Lula quer isolar Dilma em banco sem relevância internacional na China
Por
Wesley Oliveira – Gazeta do Povo
Brasília

Formers Brazilian presidents Dilma Rousseff (L) and Luiz Inacio Lula Da Silva (R) take party in the Workers’ Party (PT) Congress in Sao Paulo, Brazil on November 22, 2019. (Photo by NELSON ALMEIDA / AFP)


Na última semana, o governo federal tornou institucional a classificação do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) como um “golpe”.| Foto: Nelson Almeida/AFP

Aliados do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) intensificaram nos últimos dias as negociações para que a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) seja indicada para presidir o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), conhecido como o “Banco dos Brics”. A instituição foi criada em 2014, reúne Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, mas nunca teve um papel de relevância no cenário internacional, segundo economistas.

Aliados do governo que não pertencem aos quadros do PT, dizem acreditar que a indicação de Dilma para o Brics seja uma forma de Lula se “blindar” dos desgastes que a imagem da ex-presidente pode gerar para o governo.

Havia um temor por parte de lideranças de siglas como MDB e PSD de que uma participação ativa de Dilma na gestão Lula acabasse reduzindo a aliança com partidos de fora do campo da esquerda, segundo quatro fontes ligadas às lideranças desses partidos. Elas falaram com a reportagem pedindo anonimato para evitar desgaste político.

“A Dilma é uma pessoa pela qual eu tenho o mais profundo respeito e carinho. A Dilma tecnicamente é uma pessoa inatacável, tem uma competência extraordinária. Onde ela erra, na minha opinião, é na política. Ela não tem a paciência que a política exige que a gente tenha para conversar, para ouvir as pessoas”, disse Lula durante um ato de campanha.

Em entrevista à CNN Brasil, na quinta-feira (16), Lula afirmou que, se depender dele, Dilma será presidente do “Banco dos Brics”.

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Mas, segundo três integrantes da cúpula do PT, o currículo da ex-presidente, que coordenou o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) da gestão Lula em 2006, será determinante na estratégia do Brics para liberar recursos aos países emergentes. Os três pediram para não serem identificados, pois a manobra para colocá-la no NBD não foi concluída.

Para tentar chancelar a indicação, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, abriu diálogo com o atual presidente do banco dos Brics, Marcos Troyjo, para que ele renuncie ao posto. Troyjo foi indicado em 2020, pelo então presidente Jair Bolsonaro (PL) para um mandato que segue até 2025.

Desde a volta de Lula ao Palácio do Planalto, Dilma chegou a ser cotada para ocupar o posto de embaixadora do Brasil na Argentina ou para ser a representante brasileira na União de Nações Sul-Americanas (Unasul), foro criado em 2008 e que pode ser retomado neste ano por Lula.

Banco que visava desafiar instituições do Ocidente não decolou
A ideia inicial era de que o NBD fizesse frente a bancos hegemônicos do Ocidente, como o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento, por exemplo.

Os Brics são um agrupamento de países que começaram a ser designados em conjunto em 2001 por serem economias em desenvolvimento. Ele é integrado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul e surgiu com um caráter econômico. Mas, a China vem tentando transformá-lo em bloco político para confrontar diplomaticamente os Estados Unidos e seus aliados.

Ao ser criado, o “Banco dos Brics” teve um capital autorizado de US$ 100 bilhões, mas o capital inicial ficou abaixo disso: 50 bilhões, com contribuições igualmente distribuídas entre os cinco membros fundadores. A instituição está sediada em Xangai, na China, onde Dilma deve passar a morar se assumir sua presidência.

Para Luciano Nakabashi, professor da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (USP), o banco ainda não conseguiu superar as demais instituições de desenvolvimento do mundo. Além disso, segundo ele, a China acaba tendo uma influência maior na instituição em relação aos demais países por conta de seus interesses políticos.

China usa poder econômico para mandar de fato no “Banco dos Brics”
“Ainda não é um banco com relevância, quando se compara com outras instituições de fomento mundial. Foi uma ideia dos países do Brics, mas a China acaba tendo mais recursos e uma influência maior nos demais países emergentes. Não é um banco que tem atuado de forma muito importante para o desenvolvimento de outras nações ou das próprias nações que fazem parte do Brics”, afirma Nakabashi.

O banco do Brics fica atrás, por exemplo, do Banco de Desenvolvimento da China, que tem um patrimônio estimado em US$ 2,4 trilhões. A instituição já desembolsou quase US$ 100 bilhões em empréstimos soberanos aos países da América Latina nos últimos 15 anos e injetou mais dezenas de bilhões em programas especiais de financiamento regional.

“A [China] é o grande país que tem capacidade de realmente fazer financiamento, mas isso passa muito por uma questão política da China. Talvez neste momento a China esteja olhando para outros questões, como a retomada do pós-pandemia, e não necessariamente para o fortalecimento dos Brics”, diz o professor da USP.

Governistas são atraídos por possíveis financiamentos do “Banco dos Brics”
Nos cálculos dos petistas, Dilma vai poder atuar dentro dos Brics para garantir recursos para obras no Brasil e em outros países emergentes. O foco do banco é o financiamento de projetos de energia limpa e eficiência energética, infraestrutura de transportes, saneamento básico, proteção ambiental, infraestrutura social e digital. Tanto empresas privadas quanto órgãos públicos podem ter empréstimos aprovados pelo “Banco dos Brics”.

Lula tem apostado no financiamento de obras paralisadas em todo o Brasil como uma forma de injetar a economia nos próximos anos. Além de tentar atrair financiamentos do Brics, o petista já indicou que pretende usar recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e até acordos de leniência da Lava Jato para retomar as obras de infraestrutura.

Sobre a influência que a ex-presidente Dilma pode exercer na liberação de recursos do banco do Brics para o financiamento de obras no Brasil, o economista André Perfeito alerta que esse cálculo vai precisar ser feito pelo governo brasileiro. “Não é porque o dinheiro do Brics está disponível que o Brasil precisa pegar diretamente da instituição. Tem que ser ver os custos da oportunidade e se o Brasil precisa desse instrumento agora”, afirma.

Dilma pode aproximar governo Lula de Xi Jinping
Apesar da pouca relevância do “Banco dos Brics nos últimos anos, o economista avalia que Lula tenta retomar o prestígio da ex-presidente após o processo de impeachment. “Acho que o Lula escolheu a Dilma por ela ser ligada ao mundo da infraestrutura, pois ela coordenou o PAC. Podemos questionar se funcionou ou não. Mas acho que o objetivo do Lula foi o de legitimar ela de novo e de dar poder para ela depois do impeachment”, diz Perfeito.

O “Banco dos Brics” tem uma carteira que soma US$ 32,8 bilhões, financiados em 96 projetos pelo mundo. A meta, segundo relatório divulgado pelo banco, é investir mais cerca de US$ 30 bilhões até 2026. No total, o Brasil já recebeu pouco mais de US$ 5 bilhões da instituição desde a sua fundação.

Integrantes do Palácio do Planalto dizem que a possibilidade de atuação de Dilma nos Brics e a proximidade da ex-presidente com o presidente da China, Xi Jinping, pesaram na escolha dela para o cargo. Lula pretende embarcar para Pequim na segunda quinzena de março e já costura junto aos seus aliados para que a ex-presidente esteja no banco durante sua visita ao país.

Além do cargo para Dilma, aliados de Lula acreditam que a petista pode ser uma ponte do Palácio do Planalto junto ao governo chinês. Na passagem por Pequim, Lula pretende transmitir a ideia de que o Brasil é um país preocupado com a economia verde, a inclusão digital e a reindustrialização.

PT busca “resgate histórico” de Dilma depois do impeachment de 2016
Com a indicação para o “Banco dos Brics”, a ex-presidente deve se mudar para Xangai para cumprir o mandato até 2025. Integrantes do PT dizem acreditar que o cargo dará a ela trânsito entre diversas lideranças mundiais. Assim, nos cálculos do partido, seria possível fazer um “resgate histórico” da imagem da ex-presidente, que passou pelo impeachment em 2016.

Desde a volta ao Palácio do Planalto, Lula e demais nomes do PT intensificaram a narrativa de que o processo de impeachment teria sido um golpe contra Dilma. O discurso já foi empregado por Lula diversas vezes ao longo dos últimos meses, e mais recentemente foi usado em falas do petista durante suas passagens pela Argentina e pelo Uruguai.

“Vocês sabem que depois de um momento auspicioso, quando governamos de 2003 a 2016, houve um golpe de Estado que derrubou a companheira Dilma Rousseff, a primeira mulher eleita presidente da República no Brasil”, disse Lula na Argentina.

Integrantes do PT defendem que o processo contra a ex-presidente de 2016 foi uma ação “orquestrada” pelo então presidente da Câmara, Eduardo Cunha (MDB-RJ), e que culminou no afastamento da petista. Agora, avaliam que a imagem da ex-presidente pode ser recuperada tendo em vista o desmonte da Lava Jato e o retorno de Lula ao Palácio do Planalto.

De acordo com o processo, Dilma foi afastada de seu cargo depois de ter sido acusada de cometer crimes de responsabilidade fiscal, com a edição de decretos que criaram gastos sem autorização do Congresso Nacional. Com o impeachment, o então vice-presidente Michel Temer assumiu o governo até dezembro de 2018.


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