Julgamento no STF

Por
Renan Ramalho
Brasília


Rosa Weber disse que proposta do Congresso não foi aprovada e não prejudica julgamento do orçamento secreto| Foto: Divulgação/STF

A ministra Rosa Weber, relatora no Supremo Tribunal Federal (STF) das ações contra o orçamento secreto, rejeitou uma proposta do Congresso para dar mais transparência e proporcionalidade à liberação dessas verbas, e votou nesta quarta-feira (14) pela extinção desse mecanismo de alocação dos recursos por indicação de parlamentares.

Ela não só votou para derrubar as normas internas do Congresso que regulamentam o uso das chamadas emendas de relator por outros parlamentares – inclusive a indicação por “usuários externos”, que ocultam o deputado ou senador responsável – como também propôs que os ministérios do Executivo, que operam as despesas, deixem de aplicar as verbas conforme o interesse dos parlamentares, usando-as em programas e projetos das próprias pastas.

Quanto aos pagamentos já realizados, a ministra votou para que os órgãos informem, em até 90 dias, os serviços, obras e compras realizadas, identificando os parlamentares solicitadores e os municípios, estados ou órgãos públicos beneficiados.

Ao longo de quase três horas, a ministra sustentou a inconstitucionalidade das emendas de relator, seja por falta de transparência, que dificulta a fiscalização; seja pela falta de critérios técnicos, que prejudica a qualidade dos investimentos.


“As emendas do relator têm servido de expediente a propósitos patrimonialistas de acomodação de interesses de cunho personalístico, viabilizando aos congressistas a oportunidade de definir o destino da cota ou quinhão que lhe cabe na partilha informal do orçamento, sem o encargo de comprovar a pertinência da despesa reivindicada com as prioridades e metas federais e não sujeitas aos limites materiais a que se submetem as emendas individuais e de bancada”, afirmou Rosa Weber.

“Trata-se de verdadeiro regime de exceção ao orçamento da União, em burla à transparência e à distribuição isonômica dos recursos públicos, instituído informalmente e à margem da legalidade. As emendas sequer têm buscado justificar qualquer correlação com os objetivos e metas federais, estabelecem uma pauta secreta de projetos vinculados a interesses de parlamentares incógnitos e desvinculada das diretrizes de política fiscal e respectivas metas”, acrescentou em seguida, na parte final de seu voto.

O julgamento das ações começou na semana passada com sustentações orais das partes: partidos contrários de um lado, e de outro, Câmara, Senado, Advocacia-Geral da União (AGU) e Procuradoria-Geral da República (PGR), que defenderam a continuidade das emendas de relator. Trata-se de uma rubrica no Orçamento da União que, desde 2020, passou a receber montantes bilionários. Embora estejam inscritas em nome do relator da proposta, as verbas são controladas pela cúpula do Legislativo, e distribuídas de forma pouco clara e por critérios políticos informais, a deputados e senadores que votam conforme os interesses do governo e dos presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).

Usado para aprovar várias propostas do presidente Jair Bolsonaro (PL), o orçamento secreto foi criticado pelo presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) durante a campanha eleitoral. Após sua vitória nas urnas, ele recuou nas críticas, enquanto negocia com o Centrão, maior interessado e beneficiário das emendas de relator, alguma alternativa para manter o poder desse grupo sobre os recursos federais. Em contrapartida, o novo governo busca aprovar no Legislativo autorização para despesas de R$ 145 bilhões fora do teto de gastos, para cumprir promessas eleitorais de Lula.

No início da sessão desta quarta (14), Rosa Weber comunicou o recebimento de uma proposta de Pacheco, presidente do Congresso, para dar mais transparência às emendas de relator, de modo que todos os repasses para estados e municípios tivessem a assinatura do parlamentar responsável. O projeto de resolução também prevê que metade dos recursos sejam aplicados em saúde ou assistência social. Por último, define critérios de proporcionalidade na divisão dos recursos, que teriam percentuais fixos para os presidentes da Câmara e do Senado, a comissão de orçamento, e partidos políticos, de acordo com o tamanho das bancadas.

O ofício de Pacheco ao STF foi uma tentativa do Congresso de suspender o julgamento, para manter as emendas de relator. Rosa Weber, no entanto, disse que se tratava apenas de uma proposta, ainda não aprovada, que não retiraria o objeto do julgamento, de normas ainda em vigor que não garantem total transparência e critérios técnicos para distribuição das emendas.

Destacou que a tentativa de mudar o modelo apenas confirmaria a inadequação das regras atuais, que já haviam sido confrontadas pelo STF no ano passado, quando ela suspendeu pagamentos com emendas de relator – só retomadas depois que o Congresso pediu a retomada para não prejudicar obras e serviços em andamento.

O voto de Rosa Weber, relatora de quatro ações, apresentadas por PSB, Cidadania, PSOL e PV, foi o primeiro do julgamento. Os outros 10 ministros devem votar nesta quinta-feira (14). A decisão depende de maioria de seis votos. O Congresso pressiona a Corte para manter as emendas de relator, ainda que sob novas regras para dar mais transparência e divisão previsível dos recursos.


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No voto com mais de 90 páginas e lido em resumo ao longo de quase três horas, Rosa Weber fez duras críticas ao uso das emendas parlamentares para investimentos públicos, especialmente por meio de mecanismos pouco transparentes. Lembrou, inicialmente, de escândalos de corrupção, ocorridos entre os anos 1990 e 2000, envolvendo a reserva de recursos orçamentários por parte de deputados e senadores: o caso PC Farias, a Máfia dos Sanguessugas e esquemas de corrupção revelados na CPI do Orçamento.

“A falta de critérios claros favoreceu a captura do orçamento por grupos de interesses privados, cuja atuação criminosa teve apoio dos próprios membros da comissão mista de deputados e senadores”, disse a ministra, em referência a casos anteriores.

Ao falar do atual orçamento secreto, destacou que já foram reveladas suspeitas de mau uso dos recursos. Deu como exemplos a aquisição de tratores com sobrepreço de até 259%, compra de kits de robótica para escolas de Alagoas sem salas de aula e água encanada, e também o caso de uma cidade do Maranhão que, para justificar o recebimento dos recursos, declarou ter extraído 14 dentes de cada um de seus habitantes.

Antes, enfatizou que, além da baixa transparência, que dificulta a fiscalização, as emendas de relator servem a gastos de cunho eleitoral local que prejudicam políticas de âmbito nacional, tudo em nome de obtenção de apoio político no Congresso pelo governo.

“As emendas do relator foram consignadas no orçamento da União em favor de um grupo restrito e incógnito de parlamentares, encobertos pelo véu da rubrica RP-9. Apenas o relator figura no plano formal como ordenador das despesas, enquanto os verdadeiros autores das indicações preservam o anonimato. Não apenas a identidade dos efetivos solicitadores, mas também o próprio destino desses recursos acha-se recoberto por um manto de névoas. Isso porque não há efetiva programação orçamentária. As dotações consignam elevadas quantias vinculadas a finalidades genéricas vagas e ambíguas”, disse.

Registrou que em 2022, R$ 44 bilhões reservados no orçamento para investimentos de livre destinação, R$ 21 bilhões foram destinados para emendas parlamentares. Citou depois estudo do economista Marcos Mendes segundo o qual o Brasil é o país que mais permite intervenção de congressistas nas despesas públicas, dando poder de manejar 24% da despesa discricionária.

“Esse processo sistemático de transferência, conhecido como captura do orçamento, representa prejuízo grave à efetividade das políticas públicas nacionais, considerado o elevado coeficiente de arbitrariedade e alto grau de personalismo com que são empregados esses recursos pelos congressistas. Como resultado, tem-se a pulverização dos investimentos públicos, a precarização do planejamento estratégico dos gastos e a perda progressiva de eficiência econômica, tudo em detrimento do interesse público”, afirmou, em outro trecho.


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