que isso ainda está muito distante de caracterizar atuação partidária. “As mulheres ficam restritas às secretarias de mulheres, fazendo palestras para mulheres e organizando cursos de formação”, criticou. Mas nenhuma dessas atividades configura cumprimento do texto legal: “ A legenda não as insere efetivamente na política”, concluiu Recchia.
Anistia
Em 2019, o Congresso aprovou uma mudança na lei dos partidos que anistia todas as siglas que tenham deixado de aplicar, entre os anos de 2010 e 2018, 5% do Fundo Partidário em programas de participação feminina, desde que tenham aplicado esse tanto no financiamento de candidaturas femininas. Segundo Recchia, a mudança de 2019 tratou-se de uma reação dos partidos à expectativa de que o TSE passasse a penalizar mais duramente as legendas que descumprissem a regra.
“Como os partidos estavam reiterando o descumprimento da lei, era inevitável que começassem a ter penalidades mais duras”, afirmou a advogada, acrescentando que há maior entendimento da sociedade sobre questões de diversidade.
Essa anistia virou, em setembro daquele ano, alvo de uma ação direta de inconstitucionalidade assinada pela então procuradora-geral da República, Raquel Dodge. Pode, portanto, ser derrubada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Os partidos PL, DEM, MDB e PDT pediram que a corte os deixe participar da ação como amicus curiae, ou seja, partes interessadas no desfecho do processo.
Partidos dizem que vêm se adequando à legislação
Procurado pelo Estado, o MDB afirmou que homologou em agosto de 2020 um acordo firmado com o TSE para investir na participação das mulheres valores referentes à prestação de contas de 2010 a 2014. O partido disse ainda que foi o partido que mais elegeu mulheres nas eleições de 2020 (1468).
O DEM informou que “já cumpriu as sanções, aplicadas pelo TSE às contas citadas” pelo não investimento dos 5% e informou que lançou em 2019 uma Estratégia Nacional de Formação Política para Mulheres para disputar as eleições pela sigla. O Patriota informou que a lei permite gastar em campanhas de mulheres aquilo que não se gastou da cota dos 5% no decorrer do ano.
Falando pelo PDT, Miguelina Vecchio, liderança do movimento Ação da Mulher Trabalhista afirmou que o PDT vem cumprindo com outra exigência – a de repassar 30% do Fundo Eleitoral para candidaturas femininas – e disse não se lembrar dos julgamentos das contas partidárias que versavam sobre a cota de 5%.
O PSD informou que “as verbas estabelecidas pela legislação foram efetivamente aplicadas na promoção e difusão da participação política das mulheres e também destinadas às candidaturas femininas do PSD em eleições posteriores”.
O PT afirmou que o estudo refletiu as dificuldades nos anos iniciais de aplicar “uma legislação que começou a romper uma longa tradição de desigualdade” e disse que foi o primeiro partido a adotar a paridade de 50% nos cargos direção em todos os níveis. O PSOL informou que “o partido e sua setorial de mulheres estavam, nos anos referidos, num período de adaptação à nova legislação, processo que foi concluído no ano seguinte, sem prejuízo à promoção de políticas de apoio às mulheres.
O Podemos – respondendo pelo PTN e pelo PHS – afirmou que inicialmente, antes de o TSE se manifestar contra a soma de gastos administrativos no cálculo dos 5%, não conseguiu comprovar quais gastos foram para a estrutura da secretaria da mulher, já que ambos os partidos eram nanicos e utilizavam os mesmos espaços da sede nacional.
O PC do B – que incorporou o PPL – informou que tem atualmente ao menos 30% da composição de todas as instâncias partidárias formadas por mulheres. O partido informou ainda que entendia ter cumprido com a norma, mas que o TSE considerou que algumas das despesas apontadas pelo PCdoB e pelo PPL não podiam ser qualificadas como parte dos programas de participação feminina. “Mesmo não concordando com os critérios do TSE (…) o PCdoB e o PPL cumpriram e estão cumprindo as determinações do TSE quanto às multas e valores a serem aplicados a mais nos anos seguintes”.
PCB, PL, PMN, PP, PRB, PSC, PSDB, PSB, PTB, Avante, PV e SD não responderam. O PSL entrou em contato com a reportagem para avisar que não iria conseguir enviar resposta. Os presidentes nacionais do Cidadania, Roberto Freire, e do PRTB, Levy Fidelix, não visualizaram as mensagens enviadas pelo Estadão. A reportagem não conseguiu entrar em contato com PCO, PTC, PRP e Pros.