Michael Dirda – Jornal Estadão

Harald Hardrada, o aventureiro nórdico do século 11 do livro de Don Hollway O Último Viking, levou uma vida cheia de batalhas, viagens, intrigas e violência. Especialmente violência. Como observou Tom Shippey em sua história da cultura Viking, Laughing Shall I Die, tudo que os guerreiros armados com machados do Norte faziam “era baseado na violência. Os vikings eram bons nisso, muito bons, espetacularmente bons.”

Vitral da Kirkwall Cathedral exibe imagem de Harald Hardrada © Colin Smith/Wikimedia Commons Vitral da Kirkwall Cathedral exibe imagem de Harald Hardrada

E ninguém mais importante que Harald Hardrada, Harald, o Governante Severo ou Tirano, cujos métodos saqueadores tiveram um fim na Inglaterra, na Batalha de Stamford Bridge, perto de York, no crucial ano de 1066. Na verdade, o invasor de 51 anos, naquele momento rei da Noruega, foi pego de surpresa. O rei Anglo-Saxão Harold Godwinson inesperadamente levou seu exército para o Norte, cobrindo cerca de 320 Km em quatro ou cinco dias ao invés das habituais duas semanas. Hollway chama isso de “um dos maiores feitos em tática militar da história medieval”. Mesmo assim, embora Harald, o “trovão do Norte”, tenha sido vencido e morto, ele, inconscientemente, exigiu uma vingança fria. Imediatamente após esta vitória custosa e árdua, o rei anglo-saxão e suas tropas exaustas foram obrigados a voltar para o sul para enfrentar Guilherme da Normandia – que logo seria Guilherme, o Conquistador – na Batalha de Hastings. Um exército mais novo e maior poderia ter mudado a história da Inglaterra. Da forma que aconteceu, em apenas três semanas, tanto a era dos Vikings quanto o reinado dos Anglo-Saxões chegaram a um final sangrento.

Quando pensamos nos Vikings, geralmente imaginamos navios dragão invadindo as costas da Inglaterra e da Escócia ou navegando intrepidamente para oeste pelo Atlântico para a Islândia e, provavelmente, para a América do Norte. Ainda assim, Harald passou boa parte de sua juventude no selvagem, selvagem Leste, onde esse “quase lendário herói nórdico” – como John Julius Norwich o chama em Byzantium: The Apogee – foi um mercenário na Guarda Varangiana da elite do Império Bizantino, eventualmente tornando-se seu comandante de fato. Ele também participou de missões diplomáticas e ações militares na Terra Santa, Sicília e na própria Constantinopla. Para além disso, as coisas ficam um pouco nebulosas.

Muito do que sabemos sobre Harald deriva de sagas, poemas e histórias islandesas, complementados por fontes bizantinas, como a de Michael Psellus Chronographia. Em O Último Viking, Hollway, um jornalista especializado em história militar, junta dramaticamente todos os fatos e tudo que se imagina sobre o Viking, o resultado é ao mesmo tempo uma biografia e “uma fusão, comparação e novas narrações de antigas histórias”. O belo guerreiro loiro era o preferido da envelhecida e luxuriosa Imperatriz Zoe? Ele arrancou os olhos do pusilânime imperador Miguel V? Ele era o amante secreto da amante do imperador Constantino IX? O trono imperial estaria realmente ao alcance de sua espada? Embora seja impossível ter certeza, todas essas perguntas poderiam ser respondidas com “sim”. Isso é o que os poetas e cronistas acreditavam e essa é a história fascinante que Hollway conta.

No ano de 1030, Harald tinha 15 anos quando se juntou ao seu meio-irmão bem mais velho Olaf, rei deposto da Noruega, em sua tentativa de retomar o trono. Logo antes da tensa batalha de Stiklestad, Olaf disse a Harald que ele era muito jovem para o combate de armas que se aproximava, ao que o adolescente teria rebatido: “Com certeza estarei nessa batalha. Não sou tão fraco para manejar uma espada. Se necessário, minha mão pode ser amarrada ao seu cabo”. Durante a luta, Olaf foi morto e Harald, dado como morto. Mas o menino sobreviveu, recuperou-se dos ferimentos e com uma pequena companhia que ia para a Rússia, viajou pelo rio Neva para o lago Ladoga e então para Kiev, onde o Príncipe Yaroslav, seu parente, governava. Três anos depois, com apenas 18, Harald era o capitão da guarda doméstica do príncipe. Reconhecendo que não poderia ir muito longe em Kiev, esse ambicioso comandante nato, navegou pelo rio Dnieper, então cruzou o Mar Negro para Miklagard, a Grande Cidade, como Constantinopla era chamada pelo escandinavos.

Hollway dedica metade do livro às aventuras e maquinações de Harald durante a década que passou com a Guarda Varangiana. Ao fim desses anos, o Viking e seus tenentes mais próximos foram jogados em uma masmorra sem luz, mas mesmo assim conseguiram fugir, sequestrar a amante do imperador e comandar duas galés. Mas e daí? A fuga pelo mar estava bloqueada por uma pesada corrente formando uma barreira esticada sobre o estuário conhecido como Golden Horn. Sempre astuto, Harald ordenou que seus homens remassem em direção a ela com toda força enquanto ele e outros a bordo correram para a popa do navio. Isso levantou a proa alto o suficiente para que o navio passasse até a metade por cima da corrente, e nesse momento, todos correram para a frente para elevar a parte de trás da galé, fazendo com que o navio deslizasse para o mar aberto.

De volta a Kiev, Harald casou-se com Elisaveta, a bela filha de Yaroslav, e então viajou de volta para casa para tomar o poder na Noruega e tentar subjugar a Suécia e a Dinamarca. Até esse ponto, o Viking poderia ser visto como um herói ou, no mínimo, um soldado brilhantemente audacioso e inteligente, mas em seu impulso implacável para governar toda Escandinávia, rapidamente tornou-se traiçoeiro e cruel, saqueando e queimando cidades dinamarquesas, assassinando qualquer nobre que se levantasse contra ele. Seu estandarte de batalha, uma seda branca trazendo a imagem de um corvo negro, ficou conhecido como Land-Waster. A chance de subjugar a Inglaterra finalmente levou Harald à última batalha em Stamford Bridge.

Esgrimista e recriador histórico, Don Hollway destaca-se na descrição do armamento medieval, paredes de escudos e táticas de batalha. Contudo, esse livro não é apenas para fãs de história militar. Se você ama a obra-prima picaresca de Frans Bengtsson, The Long Ships‘, a obra cheia de intrigas de Robert Graves I, Claudius, ou a fantasia heroica no estilo de Robert E. Howard, George R.R. Martin e Howard Andrew Jones, deve a si mesmo a leitura de The Last Viking. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

Loading

By valeon