Editorial
Por
Gazeta do Povo

Procurador Deltan Dallagnol, chefe da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, durante entrevista no estúdio do jornal Gazeta do Povo

Deltan Dallagnol pediu exoneração do Ministério Público Federal no início de novembro de 2021.| Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo

Após quase duas décadas de carreira no Ministério Público Federal, e tendo dedicado seis anos e meio de trabalho incansável à frente da força-tarefa da Operação Lava Jato, Deltan Dallagnol está deixando o MPF para servir a sociedade brasileira de outra forma. Ele pediu exoneração do cargo de procurador da República e, segundo informações de bastidores, deve ingressar na política, candidatando-se a uma cadeira de deputado federal nas eleições de 2022. Esta transição é um momento propício para se recordar o enorme serviço prestado por Dallagnol ao país, denunciar – mais uma vez – o desmonte desse trabalho formidável do qual ele foi parte fundamental, e reafirmar uma convicção sobre o perfil de político de que nossa nação necessita.

Como escrevemos em março deste ano, “qualquer adjetivo mais brando que ‘heroico’ para descrever o trabalho da Lava Jato não lhe faria justiça”. A maior operação de combate à corrupção da história do Brasil desvendou as entranhas de um intrincadíssimo esquema de pilhagem de estatais para fraudar a democracia brasileira por meio da perpetuação do projeto de poder petista. Foram sete anos de trabalho incansável que usou de todas as ferramentas que a lei brasileira colocava à disposição dos órgãos de investigação para reunir um conjunto probatório incontestável, que pela primeira vez na história do país colocou atrás das grades figuras graudíssimas do empresariado e da política nacional.

Se Dallagnol não poderá mais servir o país dentro do MPF, decidiu buscar outra maneira de fazê-lo, por meio da política

Isso jamais teria sido possível sem uma feliz combinação de qualidades: integridade pessoal, laboriosidade, abnegação, rigor contra a corrupção, inteligência estratégica, capacidade de “ligar os pontos” para estabelecer as conexões que tornaram possível o petrolão, senso de oportunidade para encontrar o momento certo para cada ação, habilidade na comunicação diante da opinião pública. São qualidades que não se pode atribuir exclusivamente a uma pessoa; se a força-tarefa como um todo não estivesse imbuída dessas características, o sucesso teria sido impossível ou muito mais complicado de obter. Mas, na qualidade de coordenador da força-tarefa, o papel de Dallagnol jamais poderá ser minimizado. O país deve muito a ele, e aos demais membros da equipe por ele comandada.

No entanto, todo esse trabalho e suas realizações vêm sendo alvo de uma demolição que, mesmo sendo previsível diante do que ocorrera na Itália da Operação Mãos Limpas, tem sido avassaladora. Quando diz em vídeo que “os nossos instrumentos de trabalho para alcançar a justiça vêm sendo enfraquecidos”, Dallagnol foi extremamente polido, pois o que ocorre é uma destruição sistemática. A Lava Jato foi formalmente desmontada por decisão do procurador-geral Augusto Aras; sentenças e condenações estão sendo anuladas em decisões teratológicas do Supremo Tribunal Federal; e os protagonistas do combate à corrupção estão sendo transformados em vilões, com o ex-juiz Sergio Moro tendo sua suspeição declarada enquanto os membros da agora extinta força-tarefa, incluindo o próprio Dallagnol, são ostensivamente perseguidos no Conselho Federal do Ministério Público. O “sistema” está empurrando para fora os melhores quadros por meio de um ostracismo cuidadosamente planejado por quem não quer ver prosperar o combate à corrupção.


Se Dallagnol não poderá mais servir o país dentro do MPF, decidiu buscar outra maneira de fazê-lo, por meio da política. E todo o Brasil sabe o quanto todas aquelas qualidades que descrevemos acima são necessárias aos representantes do povo. Dallagnol toma uma decisão movido pelo desejo de seguir contribuindo para o bem comum, e o faz consciente de que o caminho escolhido por ele não representa sucesso garantido e traz diante de si uma série de riscos, dos quais o primeiro já aparece: o de ser mal compreendido.

Assim como ocorreu três anos atrás, quando Moro aceitou o convite para ser ministro de Jair Bolsonaro, serão inúmeros os que atribuirão agora a Dallagnol uma motivação política em todo o seu trabalho à frente da Lava Jato, como se tudo o que fez estivesse direcionado única e exclusivamente ao dia em que ele pudesse celebrar um triunfo nas urnas. Este raciocínio, além de conter uma falácia lógica que transforma uma relação de sucessão temporal em uma relação de causa e efeito, pode ter duas motivações. Uma delas é a vingança ideológica daqueles que não se conformam com o fato de o trabalho de Dallagnol ter exposto os métodos do petismo e levado Lula à cadeia, e se empenham em desmoralizar os feitos do ex-coordenador da Lava Jato. A outra – que pode atingir até mesmo pessoas bem intencionadas, mas surpresas com a decisão de Dallagnol – é certa incapacidade de acreditar que as pessoas possam agir com boa intenção, sendo sempre movidas por interesses outros, egoístas e mais ou menos inconfessáveis.


Que Dallagnol opte pela carreira política não diz absolutamente nada sobre uma suposta parcialidade da Lava Jato. As provas levantadas pela força-tarefa podem já não ser utilizadas em um tribunal graças às absurdas decisões do STF, mas os ministros não são capazes de alterar a realidade. Como também dissemos por ocasião da recente rejeição de uma denúncia contra Lula na Justiça do Distrito Federal, “o STF não apagou o nome dos netos de Lula nos pedalinhos, não removeu os objetos pessoais do ex-presidente que enchiam o sítio, não desviou a rota dos carros de Lula que realizaram inúmeras visitas ao imóvel, não desintegrou a escritura do sítio e as notas fiscais encontradas pela Operação Aletheia na casa do petista em São Bernardo do Campo. As provas estarão sempre ali, para quem quiser consultá-las, na sentença de Gabriela Hardt, que permanece como documento histórico, mesmo que agora sem valor jurídico algum graças à suprema barbeiragem”. A Lava Jato deve ser julgada por tudo o que revelou ao país, não pela trajetória individual dos que a protagonizaram do lado dos que combateram a corrupção.

Se a vida política for realmente a escolha de Dallagnol, e se o eleitor depositar nele sua confiança em número suficiente para conceder-lhe um mandato, confiamos que o ex-coordenador da Lava Jato será incansável na defesa do bom combate à corrupção, agora em uma nova arena e usando novos instrumentos.


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