Liberdade de reunião
Decisão vaga do STF gera incerteza sobre prazo de proibição a manifestações
Por
Leonardo Desideri – Gazeta do Povo
Brasília


Sede do STF foi vandalizada nos protestos de 8 de janeiro| Foto: EFE/André Borges

No dia 11 de janeiro, após a notícia de que alguns grupos estavam organizando via redes sociais um evento com o título “Mega manifestação nacional pela retomada do poder”, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), proibiu qualquer tipo de manifestação no país, incluindo “tentativas de ocupação ou bloqueio de vias públicas ou rodovias, bem como de espaços e prédios públicos em todo o território nacional”. No texto da decisão, Moraes não fez nenhuma menção explícita à data de validade da proibição.

A decisão foi criticada por juristas por diversos motivos, entre os quais o seu caráter excessivamente aberto e sua interferência na liberdade de reunião, que é um direito fundamental. Pela Constituição, conforme especialistas consultados pela Gazeta do Povo, o direito à manifestação só poderia ser restrito em um contexto de estado de sítio, que se decreta apenas pelo presidente da República com anuência dos outros dois poderes e tem validade de 30 dias.

O texto da decisão de Moraes, que já foi unanimemente referendado pelo plenário do Supremo, tem suscitado controvérsias entre os próprios juristas por sua falta de clareza. Para alguns especialistas, a determinação dizia respeito somente ao dia 11/1, para quando estava marcada a manifestação mencionada na decisão; outros consideram que a decisão é totalmente aberta, continua em vigor e não tem prazo para acabar a não ser que o Supremo se manifeste novamente.

A confirmação da medida pelo plenário se deu no dia 12/1, ou seja, um dia depois da data para a qual os grupos de redes sociais previam um novo ato, o que reforça a tese da ausência de prazo. Além disso, em nenhum trecho da decisão se faz referência à duração das restrições.

Por outro lado, a petição que provocou a decisão de Moraes, feita pela Advocacia Geral da União (AGU), pede para restringir especificamente as manifestações que estavam sendo marcadas para o dia 11, o que dá alguma plausibilidade à tese de que se tratava de decisão pontual.

A reportagem da Gazeta do Povo pediu que o STF esclarecesse se a decisão continua ou não valendo. Este texto será atualizado em caso de resposta.

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Juristas divergem ao interpretar texto da decisão do STF

Juristas consultados pela Gazeta do Povo foram questionados sobre a existência de um prazo de validade da decisão do STF e divergiram na interpretação do texto de Moraes.

“Na minha visão, a decisão foi apenas para o caso concreto da reunião do dia 11 de janeiro de 2023, nos termos estritamente requeridos pela AGU”, diz o advogado Edvaldo Nilo de Almeida, pós-doutor em Democracia e Direitos Humanos da Universidade de Coimbra. “Outras reuniões, a serem realizadas de maneira pacífica, sem armas, em locais abertos ao público estão constitucionalmente permitidas e, ao mesmo tempo, o direito de reunião é uma garantia da coletividade e independe de autorização do Estado, sempre com respeito à ordem e à paz pública”, acrescenta.

Alessandro Chiarottino, professor de Direito Constitucional e doutor em Direito pela USP, discorda. Para ele, não está claro que a decisão do Supremo tenha um prazo, e em nenhuma das alternativas a decisão teria sido oportuna. “Numa interpretação sistemática, poderíamos entender que essa decisão se referiria a um período de emergência, devendo cessar de valer após a cessação fática da emergência. Contudo, não encontramos esta disposição na decisão, o que só contribui para aumentar a incerteza”, diz. “Uma proibição dessas, ou é absolutamente inconstitucional, porque seria uma proibição ad eternum, ou é ineficaz. Se ela tiver um prazo, após o fim daquele prazo voltam as manifestações e teria que haver uma nova proibição.”

A única forma de restrição à liberdade de reunião compatível com a Constituição, observa Chiarottino, seria a “decretação do estado de sítio, com a participação tanto do Poder Executivo quanto do Poder Legislativo”, com um prazo determinado. “A Constituição fala em 30 dias. Se for necessária uma nova decretação é necessário uma nova aprovação por parte dos poderes. Essa é a única forma compatível com a Constituição”, explica o jurista.

“É por isso que essa decisão do Supremo deixa tantas incertezas, deixa tantas dúvidas. Talvez, por isso, o ministro Alexandre de Moraes tenha preferido deixar em branco essa questão da duração, justamente para não entrar em conflito direto com a Constituição. Só que aí, ao mesmo tempo em que ele não entrou claramente em conflito com a Constituição, ele acabou criando uma situação de incerteza que, do ponto de vista jurídico e mesmo prático, pode ser até pior.”

Pedro Moreira, doutor em Filosofia do Direito pela Universidad Autónoma de Madrid, considera que a decisão do STF de proibir as manifestações não tem prazo. “Em geral, essas decisões não têm tido a preocupação de efetuar as distinções que qualquer jurista deveria fazer. O assunto é sério e, se há a delimitação do direito de reunião, o tratamento deveria ser muito mais cuidadoso”, afirma.

Conforme explica Moreira, um dos deveres do jurista é fazer distinções para dar racionalidade e previsiblidade com o fim de ordenar a comunidade. E esse tipo de decisão que, segundo ele, mistura situações claramente ilícitas com hipóteses que podem ser lícitas, contribui para a desordem. “Cria-se um cenário de insegurança permanente em que não se sabe o que é lícito dizer e até onde é lícito se manifestar. Além disso, parece haver um problema grave para as autoridades locais, também submetidas à insegurança, porque elas acabam atuando não exatamente em cumprimento à lei, mas em cumprimento à ordem de um ministro”, observa.

“Uma decisão tão indeterminada, com um aspecto oscilante, móvel, flexível, que eu posso interpretar para um lado, mas também para outro, no fundo, gera arbítrio. O efeito principal é a arbitrariedade. E, com o tempo, tem-se um ambiente de silêncio, porque as pessoas não terão segurança de fazer uma manifestação, ainda que legítima, em um espaço público”, conclui Moreira.


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