Editorial
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Gazeta do Povo


Presidente eleito Lula decidiu começar a tramitação da PEC pelo Senado presidido por Rodrigo Pacheco (PSD-MG)| Foto: Pedro Gontijo/Senado Federal

Enquanto a equipe comandada pelo vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin, seguia trabalhando na PEC da Transição, a emenda fura-teto que o presidente eleito Lula quer ver aprovada ainda antes de sua posse para permitir o cumprimento da promessa de um Bolsa Família de R$ 600, prosseguiam as articulações políticas e as manifestações de quem apoiou o petista e agora critica seu populismo fiscal como se ele não fosse algo totalmente previsível. Por mais que vários atores políticos façam todo tipo de ressalva, há o risco de que o teto de gastos acabe definitivamente desmoralizado ou até mesmo abolido sem nada de concreto no lugar, abrindo de vez a porta para o retorno dos tempos de gastança sem fim que levaram o país à pior recessão da história, sob Dilma Rousseff.

A julgar pelas declarações de Ciro Nogueira, expoente do Centrão, senador licenciado e ministro de Jair Bolsonaro, Lula terá o que deseja ao menos em parte. A PEC “deve garantir somente os pontos comuns das duas candidaturas: R$ 600 de auxílio e aumento real do salário mínimo em 2023”, afirmou Nogueira, referindo-se a dois itens que também fizeram parte do programa da candidatura de Bolsonaro à reeleição e prometendo o apoio de seu partido, o PP, à PEC da Transição. Do ponto de vista prático, no entanto, é preciso lembrar que, se a base de apoio do atual governo já entrega de antemão essas dezenas de bilhões de reais fora do teto, sem que Lula não precise nem mesmo negociar por esse valor, o mais provável é que a fatura final acabe ainda maior, como demonstra o texto apresentado ao Congresso na noite desta quarta-feira, com quase R$ 200 bilhões fora do teto em 2023, além de manter o Bolsa Família longe da regra fiscal por tempo indeterminado.

Manobras que desmoralizam o teto de gastos enfraquecem também a posição do país diante do investidor, que passa a desconfiar da saúde fiscal brasileira

E é aqui que volta à cena Henrique Meirelles, que apoiou Lula ainda no primeiro turno apesar de seu partido (o União Brasil) ter lançado candidata própria ao Planalto, e que agora faz alertas corretos, talvez na esperança de que o país se esqueça do seu papel de fiador da campanha do petista junto a determinados setores do mercado e do eleitorado. “Tem que se ter uma âncora, tem que ter um teto. O limite tem que ser claro porque, caso contrário, o país pode e corre o risco sério de voltar a um clima de recessão”, disse o “pai” do teto de gastos, ex-presidente do Banco Central (nos dois mandatos de Lula, entre 2003 e 2010) e ex-ministro da Fazenda de Michel Temer, durante evento em Nova York na terça-feira, dia 15.

O teto de gastos, que limita o crescimento real da despesa pública ao permitir apenas a correção pela inflação, pode até não ter sido a melhor escolha para a primeira grande reforma macroeconômica do governo Temer – discute-se, por exemplo, se não teria sido melhor aprovar primeiro uma reforma da Previdência antes do teto –, mas seus méritos são inegáveis em um país que tem histórico de irresponsabilidade fiscal. O teto corta as asas de governantes gastadores e permite que eventuais receitas extraordinárias (por exemplo, decorrentes de privatizações) sejam usadas para abater a dívida pública, em vez de elevar despesas, às vezes de forma permanente. Faltou, no entanto, cumprir um outro objetivo: uma vez que o teto impõe um limite para a despesa total, políticos no Executivo e no Legislativo teriam de aprender a fazer boas escolhas, eliminando desperdícios, gastos imorais ou ineficientes para priorizar investimentos importantes e necessários – o bilionário fundo eleitoral e as emendas de relator estão aí para comprovar que o senso de prioridade ainda é escasso em Brasília.


O descumprimento do teto em situações de grave emergência se justifica. Durante a pandemia, o Brasil teria sofrido uma catástrofe econômica de proporções inimagináveis sem o auxílio emergencial, o crédito especial para micro e pequenas empresas e o dinheiro governamental para bancar parte do salário de trabalhadores com redução de jornada ou contrato suspenso; foram medidas que custaram centenas de bilhões de reais acima do teto. Situações muito diferentes, no entanto, têm sido as repetidas medidas que contornam o teto, criando “puxadinhos orçamentários” que nada mais são que uma burla ao mecanismo de responsabilidade fiscal. Foi assim, por exemplo, com a PEC dos Precatórios e a PEC dos Benefícios. Este é o tipo de manobra que desmoraliza não apenas o teto, mas também a posição do país diante do investidor, que passa a desconfiar da saúde fiscal brasileira, por exemplo exigindo juros maiores para emprestar ao Tesouro.

Isso não significa que o mecanismo seja imutável; enquanto a responsabilidade fiscal não for algo profundamente impregnado em nossos governantes, a ponto de limites legais se tornarem desnecessários, o teto pode e deve ser aperfeiçoado. Técnicos do Tesouro Nacional publicaram, no site do órgão, um relatório sugerindo a possibilidade de aumento real no gasto público desde que cumpridos critérios relativos à dívida pública – outro problema crônico brasileiro, já que o país tem relação dívida/PIB de país desenvolvido sem a confiabilidade das nações ricas, que lhes permite rolar dívida a juros baixos. Pela sugestão dos técnicos do Tesouro, o gasto público poderia subir até dois pontos porcentuais acima da inflação, mas apenas se a dívida estivesse abaixo de 45% do PIB (ela deve terminar o ano em 76,2% do PIB, segundo o próprio Tesouro) e em trajetória descendente; se estiver acima de 55% do PIB e em trajetória ascendente, não poderia ocorrer aumento nenhum. É uma ideia que merece ao menos discussão, desde que não se permita mais nenhum tipo de “puxadinho” ou exceção à regra.

Quase R$ 200 bilhões
PEC fura-teto é apresentada com Bolsa Família fora do teto de gastos sem prazo definido

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Célio Yano – Gazeta do Povo
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Camila Abrão


Ackmin entrega PEC ao presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL).| Foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados.

Foi enfim apresentada nesta quarta-feira (16) a proposta de emenda à Constituição (PEC) que deve permitir ao futuro governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) manter em R$ 600 a parcela mínima do Auxílio Brasil, que deve voltar a se chamar Bolsa Família. O anteprojeto foi entregue ao Congresso nesta noite pelo vice-presidente eleito e coordenador da equipe de transição Geraldo Alckmin (PSB).

O texto não prevê um limite de prazo para retirar do alcance do teto de gastos os recursos necessários para financiar o programa, estimados em R$ 175 bilhões para 2023. Além disso, cerca de R$ 23 bilhões em receita extra também poderão ficar fora do teto para serem destinados a investimentos públicos. Com isso, a PEC poderá liberar do teto de gastos R$ 198 bilhões em 2023. A proposta também deve retirar do teto as despesas de universidade feitas com receitas próprias.

O valor destinado ao Bolsa Família contempla ainda a criação de um benefício extra de R$ 150 para cada criança de 6 anos de famílias inscritas no programa, conforme prometido pelo petista ainda durante a campanha eleitoral.

Caso seja aprovada, a PEC abrirá no Orçamento de 2023 um espaço de R$ 105 bilhões que estão previstos para o Auxílio Brasil na versão encaminhada pelo governo de Jair Bolsonaro (PL) do Projeto de Lei Orçamentária Anual. A peça prevê um benefício com parcela média de R$ 405 por família.

A chamada PEC fura-teto estabelece que 40% do que o governo federal arrecadar a cada ano em receitas extraordinárias deverá ser direcionado para investimentos considerados estruturantes. “O que tiver de receita extra uma parte vai para investimento, então 40% iria para investimento e 60% para o pagamento de dívida, mas se estabeleceu uma trava de 6,5% da receita corrente líquida de 2021. Isso significa, na prática, R$ 23 bilhões”, disse Alckmin.

De acordo com o vice-presidente eleito, o objetivo é chegar a 1% do PIB para investimento. Doações destinadas à preservação do meio-ambiente também serão excluídas do teto. “É dinheiro de graça, é doação, não tem lógica isso [manter esses recursos no teto]. Então exclui as doações e com isso [o país] vai poder receber mais recursos para preservar o meio-ambiente e ajudar no combate às mudanças climáticas”.

“A mesma coisa é a educação, se uma universidade ou um instituto federal recebe uma doação, recebe um recurso ou tem uma transferência, por exemplo, de um órgão ou ente federativo ela vai poder utilizar esse recurso”, afirmou.

A minuta da proposta, que vem sendo discutida nas últimas semanas e teve o encaminhamento adiado algumas vezes, foi finalizada nesta quarta-feira. Para que a excepcionalização de gastos não seja considerada um “cheque em branco” para o novo governo, o texto indica de forma discriminada para onde vão devem ir os recursos liberados.

O espaço fiscal deve permitir, por exemplo, o aumento real do salário mínimo e a suplementação do orçamento nas áreas de educação, saúde, cultura e ciência e tecnologia.

Também será recompostas verbas que haviam sido cortadas do programa Farmácia Popular, das universidades federais, do transporte e da merenda escolares e do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT). O auxílio à cultura, por meio das leis Aldir Blanc 2 e Paulo Gustavo, também devem ser contemplados.

Questionado sobre o detalhamento dos gastos, Alckmin afirmou que isso será feito na Lei Orçamentária Anual (LOA). “Não há nenhum ‘cheque em branco’. Agora, não tem sentido você colocar na Constituição brasileira detalhamento, isso é a LOA, isso é a Lei Orçamentária [anual]. Só que antes de votar a Lei Orçamentária você precisa ter a PEC”, disse.

Em entrevista coletiva no fim da manhã, o vice-presidente eleito defendeu a medida e afirmou que o próximo governo não será “gastador”.

“O presidente Lula, se a gente pegar seus dois mandatos, a marca foi a responsabilidade fiscal. Não vai ser governo gastador”, disse. “Agora, você precisa ter o mínimo para poder, de um lado, garantir a rede de proteção social, ainda mais neste momento de crise socioeconômica, e de outro, o funcionamento do estado.” Ainda segundo ele, “a questão da ancoragem fiscal vai ser debatida com mais calma”. “Não é neste momento”, falou.

Tramitação
Na semana passada, o relator-geral do Orçamento 2023, senador Marcelo Castro (MDB-PI), informou que a proposta só entrará em discussão no Congresso depois de alcançar consenso entre os líderes do Senado e da Câmara.

“O que estamos fazendo é tomar uma medida de salvação nacional. Se não aprovarmos essa PEC, e isso não é terrorismo, não temos como fechar o Orçamento. O Orçamento tem furos de ponta a ponta, por exemplo, a Farmácia Popular, não podemos deixar sem recurso a Farmácia Popular. Quem vai abrir espaços é a PEC”, disse o relator a jornalista nesta noite.

Ainda segundo Castro, a PEC deve passar primeiro pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e, depois de aprovada, seguirá para o plenário do Senado. Questionado sobre riscos de demora no avanço da proposta, o relator lembrou que, por acordo, as votações podem ocorrer no mesmo dia.

Como precisa passar pelo Senado e pela Câmara, a opção pela apresentação de uma PEC foi considerada mais acertada, em oposição à alternativa de uma medida provisória, por garantir “mais segurança jurídica e política”. O presidente da CCJ, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), também participou da reunião para receber a minuta e defendeu que o texto deve tramitar com celeridade.

“A hora que essa matéria for tramitar na comissão [CCJ], vou respeitar o regimento, vou respeitar o que diz as regras da comissão para darmos celeridade, porque o tempo está contra”, pontuou Alcolumbre. Ele ressaltou que o Congresso tem cerca de 30 dias para votar o Orçamento de 2023 e tudo depende de uma “construção política”.

Após entregar a proposta aos senadores, Alckmin se encontrou com o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), para apresentar o texto.

Minuta apresenta três eixos principais
O relator do Orçamento afirmou que o anteprojeto apresentado pela equipe de transição prevê três pontos principais: a “excepcionalização” do Auxílio Brasil (R$175 bilhões), de receitas extras (cerca de R$ 23 bilhões) do teto de gastos e de despesas de universidade feitas com receitas próprias. No entanto, os detalhes precisam ser negociados no Congresso.

“Essa PEC será proposta pelo Senado, nós vamos pegar essas sugestões que a equipe de transição nos trouxe, vamos negociar internamente com as lideranças do Senado, até nós chegarmos a um entendimento de qual seria o texto ideal. na hora que tivermos segurança de que aquilo é um texto ideal… com maior probabilidade de ser aprovado, nesse momento começaremos a recolher as assinatura”, disse Castro. O relator afirmou que será o primeiro a assinar a proposta.

Mesmo antes de o texto ser tornado público, no entanto, a escolha provocou críticas por causa da necessidade negociações do governo Lula com o chamado centrão ainda antes da posse. A aprovação de uma PEC precisa de três quintos dos parlamentares em cada Casa Legislativa em dois turnos de votação.


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