Censura

Por
Maria Clara Vieira

TOPSHOTS Supporters of Venezuelan President Hugo Chavez celebrate after receiving news of his reelection in Caracas on October 7, 2012. According to the National Electoral Council, Chavez was reelected with 54.42% of the votes, beating opposition candidate Henrique Capriles, who obtained 44.97%. AFP PHOTO/Luis Acosta

Fechamento de TVs e jornais: os resultados da regulação da mídia venezuelana| Foto: Luis Acosta/AFP

Uma das plataformas eleitorais do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) está posta: em entrevista à Rádio Metrópole da Bahia, na última quinta-feira (26), o petista voltou a falar sobre sua intenção de regulamentar os meios de comunicação no Brasil. Bandeira histórica do partido, tema já havia sido mencionado durante a passagem de Lula pelo Rio Grande do Norte e pelo Maranhão:

“Ou a gente faz um novo marco regulatório para a comunicação no Brasil ou a gente vai continuar sendo vítima da espoliação de meia dúzia de famílias que manda na comunicação. É preciso haver uma regulamentação”, disse Lula. Embora tenha dito que “não quer uma regulamentação como na imprensa chinesa ou a cubana”, alegando inspirar-se no modelo inglês, o ex-presidente explicitou suas referências ao utilizar como exemplo “o que ocorreu na Venezuela”. “Eu vi como a imprensa destruía o (Hugo) Chávez. Aqui eu vi o que foi feito comigo”.

É curioso que o ex-presidente mencione a forma de regulação aplicada no Reino Unido para, em seguida, insinuar que pretende impedir que a mídia diga o que quiser sobre o poder, uma vez que o modelo inglês permite que os jornais não se submetam ao órgão estatal que observa a imprensa. Como funciona, então, o modelo venezuelano? Em coluna no jornal O Estado de S. Paulo, o jornalista Pedro Doria narra uma experiência pessoal:

“Em 2012, fui observador internacional da última eleição de Hugo Chávez, a convite do Sindicato dos Jornalistas Venezuelanos. Em Petare, a maior favela de Caracas, assisti em uma seção eleitoral após a outra os fiscais do PSUV, partido do governo, orientando os eleitores dentro da cabine de votação. Aqui chamamos de voto de cabresto. Estava no TSE de lá quando Henrique Capriles e Chávez disputavam voto a voto a contagem e a luz do prédio simplesmente caiu. Quando voltou, mais de uma hora depois, Chávez abria folga. O sindicato dos jornalistas não chamou observadores de todo continente à toa – tinha medo. Medo dos motoqueiros milicianos de camisa vermelha, medo dos jornais tradicionais, que já se desmantelavam sob constante ataque econômico e policial do Estado, da sombra da censura que se aproximava. Foi há dez anos”.

O cenário testemunhado pelo jornalista começou a se desenhar dois anos após a primeira eleição de Chávez, com a aprovação da Ley Orgánica de Telecomunicaciones (Lei Orgânica das Telecomunicações), cujo objetivo, em teoria, era “apenas” impedir o monopólio de concessões de rádio e televisão por poucas empresas – um argumento frequentemente usado pelos que defendem a aplicação do mesmo princípio no Brasil.

Em 2004, viria a Ley de Responsabilidad Social en Radio y Televisión (Lei de Responsabilidade Social em Rádio e Televisão), mais uma vez, revestida de um objetivo “nobre”: promover a “responsabilidade social” do sistema de mídia, mediante a obrigação que todas as emissoras de rádio e televisão veiculassem mensagens enviadas pelo governo. Na ocasião, a Human Rights Watch a classificou como “Lei da Mordaça”. No fim da década, a legislação passaria a abranger a internet e as redes sociais.

Na mesma época, a Ley Orgánica também seria ampliada, conferindo à Comisión Nacional de Telecomunicaciones (Conatel) o poder de controlar todo setor – inclusive de fechar empresas de mídia que “questionassem a autoridade legitimamente constituída”. Como resultado, em 2010, Chávez ordenou o encerramento dos seis maiores canais de televisão do país. Entre 2013 e 2018, cerca de três quartos dos jornais da Venezuela fecharam, segundo dados da Associação Nacional de Jornalistas.

O regime recrudesceu em 2017, quando o ditador Nicolás Maduro enfrentou uma onda de protestos em meio à sua campanha eleitoral. Só naquele ano, a entidade reguladora fechou 40 estações de rádio, citando “irregularidades” em suas licenças. Hoje, o único jornal independente que resta – e, portanto, o único a noticiar a subnutrição, a falta de vacinas contra a Covid-19, entre outros problemas -, o El Nacional, é tratado por Maduro como “mídia burguesa” e é investigado por “questionar as autoridades”.

Naquele ano, o derradeiro golpe contra a liberdade de expressão viria por meio da Ley contra el Odio, por la Convivencia Pacífica y la Tolerancia (Lei contra o ódio, de convivência e tolerância pacífica), que prevê punições de até 20 anos de prisão. O alvo da legislação – que, claro, não define o que, exatamente, são “discursos de ódio” – são as redes sociais, onde se concentram as maiores críticas à ditadura.

Como resultado, a Venezuela vem despencando no ranking de liberdade de imprensa da ONG Repórteres Sem Fronteiras. Em 2020, passou a ocupar a 148ª posição, em uma lista de 180 países. O Brasil está em 111º lugar.

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