Editorial
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Gazeta do Povo

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), defendeu recentemente que o Congresso discuta mudanças no sistema atual de governo do Brasil.| Foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados

Nos últimos dias, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), tem dado sinais de que pode colocar em pauta a mudança do sistema de governo, transformando-o num tipo de semipresidencialismo. O modelo defendido seria uma espécie de mistura do modelo presidencialista com o parlamentarista, presente em algumas democracias do mundo. Na opinião de Lira e de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) como Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes, a mudança poderia reduzir o nível atual de conflito entre os três Poderes e devolver certa estabilidade ao cenário político nacional, independentemente do resultado das eleições de 2022.

No plano de fundo da proposta de Lira e outros atores envolvidos, que incluem também defensores do parlamentarismo espalhados em diversos partidos, especialmente no PSDB, reside uma preocupação legítima com a instabilidade institucional do país, acentuada progressivamente desde as manifestações de junho de 2013. Ademais, o Brasil assistiu a dois processos de impeachment de dois mandatários entre os cinco eleitos desde 1989. E, atualmente, existe pressão para que seja aberto um novo processo contra o atual presidente, Jair Bolsonaro.

O sistema político brasileiro, conhecido como presidencialismo de coalizão, vem funcionando na prática em grande parte com trocas fisiológicas entre Legislativo e Executivo, com vistas a formar maioria com diversos partidos sem clara orientação programática, para garantir a governabilidade.

Esse sistema gera frequentemente dissociações entre as plataformas políticas eleitas no Executivo e a maioria parlamentar, composta por uma miríade de partidos sem uma definição política clara. Logo, a solução do semipresidencialismo apareceria como uma tentativa de deixar o jogo institucional “mais fluido”. Afinal, o modelo semipresidencialista geralmente se baseia no esvaziamento de prerrogativas da Presidência da República, passando as questões de política interna e a divisão de recursos para garantir a governabilidade nas mãos de um Chefe de Governo, eleito pelo Parlamento. Por isso, seus defensores alegam que o semipresidencialismo costuma apresentar um maior nível de “consenso institucional”, refletindo, senão a vontade geral da maioria, um nível minimamente adequado de correlação de forças e equilíbrio de antagonismos.

Mas, no caso concreto do Brasil, chama a atenção que os envolvidos entusiasmados nesse debate não percebam os riscos constitutivos que ele carrega. Em primeiro lugar, é forçoso reconhecer o nível de representatividade insuficiente do Congresso Nacional dado o atual sistema eleitoral proporcional. Dos 513 deputados eleitos na Câmara, só 27 dependeram do próprio voto para se eleger.

Isso significa que somente 5,26% dos deputados federais não dependeram do chamado quociente eleitoral, calculado com base nos votos próprios e de toda a coligação na qual os candidatos estão inseridos. É difícil imaginar que, num sistema assim, um governo formado pela maioria parlamentar tivesse legitimidade popular para governar sem grandes conflitos institucionais. Ainda mais num contexto em que o Congresso teria apoiado abertamente a diminuição de poderes do Presidente da República, que continuaria sendo eleito pela maioria dos votos de todo o País.

Em outras palavras, a adoção de um novo sistema de governo no Brasil que conferisse mais poder ao Parlamento teria de passar antes, para obter legitimidade, por uma revisão das próprias regras que regem a eleição dos atuais deputados.

Muito mais importante e urgente para sanar a instabilidade política que ora nos assola é a reforma do sistema eleitoral, adotando um modelo de tipo distrital misto, no qual estados e municípios são divididos em distritos, nos quais cada partido ou coligação indica um único candidato pela disputa da cadeira ao Legislativo. Esse tipo de sistema, além de reduzir os custos das eleições, tornaria a relação entre a população do distrito e o parlamentar que a representa bem mais próxima. Assim, a própria formação de coalizões governamentais representaria muito mais as demandas de fatias do eleitorado. Nesse contexto, até mesmo o debate parlamentar para eventual troca de modelo de governo estaria mais conectado com interesses reais da população.

Bolsonaro, as eleições e o voto impresso
Por outro lado, o debate atual tem algo de reprise fracassada da história política nacional. Não é de hoje que se tenta implementar um modelo próximo ao parlamentarismo, sendo sucessivamente derrotado pela vontade da maioria nos momentos em que isso foi submetido ao escrutínio da população. O parlamentarismo foi derrotado em plebiscito 1963, depois de ter sido implementado por decisão do Congresso em 1961. Depois, foi novamente derrotado em plebiscito em 1993, mesmo depois da crise política que levou ao impeachment de Fernando Collor. Ou seja, todos os indícios são que soluções que retirem ainda mais poder político do Presidente majoritariamente eleito seriam amplamente rejeitadas pela população.

Em um contexto político altamente polarizado, não é difícil perceber que essa seria a receita para um aumento da instabilidade política, econômica e social do país.

O Congresso faria mais bem ao reformar suas próprias condições de existência e estruturação, tornando a política mais próxima do eleitorado e mais transparente.

A implementação do voto distrital misto teria mais peso em termos de aprimoramento da democracia brasileira, contribuindo também para a restauração do equilíbrio necessário entre os Poderes, na medida que um Legislativo mais representativo é também um Legislativo mais forte, capaz de debater agendas nacionais e contribuir para a construção do bem comum.


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