Guerra na Ucrânia
Por
Mariana Braga
Serviço de emergência faz atendimento em Kharkiv após bombardeio, em 19 de agosto de 2022.| Foto: EFE/EPA/VASILIY ZHLOBSKY
Três crianças pequenas são mortas enquanto passeiam com os pais durante ataques a Vinnystia, uma cidade ucraniana fora das maiores concentrações militares. Cenas como essa envolvendo civis em regiões distantes dos fronts são assustadoramente comuns. Desde a invasão russa ao país vizinho, há evidências de que atingir civis não é apenas acidente: faz parte da estratégia russa.
Além de mirar em escolas, hospitais, residências e centros comerciais, as tropas de Vladimir Putin têm campos de concentração na Ucrânia, onde pessoas comuns são agredidas e executadas. Uma organização não-governamental aponta que há pelo menos 18 campos em que ucranianos são torturados.
Em julho, três mísseis atingiram prédios residenciais e um clube de férias, matando dezenas de civis, entre eles crianças, na região de Odessa. Uma semana antes, um míssil atingiu um supermercado na pequena cidade de Krementchouck, matando vinte e duas pessoas que faziam compras em um fim de tarde.
“Nós não lemos a mente dos comandantes russos, mas observamos que os ataques geralmente são realizados em plena luz do dia, quando há multidões nas ruas. Muitas vezes não há sequer um alvo militar por perto”, observou Kirill Mikhailov, membro da Equipe de Inteligência de Conflitos, um grupo de analistas militares fundado por russos que agora estão no exílio, ao jornal Le Monde.
“Esta é a nova tática da Rússia: atacar áreas residenciais e pressionar as elites políticas ocidentais para forçar a Ucrânia a vir à mesa de negociações. Isso não vai funcionar”, disse Mykhailo Podoliak, assessor do governo presidencial da Ucrânia em coletiva no começo de julho.
No final do mês passado, a embaixadora dos Estados Unidos em Kiev, Bridget Brink, disse que Washington está “examinando a possibilidade de definir a Rússia como patrocinadora do terrorismo”. Já a diplomacia europeia, através do líder Josep Borrell, falou de “comportamento bárbaro” e denunciou crimes de guerra feitos por russos.
Campos de concentração
O extremo dessa crueldade acontece em pelo menos 18 centros de concentração estabelecidos pelos russos nas áreas ocupadas do Donbass, de acordo com um relatório da organização Media Initiative for Human Rights, entregue em 28 de julho à Organização para a Segurança e Cooperação na Europa.
Nesses centros, russos e separatistas pró-Rússia fiscalizam principalmente homens suspeitos de portar armas ou de serem agentes disfarçados, mas também visam mulheres ou menores de idade.
Durante essas inspeções, civis são submetidos a pressões físicas e psicológicas, conforme aponta o relatório. Victoria, uma mulher de Mariupol, foi detida com o marido em Bezimenne, no oblast de Donetsk. “À meia-noite e meia, um soldado entrou na sala, chamou meu marido pelo sobrenome e o mandou sair. Foi a última vez que o vi. A mãe dele tentou descobrir para onde o haviam levado. Eles disseram que ninguém iria nos contar e que ele deve ter sido abatido”, relatou Victoria, de acordo com o documento.
Outra testemunha, Mariya Vdovychenko, descreveu uma conversa mantida entre dois soldados separatistas do Donbass na vila de Manhush, onde ela foi interrogada: “O que você fez com aqueles que passaram pela filtragem?”, perguntou um deles. “Matei 10, depois parei de contar, porque ficou chato”, respondeu o outro.
Oleksii, que foi detido em um campo de concentração em Olenivka, detalhou as condições de vida no local. “Havia 40 de nós em uma cela, 30 dormiam enquanto os outros permaneciam de pé”. A testemunha também informou, segundo destaca o relatório, que os detentos passavam por racionamento de água, não tinham instalações sanitárias e eram “espancados constantemente”.
Por que os civis?
Para o coronel da reserva e especialista militar ucraniano Serhi Grabsky,“os civis são vulneráveis ao ataque” devido ao efeito psicológico. “Alertas noturnos desgastam as pessoas. Os russos querem a destruição total de qualquer espírito de resistência civil, porque não conseguiram quebrar o exército ucraniano”, destacou o especialista ao Le Monde. Segundo ele, a Rússia tem arsenal suficiente para continuar sua campanha de terror “por pelo menos mais seis meses”.
Sergueï Jirnov, antigo oficial da KGB e especialista no militarismo russo, escreve no livro L’engrenage (publicado pela Albin Michel, sem tradução em português) que “o russo, no seu sistema de pensamento perverso, só respeita aqueles de quem tem medo”. “Como os covardes, ele testa seu adversário e observa sua reação para saber até onde ele pode ir”, ressalta Jirnov.
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