Coronavírus

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Diogo Schelp – Gazeta do Povo

Fábio Faria, ministro das Comunicações, criticou no Twitter quem lamenta as 500 mil mortes por covid-19| Foto: Alan Santos/PR

Fábio Faria é ministro das Comunicações do governo de Jair Bolsonaro. Neste sábado (19), quando o país ultrapassou a triste marca de 500 mil mortes por covid-19, Faria comunicou aos brasileiros que quem lamentasse o número estaria “torcendo pelo vírus”. Ironizando “políticos, artistas e jornalistas”, Faria escreveu que eles nunca são vistos comemorando as milhões de doses de vacinas aplicadas no país ou os “18 milhões de curados”.

O presidente Jair Bolsonaro preferiu ignorar a marca de meio milhão de vidas perdidas para pandemia do novo coronavírus. Um dos únicos no governo a de fato lamentar as mortes, prestando sua solidariedade pública “a cada pai, mãe, amigos e parentes, que perderam seus entes queridos”, foi o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga.

Um dia depois, talvez alertado (por quem?) da imoralidade e falta de empatia contida em sua postagem, Faria voltou ao Twitter para tentar se explicar. Disse que “a dor do brasileiro é uma só”, que perdeu um tio para a covid e que estava apenas criticando a “politicagem” em torno da doença.

Lamentar as 500 mil mortes em vez de comemorar o número muito maior daqueles que se recuperaram (muitos, vale lembrar, com sequelas) não é politicagem. Faz parte do luto coletivo pelo qual o país precisa passar para seguir em frente.

O governo federal e seus representantes — principalmente aqueles a cargo da comunicação, como Faria — têm a obrigação moral de compreender esse processo e unir-se a ele. Como em todas as grandes tragédias que se abatem sobre uma comunidade, sobre um grupo de pessoas ou sobre uma nação, expor o pesar pelas mortes é uma das fases essenciais para superar a dor coletiva.

Sim, existe o luto pela perda coletiva, assim como existe o luto individual.

Quando, em 11 de setembro de 2001, os Estados Unidos foram atacados por terroristas islâmicos, o país enfrentou um luto coletivo pelas 2977 mortes — e as homenageia até hoje. Quem já visitou o memorial de 11 de setembro em Nova York sabe bem como isso é levado a sério. Os heróis daquela tragédia são exaltados. Os sobreviventes, com seus traumas ou sequelas físicas, são relembrados também como vítimas. Mas ninguém comemora o fato de o número de mortes não ter sido ainda maior.

Em 2015, um terremoto devastou boa parte do Nepal, um país pobre entre a Índia e a China. O país e o mundo lamentou os 9.000 mortos, os 22.000 feridos e todos aqueles que perderam suas casas na tragédia. Um ano depois, os nepaleses reuniram-se em rituais para homenagear e relembrar os mortos e não ocorreu a ninguém criticá-los por não comemorar os sobreviventes.

Todos os anos, costumava-se realizar em Blacksburg, no estado americano da Virgínia, uma corrida em homenagem aos 32 estudantes assassinados no massacre da universidade Virginia Tech. Não passou pela cabeça de ninguém que, melhor do que relembrar os mortos, seria fazer uma prova esportiva para comemorar o número muito maior de estudantes que sobreviveram ao atirador.

O luto é um processo natural e esperado em reação a uma perda. Dentre os vários sentimentos que ele pode desencadear está a sensação de perda de controle. Ou seja, diante de uma perda, individual ou coletiva, normalmente vem o sentimento de impotência.

Quando o pesar é coletivo, não é preciso conhecer cada um dos mortos para vivenciar sua perda e tampouco para compartilhar do mesmo sentimento de impotência. Compreende-se o que a perda significa para a nação como um todo e a melhor maneira de enfrentá-la é, também, por meio de um luto coletivo, da convicção de que não se está sozinho nesse processo.

No caso de uma crise ou de uma grande tragédia nacional que se arrasta por meses e anos, junto com o luto pelas perdas que já o ocorreram há um luto antecipatório. Sabemos haverá mais perdas, que mais pessoas vão morrer, e nos preparamos psicologicamente para isso. Falar sobre isso e expor o pesar, lamentando as perdas passadas e vindouras, ajuda a enfrentar os momentos difíceis.

Os brasileiros (todos, não apenas “políticos, artistas e jornalistas”) podem e devem lamentar as 500 mil mortes e seguir lamentando cada vida perdida a mais.

O governo Bolsonaro talvez não queira lamentar as 500 mil mortes porque acredita que, ao fazê-lo, estará dando argumentos para as acusações de que é responsável por elas.

Mas o efeito é o oposto: ao negar aos brasileiros um luto nacional pelas vidas perdidas até agora, mesmo que a crise ainda não tenha terminado, o governo de Jair Bolsonaro reforça a percepção de que não se importa com elas.

Todas as vidas brasileiras importam. E temos direito ao luto coletivo.


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