Deixa a linha de produção: o fim de uma era

História por Andreas Spaeth • DW

Produção do lendário Jumbo é encerrada, 54 anos após o primeiro voo e a fabricação de mais de 1.500 exemplares. Mas a Boeing espera que o 747 ainda continue voando por várias décadas.

Meio século de história aérea: o Boeing 747 em seu lançamento, 1968© Boeing Commercial Airplanes/Archiv Spaeth

Quando o historiador da Boeing Michael Lombardi fala sobre o 747, é quase como se tratasse de algo sagrado. Para ele o maior projeto de aeronaves civis de todos os tempos “é um grande símbolo da humanidade e do que ela pode alcançar; ele mudou o mundo, encolheu o globo e democratizou as viagens aéreas”.

Neste 31 de janeiro de 2023 encera-se uma era gloriosa, quase exatamente 54 anos após o primeiro voo, em 1969: o último Boeing 747 será entregue, marcando o fim de sua produção. Portando o número 1.574, trata-se de um cargueiro 747-8F que a Atlas Air operará para o grupo de logística Kühne & Nagel. Apenas um pequeno adesivo perto do nariz articulado da fuselagem do cargueiro lembra que este é o último 747 produzido e mostra o “pai do 747”, o engenheiro-chefe Joe Sutter, figura lendário do setor, morto em 2016.

Salto quântico na história da aviação

O Boeing 747 foi o maior avanço da história da aviação de passageiros. Enquanto seu predecessor, o Boeing 707, só podia transportar até 189 passageiros, o Jumbo Jet foi inicialmente certificado para até 550 passageiros e mais tarde teve capacidade ampliada para até 660 passageiros.

A própria criação do 747 é lenda: em 1965, os dois homens mais influentes da aviação, na época, William ‘Bill’ Allen, diretor executivo da Boeing, e Juan Trippe, fundador da Pan Am, selaram um acordo de cavalheiros para a construção da maior aeronave de passageiros do mundo durante sua viagem anual de barco para pesca de salmão. Com um aperto de mão e sem a assinatura de um documento oficial.

Último 747 deixa a linha de produção da Boeing em Everett, em 7 de dezembro de 2022, ainda sem pintura© Paul Weatherman/Boeing/dpa/picture alliance

Hoje é difícil acreditar que um projeto que colocou o futuro de ambas as empresas em risco e custaria bilhões de dólares tenha surgido de maneira tão informal. “Trippe basicamente disse: ‘Se você construí-lo, eu compro’. E Allen respondeu: ‘Eu construo, se você comprar’. Nenhum contrato foi assinado, mas esse foi o início de tudo”, lembra Sutter.

Previsto como modelo de transição

Na era atual, do design digital em computadores e modelos virtuais 3D que podem ser criados com alguns cliques, é difícil imaginar o desafio enfrentado pelos engenheiros da Boeing para criar o 747, em meados da década de 1960. Ficou claro que as companhias aéreas, especialmente a Pan Am, queriam uma aeronave muito maior do que as construídas até então, um território completamente inexplorado na época.

Para Trippe, o 707 era a referência, por isso ele manteve por muito tempo a ideia original de uma aeronave de dois andares, em que duas fuselagens 707 seriam simplesmente montadas uma sobre a outra. Mas a ideia foi abandonada já em 1965.

Vídeo relacionado: Adeus 747. Boeing termina produção de aviões históricos (Dailymotion)O 747 deveria ser apenas uma aeronave de transição até que a maioria dos passageiros intercontinentais pudessem voar a velocidades supersônicas, fosse no Concorde ou em seu concorrente americano Boeing SST (também chamado 2707, abandonado em 1971), que estavam sendo desenvolvidos ao mesmo tempo.

Joe Sutter, designer do Jumbo 747© Elaine Thompson/AP/picture alliance

Depois disso, o 747 deveria continuar como cargueiro. O cockpit foi, portanto, projetado acima do convés principal, pois era necessário um nariz de fuselagem que pudesse ser aberto para cima para facilitar o carregamento. Essa configuração deixou uma pequena área atrás do cockpit como um convés superior curto, a famosa “corcunda” do 747. Em vez de construir dois convés mais estreitos um sobre o outro como pensado inicialmente, o 747 estava equipado com apenas um convés principal.

Isso permitiu que a cabine, com mais de seis metros, fosse a mais larga já vista numa aeronave de passageiros. Ela permitia a acomodação de dois contêineres de carga lado a lado, se desejado, no lugar de poltronas.

Em 13 de abril de 1966, a Pan Am anunciou um pedido de 25 Boeing 747, no valor de 525 milhões de dólares (cerca de 4,8 bilhões de dólares hoje), lançando oficialmente o programa 747.

Gigantesca linha de produção

Em junho de 1966, a Boeing comprou cerca de 315 hectares de pântano arborizado perto do Aeroporto de Paine Field em Everett, estado de Washington, ao norte de Seattle, para construir a unidade de produção do 747, até hoje o maior prédio do mundo em termos de volume.

Com 27 exemplares, a alemã Lufthansa tem a maior frota de Jumbos 747© Wolfgang Frank/Eibner-Pressefoto/picture alliance

A fábrica foi construída enquanto se desenvolvia o projeto do 747. Tudo foi meticulosamente planejado: o protótipo deveria voar dentro de dois anos, com o lançamento previsto para 30 de setembro de 1968 – menos de três anos após a Pan Am ter assinado a carta de intenção de um pedido, e apenas dois anos e meio após o consenso sobre o projeto. E o plano extremamente ambicioso foi mantido: a nova “rainha dos céus” foi lançada exatamente dentro do prazo.

Voo inaugural sem problemas

Spacious age, a “era espaçosa”, como foi chamada a do 747, na verdade começou em 9 de fevereiro de 1969 com o voo inaugural, que excepcionalmente ocorreu sem problemas. O primeiro voo de passageiros da Pan Am na rota de Nova York para Londres decolou em 21 de janeiro de 1970. Cinco anos depois, a frota global de 747 já havia transportado 100 milhões de passageiros. Em outubro de 1993, a Boeing atingiu o marco importante da milésima entrega do Jumbo, para a Singapore Airlines.

Como prova da longevidade da concepção original dos anos 60, em 2005 decidiu-se lançar uma nova geração de 747. Para tal, a Boeing teve a colaboração da companhia aérea alemã Lufthansa, que já nos anos 1970 estivera entre os primeiros clientes, e apesar de agora haver um concorrente de dois andares contínuos. o Airbus A380.

A última versão, o Boeing 747-8, foi criada com a participação ativa do lendário Joe Sutter. Quatro décadas após a produção dos primeiros 747, pela primeira vez a fuselagem foi esticada, tornando o 747-8 a aeronave mais comprida do mundo, na época.

Mas a era das grandes aeronaves de quatro motores já havia terminado. Estava difícil vender o último modelo 747 para passageiros. Em 2021, a Airbus já havia parado com a produção do A380, apenas 16 anos após seu primeiro voo. Mas o Boeing 747 continuará desempenhando um papel de protagonista, o mais tardar quando os dois novos aviões presidenciais da Força Aérea Americana, chamados Air Force One, estiverem prontos.

Eles provavelmente decolarão a partir de 2027. E o historiador da empresa Michael Lombardi está convicto: “Os Jumbos da Boeing ainda estarão voando no centenário do primeiro voo, em 2069; a ‘rainha dos céus’ ainda estará cruzando os ares por muitas décadas.”

Autor: Andreas Spaeth

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