Elizabeth de Carvalhaes*
01 de abril de 2021 | 06h00
A Lei de Propriedade Industrial (Lei 9.279/96) determina que o prazo de vigência de uma patente é de 20 anos contados da data do pedido junto ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI). A Lei também tem um dispositivo alternativo que concede um prazo mínimo de 10 anos de vigência da patente, quando o INPI demora mais de uma década para avaliar o pedido e concedê-la. Pela Constituição de 1988, as patentes devem conferir privilégio temporário ao seu titular, cabendo a lei infraconstitucional defini-lo.
Há cinco anos, a constitucionalidade desse dispositivo alternativo – parágrafo único do artigo 40 da LPI – vem sendo discutida pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Quem defende a inconstitucionalidade afirma que o prazo mínimo de 10 anos tornaria patentes vigentes por prazo indeterminado. O julgamento da ADI 5529, inicialmente marcado para 26 de maio, foi agora antecipado para o dia 7 de abril.
O adiantamento ocorreu após a Procuradoria-Geral da República requerer tutela de urgência para que a decisão do STF fosse tomada imediatamente pelo relator. A justificativa dada pelo Procurador-Geral Augusto Aras foi que a medida seria importante para o combate à pandemia de Covid-19 e para garantir maior acesso a medicamentos pela população através do Sistema Único de Saúde. Cabe ressaltar ainda que o Procurador-Geral expressamente lista no pedido medicamentos cujas patentes não estão mais vigentes ou remédios que não tem registro junto à Anvisa, o que os impede de serem comercializados no país, ainda que patenteados.
E aqui cabe a primeira consideração: não existem medicamentos para tratamento ou cura de Covid-19 protegidos pela aplicação do dispositivo cuja constitucionalidade está sendo contestada. Ou seja, a decisão do STF pela eliminação do prazo mínimo de patentes da Lei brasileira não facilitará a produção de medicamentos aptos a combater a Covid-19. De fato, existem diversos protocolos experimentais. Para todos esses, são vários os medicamentos disponíveis, incluindo genéricos, no país. E vale ressaltar: a indústria nacional não tem capacidade instalada para produzir quantidades suficientes para enfrentar a pandemia. Não por outra razão, a presença de laboratórios globais é fundamental para aumentar a produção ou ainda garantir que haja deslocamento de produção de outras nações para nossos pacientes.
Toda a argumentação da tutela de urgência está relacionada ao setor farmacêutico. Mas o resultado prático imediato da eliminação do parágrafo único do artigo 40 afetará mais de 35 mil patentes em todas as áreas da economia, incluindo telecomunicações, eletroeletrônicos, agricultura e biotecnologia, dentre outros. Pouco mais de 4 mil patentes são da indústria farmacêutica. Serão afetadas também patentes de grandes laboratórios, de universidades públicas (USP, Unicamp, UFMG) e de empresas nacionais (Petrobrás e Embraer).
Em suma, eliminar o art. 40 parágrafo único é invalidar milhares de patentes que demoraram mais de 10 anos para serem concedidas em uma única decisão e isso afetará a economia nacional como um todo. Patentes estas que possuem prazo de vigência temporário: de 10 anos contados da sua concessão.
O parágrafo único do artigo 40 só é aplicado quando há excessiva demora na concessão da patente pelo Estado. A decisão por se ter duas possibilidades de prazo na Lei de Propriedade Industrial foi uma deliberação do Congresso Nacional na década de 90, justamente quando a lei foi reformulada para que o Brasil cumprisse com o TRIPS (acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio, da sigla em inglês) que é adotado por mais de 164 países vinculados à Organização Mundial do Comércio.
Caso o STF decida pela inconstitucionalidade desse prazo mínimo de 10 anos, haverá um impacto na segurança e previsibilidade para investimentos em tecnologia e inovação. Não teremos incentivos para que os agentes econômicos nacionais busquem novas invenções patenteáveis ou os estrangeiros tragam seus produtos para o mercado nacional. Tal decisão pode inclusive influenciar na entrada do Brasil na Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), já que a alteração das regras da concessão de patentes pode ser vista negativamente pelos mercados internacionais e pelos países membros da OCDE, que têm sistemas bem definidos sobre o tema.
Além disso, o USTR (departamento de comércio do governo dos Estados Unidos) publica anualmente uma classificação dos países quanto ao risco de investimento de empresas americanas. Nos últimos anos, o Brasil melhorou sua classificação após os esforços de redução de backlog e leis de incentivo à inovação e PI. No entanto, a revogação do parágrafo único do art. 40 pode enviar uma mensagem de imprevisibilidade e insegura, colocando o Brasil novamente na lista dos países de alto risco para os investimentos.
Não resta dúvida que a consequência direta da alteração da LPI será menos desenvolvimento e menos produtos avançados para a população brasileira. Dados referentes ao número de pedidos de patentes após a LPI demonstram que entre 1991 e 2004 houve um aumento de 131% no total de depósitos no INPI, segundo a Tendências Consultoria. Os depósitos de pedidos estrangeiros cresceram 18,7% ao ano entre 1996 e 1998. Ou seja, a LPI trouxe segurança jurídica e, consequentemente, melhorou o ambiente de desenvolvimento e a oferta de novas tecnologias no país.
O atraso do INPI na avaliação dos pedidos, que torna aplicável o parágrafo único do artigo 40, prejudica quem busca a proteção de uma patente no Brasil. Este inventor terá um longo período de incerteza (mais de uma década) para poder, com segurança, explorar comercialmente sua invenção. Também prejudica a economia do país porque desincentiva aqueles que acreditam no sistema e buscam proteção de suas invenções visando recompensar o investimento em pesquisa e desenvolvimento. Não há previsão de quando poderão receber a resposta do órgão e sem o prazo mínimo garantido, não haverá proteção quanto ao tempo que terão para explorar a patente.
Felizmente, desde 2019, o INPI vem combatendo o atraso em suas decisões e resultados muito positivos estão sendo apresentados. O aumento da eficiência do INPI e a diminuição dos processos pendentes já trarão resultados para todos os envolvidos. A partir do momento em que o INPI conseguir fazer as análises em período inferior a 10 anos, o parágrafo único do artigo 40 não será aplicável, visto que ele serve apenas para compensar uma possível ineficiência do órgão. Esse deveria ser o principal foco de atuação dos agentes envolvidos na discussão junto ao STF.
Decretar a inconstitucionalidade de um dispositivo legal, para todos os efeitos, é alterar a legislação vigente e as regras do jogo em um único processo e sem recurso. Obviamente que esta é uma decisão que afeta todo o país e todos os setores. A Interfarma entende que a discussão para alterar a LPI, vigente há 25 anos, é possível, mas deve ser conduzida pelo Congresso Nacional. Assim, serão garantidas a participação de todos os setores públicos e privados na discussão e a segurança dos direitos adquiridos, sem colocar em risco a inovação e o desenvolvimento de novas tecnologias no país.
*Elizabeth de Carvalhaes, presidente da Interfarma