Conflito no leste europeu

Por
Luis Kawaguti

Nov0-ogariovo (Russian Federation), 11/08/2020.- Russian President Vladimir Putin receives a report of the Healthcare minister about registration of the tested and registered coronavirus vaccine, during a meeting with members of the government via teleconference call at Novo-Ogaryovo state residence, outside Moscow, Russia, 11 August 2020. Vladimir Putin said that one of his daughters has already passed vaccination with the new vaccine. (Lanzamiento de disco, Rusia, Moscú) EFE/EPA/ALEXEI NIKOLSKY / SPUTNIK / KREMLIN POOL MANDATORY CREDIT/SPUTNIK

9 de maio deve trazer novidades na política de guerra de Putin| Foto: EFE/EPA/ALEXEI NIKOLSKY/SPUTNIK/KREMLIN

Na segunda-feira, durante as celebrações do dia da Vitória na Segunda Guerra na Rússia, chegaremos a mais um ponto de inflexão na guerra na Ucrânia. O presidente Vladimir Putin deve clamar algum tipo de vitória no campo de batalha. Mas o que ele fará em seguida? Vai declarar uma vitória preliminar e negociar a paz? Vai manter inalterado o cenário no campo de batalha? Vai aumentar o esforço de guerra para tomar toda a Ucrânia e até eventualmente levar o conflito para outros países?

A possibilidade mais temida é que ele utilize uma arma nuclear para tentar encerrar o conflito. Mas ele seria capaz disso?

Essas são algumas das perguntas que analistas militares e políticos vêm tentando responder nos últimos dias. Duas notícias divulgadas na última semana, sobre a atuação da inteligência americana na Ucrânia, podem influenciar bastante nos cálculos de Putin.

Vazamentos de informações para a imprensa revelaram que informações fornecidas pelos EUA sobre unidades de combate russas ajudaram os ucranianos a matar diversos generais no campo de batalha.

A inteligência americana também teria ajudado a Ucrânia a localizar o cruzador Moscou, o então navio capitânia da esquadra russa no Mar Negro, possibilitando um ataque de mísseis e drones contra ele no dia 13 de abril. O navio foi a pique um dia depois.

Somados ao fornecimento de armas de ataque a Kyiv (como carros de combate, artilharia e mísseis), esses vazamentos de informações podem sugerir a Putin que as potências ocidentais estão atuando de forma direta na guerra (e não fornecendo apenas apoio indireto para a defesa da Ucrânia, conforme Washington afirmou no início da guerra).

Em paralelo, as possíveis entradas da Finlândia e da Suécia na Otan (aliança militar ocidental) colocam ainda mais pressão em Moscou. Isso porque elas corroboram a tendência de expansão da aliança para leste, que motivaram a invasão russa na Ucrânia.

Já o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky disse que o mínimo necessário para que a Ucrânia aceite a paz é que as tropas russas recuem para as posições onde estavam no dia 23 de fevereiro, antes da invasão russa.

Isso significaria que a Rússia ganharia definitivamente a Crimeia e partes das províncias de Luhansk e Donetsk, em Donbas. Por outro lado, se aceitar esses termos, Putin perderá o corredor terrestre conquistado por suas tropas, que liga a Rússia à Crimeia, passando por grandes cidades como Mariupol, Berdiasnk, Melitopol e Kherson. Ele também teria que abrir mão de tentar conquistar regiões altamente industrializadas e ricas em gás natural e carvão na região de Donbas.

Então, quais são as opções (conhecidas) que Putin tem?

Cessar-fogo
Zelensky disse que nem todas as “pontes” foram destruídas para se chegar a um acordo de paz. Putin pode declarar que a Rússia está satisfeita com as conquistas atuais no campo de batalha e aceitar um cessar-fogo, no qual a Ucrânia se comprometeria a abrir mão da intenção de se juntar à Otan.

A propaganda na mídia estatal russa garantiria que os cidadãos partilhassem da opinião de que a “Operação Militar na Ucrânia” foi bem sucedida e que uma vitória preliminar foi atingida.

Porém, isso seria contraprodutivo se o objetivo de Putin for continuar anexando mais parcelas do território ucraniano – pois daria tempo para que o Ocidente enviasse mais armas e treinasse os militares ucranianos em como utilizá-las.

Além disso, o cessar-fogo poderia ser interpretado internacionalmente como um sinal de fraqueza da Rússia, que falharia em seu objetivo maior de desafiar a hegemonia americana em favor de uma ordem mundial mais multipolar.

Assim, o cenário de cessar-fogo parece o menos provável entre todas as opções.

Declaração de guerra
O secretário de defesa britânico Ben Wallace afirmou recentemente que Putin poderia transformar em guerra aberta sua “Operação Militar Especial” – nome usado pelos russos para dizer que o conflito na Ucrânia tem um escopo restrito.

Com essa medida, Putin destravaria mecanismos para aumentar a conscrição de soldados no país para reforçar a frente de batalha. Possivelmente, todos os homens em idade militar ficariam impedidos de sair da Rússia e deveriam esperar pelo chamado dos centros de recrutamento.

Segundo o site especializado Global Firepower, a Rússia tem hoje em suas forças armadas cerca de 850 mil militares. A Rússia enviou cerca de 200 mil para o conflito na Ucrânia. Em tese, com o aumento da conscrição, o exército russo poderia chegar a um efetivo de até 1,3 milhão de soldados nos próximos anos.

Se aumentar o número de combatentes no campo de batalha é quase certo que Putin não vai se contentar em tomar apenas a região de Donbas e pode caminhar para um cenário de conquista do litoral ucraniano (Odesa, Mikolayv e centenas de cidades de seu entorno) ou mesmo de outras regiões do país, como a própria capital Kyiv.

A Rússia disse que não vai alterar o status de sua “Operação Militar Especial”, mas é preciso ver isso com ressalvas. Moscou também garantiu inúmeras vezes que não invadiria a Ucrânia.

Mas, há fatores que podem dissuadir Putin de tomar essa atitude. A conscrição em massa poderia diminuir a popularidade do governo. Segundo pesquisa do instituto Levada divulgada pelo jornal New York Times, 39% dos russos não estão prestando muita atenção na guerra. Mas o envio de mais cidadãos para o campo de batalha pode mudar essa realidade e diminuir consideravelmente o apoio popular ao conflito.

O cenário pode também aumentar o atrito com a Otan e elevar a possibilidade de um conflito direto – algo que vem sendo evitado tanto pela Rússia como pelas potências ocidentais.

Invasão da Moldávia
Mudando ou não o status do conflito, outra possibilidade levantada por analistas é que Putin decida pela invasão da Moldávia, que não faz parte da Otan. Essa possibilidade começou a ganhar força quando foram registradas há alguns dias explosões misteriosas no território separatista da Transnístria, que fica dentro da Moldávia.

A narrativa fomentada pelos russos era a de que a Ucrânia estaria interessada em invadir a Transnístria, que possui cerca de 1.500 militares russos. Uma eventual invasão russa à região poderia ser justificada como uma ação para proteger a Transnístria.

A operação seria extremamente arriscada para as forças armadas russas, porém. Isso porque envolveria o desembarque anfíbio de fuzileiros navais na região e um possível confronto direto com os defensores da cidade ucraniana de Odesa.

A Rússia já perdeu seu navio capitânia no Mar Negro, o cruzador Moscou, devido a um alegado ataque de mísseis e drones da Ucrânia. Desde então, a esquadra russa tem operado mais distante da costa. Por isso, um desembarque anfíbio envolveria riscos consideráveis para os russos.

Outro fator de dissuasão para a Rússia seria que, invariavelmente, o Ocidente aumentaria as sanções econômicas ao país e aumentaria o envio de armas para a Ucrânia e para a Moldávia.

Da mesma forma que no cenário anterior, essa ação elevaria muito a possibilidade de conflito direto entre Rússia e Otan.

Ataque nuclear

A opção mais alarmante nunca foi descartada por Putin: a utilização de armas nucleares para encerrar o conflito em favor da Rússia.

Nesse caso, o mais provável seria a utilização de uma bomba nuclear tática. Ou seja, uma ogiva com potencial nuclear de um décimo a metade do registrado pela bomba de Hiroshima na Segunda Guerra.

Ela poderia ser lançada para destruir uma instalação ou uma base militar mais afastada e não para arrasar uma cidade inteira. Como ocorreu com o Japão, isso poderia levar a Ucrânia à rendição.

Mas não é tão simples. Ninguém sabe se o rompimento do chamado “tabu nuclear” poderia acabar com uma guerra ou deflagrar um conflito nuclear global, com todas as consequências letais para a humanidade que ouvimos falar durante toda a Guerra Fria.

Ou seja, a ação poderia ao invés de acabar com a guerra na Ucrânia, deflagrar a Terceira Guerra Mundial a partir de uma possível retaliação direta da Otan.

Mas também é possível que justamente temendo essa possibilidade, a Otan prefira se afastar do conflito a partir da detonação de um artefato nuclear russo – propiciando assim a Putin uma vitória praticamente imediata.

Sem dúvidas, esse cenário é o de maior impacto, mas o de menor possibilidade.

Elevação da retórica

Do outro lado do espectro, o cenário de baixo impacto e maior possibilidade é uma elevação da retórica bélica no discurso de segunda-feira, mas sem causar grandes alterações práticas no campo de batalha.

Nele, Putin poderia ressaltar em seu discurso as vitórias militares já obtidas e reforçar a necessidade de vencer a Batalha de Donbas.

Isso seria possível porque a Rússia vem fazendo avanços lentos, mas consistentes, no teatro de operações – principalmente devido ao uso massivo de artilharia.

Moscou também pode intensificar os ataques à infraestrutura estratégica da Ucrânia para impedir a chegada de armas ocidentais à frente leste.

O Kremlin pode continuar pressionando sistematicamente os Ucranianos no terreno e ir tomando lentamente a região de Donbas e ampliando o tamanho do corredor terrestre no sul.

Em paralelo, haveria a consolidação da administração russa sobre cidades invadidas, como Kherson, Melitopol e Mariupol.

Esse cenário daria um compasso um pouco mais previsível à guerra e tiraria um pouco da atenção mundial sobre o conflito.

Porém, ele não se tornaria nem menos violento nem menos perigoso. Violento pois o número de baixas militares e civis só tenderia a aumentar. Perigoso porque quanto mais a guerra se estende, aumenta a possibilidade de que um erro de cálculo no campo de batalha faça a guerra se espalhar pela Europa com o possível envolvimento direto da Otan.


Leia mais em: https://www.gazetadopovo.com.br/vozes/jogos-de-guerra/qual-sera-o-impacto-do-dia-9-de-maio-sobre-a-guerra-na-europa/
Copyright © 2022, Gazeta do Povo. Todos os direitos reservados.

Loading

By valeon