Big Techs

Por
Bruna Frascolla – Gazeta do Povo

Gruenheide (Germany).- (FILE) – Tesla and SpaceX CEO Elon Musk (R) gives a statement at the construction site of the Tesla Giga Factory in Gruenheide near Berlin, Germany, 03 September 2020 (Reissued 07 January 2021). According to reports on 07 January 2021, Tesla and SpaceX CEO Elon Musk became the world richest person with a net worth of more than 185 billion US dollars, surpassing Jeff Bezos, CEO of Amazon, who is currently worth 184 billion US dollars. (Alemania) EFE/EPA/ALEXANDER BECHER *** Local Caption *** 56315718

O CEO da Tesla e da SpaceX, CEO Elon Musk.| Foto: ALEXANDER BECHER/ EFE

O Direito não surgiu dentro de um Estado onde todos eram cidadãos. O paterfamilias romano era o árbitro e senhor da sua casa, que compreendia os servos, a mulher e os próprios filhos. Ele era uma espécie de monarca dentro de sua propriedade e, fora dela, um cidadão sujeito à autoridade da República ou do Império. O Brasil herdou algo disso, seja nos costumes ou na legislação.

Onde o poder privado reina, o Estado não bole. E para se ter uma boa ideia de como era o interior brasileiro, tomemos nota de que no Segundo Reinado não havia mapa do Semiárido brasileiro, embora essa seja uma região ocupada por lusófonos desde pelo menos o século XVII. Os mapas foram encomendados por D. Pedro II ao polímata Theodoro Sampaio, e seriam de grande valia à República para debelar Canudos. Se o Estado nem sabia os caminhos das brenhas do Semiárido, tem-se uma ideia do poder que um coronel estava habituado a exercer em sua propriedade privada.

Ao menos até o século XX, entendia-se que modernização implicava o crescimento do Estado sobre esses enclaves privados. Com a universalização da cidadania, são iguais, perante o Estado, o coronel e seu cortador de cana analfabeto. Ambos estão sob a autoridade estatal, e o coronel não é livre para açoitá-lo num tronco ou vendê-lo.

No entanto, a modernização fez com que o exercício do poder privado sobre cidadãos teoricamente livres chegasse às cidades. À figura rural do coronel, somou-se a figura urbana no dono do morro. Mas ainda assim os políticos e os intelectuais dirão que tal estado de coisas não é o ideal. E, por mais que haja uma bandidolatria da parte dos intelectuais, muita tinta já correu para tratar do “Estado paralelo”. A apologia do tráfico é algo envergonhada e disfarçada. O jeito de elevar o tráfico é rebaixar o Estado legítimo, dizendo que é racista etc., sem dizer palavra sobre as barbaridades do tráfico. Quanto ao seu financiamento, tampouco esperem uma campanha pela conscientização do custo humano do uso de drogas ilícitas: mais fácil se preocuparem com baleia do que com favelado. Há campanha para parar de comer carne e salvar animaizinhos, mas parar de usar droga, nem pensar!

Assim sendo, a mobilização de políticos para que entes privados exerçam seu poder discricionário sobre a população deverá ser recebido com muita surpresa. E era exatamente o que os governos vinham fazendo com as Big Techs.


Donos de morro digitais
Vejam bem: o Estado brasileiro não pede para coronéis e donos de morro criarem códigos de conduta privados e aplicarem aos cidadãos brasileiros que adentrem seus territórios. Ninguém diz: “Seu Traficante, Allan dos Santos entrou no seu morro e transitou livremente! Você não tem um código que pune discurso de ódio com micro-ondas? Como você não o executou? Se ele pisar aí mais uma vez e escapar impune, vou mandar a polícia tomar conta do seu morro e acabar com o seu negócio!”. Mas no Judiciário, no Legislativo e na academia, muitos dizem que as Big Techs têm que punir quem faça isso e aquilo.

O Estado Democrático do Brasil tem leis que punem calúnia, injúria e difamação. Não existe nenhuma lei focada nessa coisa vaga chamada de “discurso de ódio”, mas existem limitações legais à liberdade de expressão. Ninguém pode defender a superioridade de uma raça, por exemplo. Tampouco se pode fazer apologia de crimes. Assim, o Estado brasileiro deveria se modernizar para fazer valer suas leis na internet. Como não temos censura prévia, a internet deveria acarretar apenas uma explosão de crimes de calúnia e difamação, que sobrecarregaria o Judiciário. Problema de gestão, não de surgimento de crimes novos.

No entanto, a corporação jornalística vinha nos oferecido um senso comum artificial segundo o qual Mark Zuckerberg (Facebook, Instagram e WhatsApp), Jack Dorsey (Twitter) e Pavel Durov (Telegram) tinham que aplicar em seus respectivos morros digitais um código censor que os progressistas tiraram da cabeça deles e que não foi sancionada por lei nenhuma no Brasil. Agora, com a compra do Twitter por Elon Musk, a coisa parece mudar de figura. A burocrata não-eleita Jen Psaki já veio a público falar de regulação de redes sociais nos Estados Unidos. A União Europeia, idem, através de um tal Thierry Breton, outro burocrata não-eleito.

Elon Musk foi claro e sucinto em seu tuíte a respeito do assunto: “Por ‘liberdade de expressão’ entendo simplesmente o que condiz com a lei. Sou contra a censura que vai além da lei. Se as pessoas quiserem menos liberdade de expressão, vão pedir ao governo que passem leis com esse efeito. Portanto, ir além da lei é ir contra a vontade do povo.” Na mosca.

Preocupação com a salvaguarda de dogmas

Eu posso encontrar com facilidade no Twitter violações à liberdade de expressão que deveriam preocupar as autoridades brasileiras. Uma delas foi coberta pela Gazeta: a propaganda explícita do Comando Vermelho. Logo após a matéria, as contas foram apagadas. Mas voltou a haver um monte de contas do Comando Vermelho e ninguém reclama. Isso não tira o sono dos ministros do Supremo, nem de jornalistas esclarecidos. Perigoso mesmo é Allan dos Santos.

Na verdade, o curioso é que todo mundo sabe qual é a lei de censura não escrita. Isso ficou bem claro no primeiro dia após a compra do Twitter: uma chuva de tuítes com a expressão “testando” violava a censura. Tuitavam que homem é homem e mulher é mulher, ou que ivermectina é bom. Resumidamente, ficou muito claro que os dogmas do identitarismo e da “seita da vacina” (para usar a expressão de Guilherme Fiuza) se converteram numa ortodoxia capaz de punir hereges.

Os CEOs eram donos de morros digitais que agiam a mando de governantes. Governantes estes que traíram os seus povos e adoraram ter censores intermediários. Vamos ver agora se a União Europeia e os Estados Unidos dispõem de randolfes para dar um jeito na situação.

Guerra de bilionários

Assim como um cidadão esclarecido dos anos 40, nós não temos como saber agora o que está acontecendo no mundo. Dada a informação disponível, podemos considerar que o vago corpo doutrinário ESG está afinado com o corpo censório abolido no Twitter. O ESG, sigla de Governança Ambiental e Social, reúne identitarismo e ambientalismo neomaltusiano. Por mera observação, vemos também que todo identitário é da seita da vacina (embora nem todo fiel da vacina seja identitário), de modo que ambas as coisas devem estar conectadas. E sabemos ainda que Bill Gates e Klaus Schwab são os principais difusores do ESG mundo afora.

O ESG é feito para regular empresas e pessoas a partir de rankings identitários de “inclusão” e de créditos de carbono. São critérios que não estão claros para ninguém – exceto, talvez, para Bill Gates. Elon Musk tem postado contra ele no Twitter, e até vazou uma conversa privada entre ambos, com ele cobrando de Bill Gates satisfação por investir na queda da Tesla. Ao que parece, a Tesla, de Musk, apesar de produzir carros elétricos (que são propagandeados como “energia verde”) teria uma nota ESG baixa, e por isso Bill Gates se preparava para a desvalorização da empresa. Musk também usou o Twitter para chamar o ESG de “demônio encarnado”. No mais descobrimos também que ele é contra o neomaltusianismo de Bill Gates, já que lastima a queda da natalidade na pandemia e acha que a humanidade tem que evoluir para ficar de luto pelos não-nascidos.

Aí vem briga de cachorro grande, e é provável que só daqui a alguns anos entendamos o que está se passando agora.


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