Editorial
Por
Gazeta do Povo


Detalhe de estátua da Justiça diante do prédio do STF.| Foto: Fellipe Sampaio/SCO/STF

Que um único ministro do Supremo Tribunal Federal tem o potencial de desestabilizar o país é algo que se tornou bastante evidente nos últimos anos – e com ainda mais intensidade nos últimos meses ou dias. Não se trata apenas dos recentes casos de liberticídio, mas também da frequente pretensão de legislar ou de determinar políticas públicas, posta em prática seja individualmente, por liminares, ou coletivamente, nas turmas ou no plenário da corte. Por isso, é essencial que, nestes poucos dias de campanha que ainda restam, a sociedade seja devidamente informada sobre o perfil que ambos os candidatos desejam para o Supremo, já que o vencedor deste segundo turno nomeará pelo menos dois novos integrantes para a corte já em 2023, em substituição a Rosa Weber e Ricardo Lewandowski.

É verdade que o protagonista de muitos dos descalabros recentes, Alexandre de Moraes, é um indicado de Michel Temer. E que Gilmar Mendes, o maior adversário da Lava Jato e do combate à corrupção no STF – a ponto de perder a compostura em várias ocasiões, com ataques grotescos a Sergio Moro, Deltan Dallagnol e outros membros da força-tarefa do MPF – foi levado ao Supremo por Fernando Henrique Cardoso. Mas é inegável que, se hoje temos um Supremo ativista, que se atribui um papel “iluminista”, de “empurrar a história” para a frente (nas palavras de Luís Roberto Barroso), que interfere nas atribuições dos outros poderes, isso se deve também às escolhas feitas por Lula e Dilma Rousseff, e que correspondem a 7 dos atuais 11 ministros. Ao lado de Barroso (indicado por Dilma), foi Dias Toffoli (nomeado por Lula) quem melhor verbalizou esse Zeitgeist ao dizer que o Supremo era o “editor de um país inteiro” e que a corte exercia o Poder Moderador no “semipresidencialismo” vivido atualmente no Brasil. Não podemos esquecer que foi de Toffoli a iniciativa, quando presidente do STF, de abrir o inquérito das fake news e entregá-lo sem o devido sorteio a Moraes, que o conduz com mão de ferro. E que, no mensalão, ele não se declarou suspeito para julgar seus ex-chefes; seu voto favorável a muitos réus petistas permitiu que eles passassem por um novo julgamento nos embargos infringentes, quando tiveram penas reduzidas ou foram inocentados.

A composição atual do STF é majoritariamente leniente com a ladroagem e “progressista” na pauta moral. Esse processo pode não ter sido iniciado pelo petismo, mas certamente foi intensificado por ele

Pode-se até alegar, em defesa de alguns ministros, que são duros com a corrupção, caso de Barroso; ou que votam bem em questões que dizem respeito à vida e à família, como Lewandowski. Mas o que um tem de positivo o outro tem de negativo: Barroso defende ativamente o que há de pior em termos de costumes, e Lewandowski tem sido voto constante em favor do desmanche do combate à corrupção. Mesmo Edson Fachin, apesar de seus inúmeros votos alinhados à Lava Jato, deu contribuição importante, com uma decisão ainda hoje inexplicável, para todo o processo que colocou Lula na atual disputa pela Presidência da República.

O fato é que, no geral, a composição atual do STF é majoritariamente leniente com a ladroagem – e não apenas com a de colarinho branco, como demonstra a decisão de Fachin ao proibir operações policiais nos morros cariocas durante a pandemia – e “progressista” na pauta moral. Esse perfil é diametralmente oposto ao pensamento da maioria da população brasileira, que se vê claramente sub-representada em sua suprema corte. Esse processo pode não ter sido iniciado pelo petismo, mas certamente foi intensificado por ele, pois, tendo passado 14 anos e meio no governo, muito mais que seus antecessores, o PT teve a chance de fazer várias nomeações e efetivamente desenhar uma corte de acordo com seus interesses.


No entanto, é preciso reconhecer que Jair Bolsonaro também não fez o melhor que poderia ter feito com as duas escolhas que teve no quadriênio em vias de terminar. Para substituir Celso de Mello, o atual presidente colocou na suprema corte um até então inexpressivo Kassio Nunes Marques, apadrinhado de Ciro Nogueira, líder do Centrão. Nunes Marques tem sua parcela de bons votos: foi, por exemplo, contrário a medidas impostas por Moraes ao deputado Daniel Silveira, ou em defesa da liberdade religiosa durante a pandemia de Covid-19, embora nem sempre usasse argumentos de grande solidez jurídica, como no voto contrário à suspeição de Sergio Moro na Segunda Turma. Mas em outras ocasiões ele se alinhou a Lewandowski e a Mendes para impor várias derrotas à Lava Jato, além de ter tentado desfigurar a Lei da Ficha Limpa, em uma liminar que felizmente foi derrubada no plenário, por questões processuais. Já André Mendonça, escolhido no lugar de Marco Aurélio Mello, tem se saído melhor – recentemente, destaquem-se a anulação da censura imposta à Folha de S.Paulo pela publicação de uma reportagem sobre movimentações imobiliárias da família Bolsonaro, e a recusa de ampliação das hipóteses de aborto eugênico, em um caso no qual se pleiteava o aborto de gêmeos xifópagos com base na decisão de 2012 que permitia o aborto de anencéfalos.

O Brasil precisa de ministros do Supremo que tenham o “pacote completo”: compromisso inabalável com a democracia e com as liberdades democráticas; rejeição do ativismo judicial e respeito ao papel institucional de cada poder, sem interferências; dureza no combate à corrupção, sem “garantismos” que, diante de duas interpretações possíveis da lei, sempre pendem para aquela mais lesiva à sociedade; ojeriza a corporativismos e ao estatismo, confiando no protagonismo das pessoas, da iniciativa privada e da sociedade civil organizada; e boas convicções sobre a proteção da vida e da família. Tudo isso, claro, em acréscimo a biografia sem manchas e sólido conhecimento jurídico. E, se o país precisa de ministros com esse perfil, precisa igualmente de um presidente da República que esteja disposto a indicar tais ministros, pois este será um de seus legados mais duradouros.


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