Editorial
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Gazeta do Povo

O presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Economia, Paulo Guedes.| Foto: Edu Andrade/Ascom/ME

O “superministério” que Jair Bolsonaro criou no início de seu mandato, colocando todos os aspectos da política econômica sob a batuta de Paulo Guedes, está sendo lentamente desmontado. Na recente reforma ministerial feita para dar mais espaço ao Centrão no primeiro escalão do governo – mais especificamente, ao senador Ciro Nogueira (PP-PI), novo titular da Casa Civil –, foi recriado o Ministério do Trabalho (que ainda incluirá a Previdência), comandado por Onyx Lorenzoni, até então secretário-geral da Presidência da República. No entanto, os desmembramentos podem não terminar aí, e cogita-se o retorno do Ministério do Planejamento, responsável pela elaboração do Orçamento da União, que poderia ir para o PSD de Gilberto Kassab.

A recriação de ministérios e o seu uso para conquistar o apoio político do Centrão, por si só, já vão na direção contrária à do discurso de Bolsonaro durante a campanha de 2018 e o início do governo, quando houve um necessário enxugamento da máquina administrativa e a disposição em inaugurar uma relação com o Legislativo baseada no compromisso com as pautas vencedoras na eleição, e não na troca de cargos por apoio. Do retorno aos métodos antigos de garantia da “governabilidade” já tratamos em ocasião anterior. O risco do desmembramento do Ministério da Economia, no entanto, transcende as questões políticas.

Novos ministérios na área econômica abrem a porta para que seus titulares adotem orientação diferente ou até oposta à pauta liberal de Paulo Guedes, levando a conflitos velados ou até abertos entre ministros

Bolsonaro defendeu a recriação do Ministério do Trabalho afirmando que isso traria “descompressão” a Guedes. “O Paulo Guedes tem um ministério enorme, ele agregou cinco ministérios no passado, quando assumiu. Um esforço enorme para manter aquele ministério funcionando (…) Dá uma certa descompressão no Paulo Guedes e deixa o Onyx Lorenzoni tratar dessa questão importantíssima”, disse o presidente. De fato, trata-se de esforço hercúleo gerenciar toda a política econômica, mas para isso há as secretarias especiais, com equipes dedicadas a temas específicos, como a desburocratização, as privatizações e, até agora, o mercado de trabalho e a Previdência. Guedes só precisaria de “descompressão” se estivesse disposto a microgerenciar absolutamente tudo.

E a reunião de todos esses temas sob um único ministro tem a vantagem de garantir que cada parte da política econômica seja elaborada em coerência com o ideário liberal defendido por Guedes, e que oferece uma chance única ao país. Goste-se ou não de propostas específicas do ministro, fato é que ele representa, pela primeira vez em décadas, a adoção do liberalismo como programa de governo, já que recentemente o Brasil vira apenas alguns espasmos de liberalismo dentro de um histórico de estatismo e defesa do Estado grande e provedor.

Mas, a partir do momento em que Trabalho, Previdência e, talvez, Planejamento tornam-se pastas autônomas, sob o comando de ministros que terão o mesmo status hierárquico de Guedes, abre-se a porta para que os novos titulares adotem orientação diferente ou até oposta à pauta liberal que norteia as ações do Ministério da Economia, levando a conflitos velados ou até abertos entre ministros. Um exemplo recente ocorreu no segundo governo de Dilma Rousseff, quando Joaquim Levy, um defensor do ajuste fiscal na Fazenda, entrou em rota de colisão com Nelson Barbosa, um gastador à frente do Planejamento. Barbosa venceu a queda de braço, a ponto de tomar o lugar de Levy, e o desfecho todos sabemos, com a maior recessão da história causada pela “nova matriz econômica” lulopetista. Em menor grau, tais tensões já surgiram no governo Bolsonaro, opondo Guedes ao ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, defensor de maior gasto estatal em obras de infraestrutura.


Nada disso será problema se os titulares das novas pastas também tiverem viés liberal. No entanto, isso não é garantido e, caso as divergências se acentuem, caberá a Bolsonaro ter de resolvê-las. Por mais que o presidente tenha o hábito de dar declarações prestigiando seu ministro da Economia, ele também terá de levar em conta os arranjos políticos e os compromissos assumidos na montagem do ministério, sem falar da constante tentação de abrir as torneiras do gasto público à medida que se aproximam as eleições, como já se viu na recente discussão do Orçamento de 2021. E é aqui que reside a ameaça à experiência liberal no Brasil.

A pandemia agravou ainda mais os problemas estruturais do Brasil, como os preocupantes níveis da dívida pública. O país precisa, desesperadamente, enxugar a estrutura estatal, racionalizar o gasto público, reduzir burocracias, facilitar o investimento e o empreendedorismo, e isso só será possível a política econômica for executada de forma coerente em todas as suas dimensões, por pessoas comprometidas com esses objetivos. Se os ministros – pois agora haverá mais de um – da área econômica puxarem a corda cada um para um lado, é o Brasil que ficará emperrado.


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