Seguidos cortes das verbas para manutenção, reparos e ampliação podem comprometer uma malha rodoviária já desgastada
Notas & Informações, O Estado de S.Paulo
A cada ano do governo Bolsonaro tem ficado mais difícil, arriscado e caro o transporte pelas rodovias brasileiras. Ainda responsável por boa parte da malha rodoviária nacional, o governo federal investe cada vez menos na conservação e construção de estradas. Num ano em que, por decisão do Executivo, apoiado pelo Centrão, foram inteiramente preservadas as emendas do orçamento secreto que beneficia parlamentares, o orçamento do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) é o menor dos últimos 10 anos. O aumento de estradas em mau estado de conservação aferido pela Confederação Nacional do Transporte (CNT) é a consequência mais óbvia desse desprezo do governo pelos investimentos.
A crise fiscal, que a equipe chefiada pelo ministro Paulo Guedes não conseguiu debelar nem ao menos atenuar, tende a piorar com a passagem do controle do Orçamento para a chefia da Casa Civil, hoje ocupada por um notório membro do Centrão, o ministro Ciro Nogueira. Mudanças nas regras que limitam os gastos, como o rompimento dissimulado do teto de gastos e o calote de dívidas reconhecidas pela Justiça (os precatórios), estão entre as artimanhas do governo para tentar mostrar alguma consistência em sua política fiscal.
Além de prejudiciais para o equilíbrio das contas, artifícios como esses são insuficientes. Como ocorre há anos, parte dos problemas tem sido resolvida com o corte de investimentos, pois é a conta que o governo pode manipular com mais liberdade. Neste ano, o Dnit disporá de R$ 6,2 bilhões. Em 2012, a disponibilidade era de R$ 9 bilhões; em 2014, de R$ 10,7 bilhões. São valores nominais. Se os dispêndios dos anos anteriores forem corrigidos pela inflação, a perda será muito mais acentuada.
Num país em que a movimentação de mercadorias e pessoas é feita predominantemente por rodovias (esse modal responde por mais de 60% da carga movimentada em território nacional), o ônus da deterioração da malha rodoviária é alto. Custos maiores com combustível e manutenção dos veículos são um deles. Lentidão é outro. Há também mais despesas com acidentes que poderiam ter sido evitados se as estradas fossem melhores.
A mais recente pesquisa da CNT constatou que quase um quarto da malha rodoviária brasileira pavimentada está em estado péssimo (6,9%) ou ruim (16,3%). Somando-se os trechos considerados apenas regulares, chega-se a 61,8% das rodovias com qualidade insatisfatória. Boa parte dos trechos considerados em condições boas ou ótimas é de responsabilidade de operadoras privadas, o que é, há muito tempo, uma prova de que, num país com o setor público em contínua crise financeira, a privatização é ainda mais vital do que em outros.
Mas, apesar do discurso privatizante com que o governo tem conseguido encantar quem está disposto a ser encantado por falsas promessas, pouco se avançou nas privatizações das rodovias federais nos últimos anos. Para este ano, a meta do Ministério da Infraestrutura é realizar o leilão de 14 rodovias. É um objetivo desafiador em ano eleitoral, sobretudo por envolver projetos de investimentos que ultrapassam R$ 80 bilhões. É sabido que o mercado de potenciais interessados é muito concentrado e boa parte já administra rodovias que exigirão investimentos pesados nos próximos anos.
Se o programa de concessões do governo tiver êxito, cerca de 30% da malha rodoviária pavimentada ficará sob administração de empresas privadas, como mostrou o Estadão. Ainda assim, as rodovias sob responsabilidade do setor público continuarão largamente predominantes, exigindo constantes investimentos para evitar sua degradação.
Os investimentos totais previstos no Orçamento da União para 2022 são proporcionalmente os mais baixos de toda a história. Perdendo seguidamente sua capacidade de investir, por não ter programa de ação nem, muito menos, visão de longo prazo sobre as necessidades do País, o atual governo não consegue atrair investimentos privados no volume necessário. Se não mudar esse tipo de gestão, o Brasil estará condenando sua economia a um desempenho pífio nos próximos anos.