Artigo
Por
Sérgio Czajkowski Júnior – Gazeta do Povo


| Foto: Unsplash

O futebol deixou de ser visto apenas como um mero esporte e tornou-se uma atividade econômica, gerida por businessmen e cada vez mais conectada ao ambiente empresarial; advindo daí a expressão “indústria do esporte”. Tal fenômeno, iniciado com mais força nos anos 90, é decorrente de diferentes variáveis, cuja sinergia fez com que o modelo associativo clássico, até então vigente, passasse a ser visto como defasado e anacrônico.

A intensificação desse processo deu origem a um novo modelo de gestão desportiva, cuja profissionalização culminaria numa maior efetividade gerencial, capaz de alavancar uma atração mais robusta de investimentos e, pelo menos em tese, um maior ganho de competitividade dentro das quatro linhas.

A profissionalização da gestão dos clubes é um fenômeno inevitável que fará com que as paixões futebolísticas tenham de caminhar de forma alinhada a determinados preceitos do ambiente empresarial.

Para que consigamos compreender o recente fenômeno de profissionalização da gestão dos clubes de futebol ocorrida no Brasil e que culminou com o advento dos chamados clubes empresa, é importante voltarmos o olhar para a história da prática desse esporte em nosso país. Como o ex-jogador e tricampeão mundial Tostão escreveu na revista Placar, em 2000: o modelo, até então vigente no Brasil, pautado pelo amadorismo e pela insegurança, estaria dando lugar a um “futebol dos cifrões”, capaz de igualmente conferir maior transparência financeira e uma gestão baseada na governança corporativa.

Portanto, quando analisamos, com um pouco mais de cuidado, o processo histórico de consolidação do futebol como sendo o principal esporte coletivo, bem como um dos principais símbolos da nossa cultura, é importante ressaltarmos algumas peculiaridades históricas ocorridas por aqui, e que não se fizeram presentes com a mesma intensidade em outras regiões do mundo.

Diferentemente do que aconteceu em países como os Estados Unidos, nos quais a prática de diferentes esportes coletivos como basquete, beisebol e, em especial, o futebol americano, sempre existiu um forte enlace entre a academia e a prática esportiva, a qual culminou com a profissionalização bastante precoce desse setor; no Brasil, a maturação desse processo ocorreu de forma diversa.

No nosso caso, a prática de esportes coletivos, especialmente do futebol, sempre esteve fortemente vinculada à figura dos clubes e demais agremiações e associações desportivas, cuja gestão, em muitos casos, ficava a cargo de indivíduos que estabeleciam com estas organizações uma forte conexão afetiva, a qual não necessariamente era acompanhada por uma formação técnica/acadêmica específica.

Em paralelo, também é importante destacar que tais espaços, com o passar do tempo (notadamente dos anos 50-60 em diante), se tornaram locais privilegiados não só para a formação de uma grande quantidade de jogadores, técnicos e demais profissionais, muitos dos quais iniciavam suas carreiras nas categorias de base e, aos poucos, ascendiam aos times principais, bem como das equipes gestoras. Estas, na ampla maioria dos casos, acabavam sendo constituídas por indivíduos que ocupavam determinados cargos em tempo parcial – movidos, geralmente, pelo vínculo emocional com seus respectivos clubes. Ou seja, durante uma grande quantidade de tempo, os clubes foram geridos por indivíduos que, mesmo estando muito bem intencionados, aprendiam “na prática”, uma vez estando inseridos no corpo gerencial dos clubes.

Entre as décadas de 1970 e 1980, o futebol, notadamente na Europa, sofreu mudanças mais profundas, as quais acabaram culminando com a adoção de práticas vinculadas ao ambiente empresarial e que passaram a desidratar de forma contínua as ainda remanescentes do modal associativo clássico.

Já nas últimas duas, três décadas, observamos, no Brasil, fenômeno similar, diante da consolidação de uma nova leitura em torno da prática desportiva, cujo motor deixou de ser alimentado apenas pela paixão, vindo a ser vista como um “negócio”. Tal transformação culminou com a infusão, mesmo que paulatina, de uma visão gerencial nos clubes de futebol, a qual pode ser creditada à própria financeirização da economia mundial atrelada à necessidade de muitos clubes incorporarem práticas já consolidadas nas demais organizações, até mesmo para que se mantenham saudáveis em termos contábeis.

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Outro fenômeno igualmente relevante é a presença das figuras do torcedor, ainda movido pela paixão, e do consumidor de espetáculo, que passa a enxergar o desempenho do seu time por uma ótica igualmente profissional/racional, em torno da cobrança por resultados cada vez mais robustos e expressivos.

O que nos leva a concluir que a profissionalização da gestão dos clubes é um fenômeno inevitável que, mesmo que não culmine com a completa extinção das paixões futebolísticas, fará com que estas tenham que caminhar de forma alinhada a determinados preceitos do ambiente empresarial, até mesmo para que os times possam continuar atuando de forma efetiva, em campo, e economicamente saudável e superavitária no que diz respeito às suas contas.

Sérgio Czajkowski Júnior é formado em Direito e Publicidade e Propaganda, especialista em Comunicação e Marketing, doutor em Administração e professor de pós-graduação e MBA da Universidade Positivo (UP).

Entendendo a SAF e o Clube-Empresa

Por: Aline Borges – Ciência da Bola

A Sociedade Anônima do Futebol, mais conhecida como SAF, foi aprovada pela  Lei 14.193/2021. Com essa lei, o clube passa a ter o Futebol como uma instituição com fins lucrativos. Assim, caso haja outras modalidades no clube, elas não receberão o investimento que o futebol receberá.

Ao consolidar a SAF, o clube torna-se clube em formato empresarial, e a grande maioria dos estatutos dos antigos clubes associativos, buscam investidores legalmente aceitos que comprem no máximo 90% do clube. Os outros 10% são obrigatoriamente da parte associativa do clube, que não deixa de existir mesmo com a SAF.

Atualmente (em 2022), a SAF (Sociedade Anônima do Futebol) é um dos temas mais comentados do futebol brasileiro, principalmente pela movimentação de alguns clubes. A motivação para se tornar clube-empresa é o interesse e entendimento dos gestores de que o clube deixará de ser associativo. Justamente esse ponto é o primeiro passo para se tornar SAF, separar clube social e futebol; e o segundo passo é identificar dívidas.

No final de 2021, já vimos as movimentações de clubes e investidores para iniciar o modelo clube-empresa no Brasil. O Cruzeiro e o Botafogo foram os primeiros clubes a oficializarem o modelo, comprados por Ronaldo Fenômeno e John Textor, respectivamente. Além deles, outros clubes já oficializaram ou manifestaram o interesse em seguir o mesmo caminho, como: CuiabáCoritiba, Figueirense, América-MG e Athletic-MG.

Ronaldo Fenômeno anuncia compra do Cruzeiro - Jornal O Globo
Fonte: (oglobo)

Qual a diferença entre SAF e Clube-Empresa?

Ao se transformar em Sociedade Anônima do Futebol o clube passa automaticamente a ser clube-empresa, porém um clube-empresa não necessariamente é SAF. Alguns clubes do Brasil já seguiam o modelo de clube-empresa mesmo antes da aprovação da Lei da SAF. 

Veja alguns exemplos de clube-empresa que já existiam no Brasil:

  • Red Bull Bragantino  – desde 2019 o time de Bragança Paulista-SP passou a receber investimentos da marca de energéticos. A parceria vem rendendo bons frutos para ambos os lados. No mesmo ano em que a parceria começou, o time paulista conquistou a Série B do campeonato brasileiro. Em 2021 foi vice-campeão da Copa Sul-Americana, e ficou em 6º lugar na Série A do Brasileirão, conquistando vaga na Libertadores. 
    Um ponto de destaque dessa parceria é que apesar da marca possuir grande poder aquisitivo, não faz altíssimos investimentos em jogadores. O clube prefere investir menos em jogadores mais jovens para revender depois ou transferir para clubes da mesma franquia. Além de oferecer diversas experiências aos sócios fazendo conexões com outras modalidades que também fazem parte do investimento da Red Bull.
  • Cuiabá – o time mato-grossense é gerenciado pela família Dresch desde 2009, que segue administrando o clube recebendo investimentos da Drebor. Empresa da própria família Dresch, que no clube optou por utilizar uma estrutura diferente em alguns setores. O clube não possui cargo de Diretor de Futebol, ele foi substituído pelo departamento de mercado, para observar e contratar jogadores.  
    O Cuiabá possui 21 anos de existência e em 2020 subiu pela primeira vez para a elite do campeonato brasileiro. Em 2021, fez um bom campeonato e permaneceu na primeira divisão. 
Entenda o clube-empresa Red Bull Bragantino - 01/11/2019 - Campeonato  Brasileiro - Fotografia - Folha de S.Paulo
Fonte: (Uol)

Será que SAF é a solução?

A SAF traz oportunidades para que haja mudanças na estrutura do futebol, e a possibilidade dos clubes serem mais organizados. Além disso, a SAF abre portas para novas oportunidades de mercados, principalmente por ser um modelo comum fora do Brasil. Com isso, é possível haver com mais facilidade a internacionalização dos clubes, com venda de produtos e até abertura de escolinhas. 

Apesar de haver certa euforia com a aprovação da SAF, o modelo não é a solução para os clubes serem vitoriosos. A lei é um meio para que os clubes consigam se reestruturar, porém, não vai mudar do dia para a noite.
O primeiro passo para dar certo no Brasil são os gestores mudarem a mentalidade e abrirem mão da maior parte do clube. O investidor tratará o clube como uma empresa, portanto buscará no mercado profissionais capacitados para gerir todas as áreas. A profissionalização do futebol, governança e gestão são os principais pilares para a mudança de um time, sendo ele associativo ou empresa. 

Entretanto, esse modelo não é garantia de sucesso, uma empresa mal gerida também acumula dívidas e inclusive pode levar à falência. Assim como a SAF, o modelo associativo com uma gestão séria, também pode gerar bons resultados dentro e fora de campo.

FAZ O PIX, TEXTOR! SÓCIOS DO BOTAFOGO APROVAM MUDANÇA NO ESTATUTO PARA  PERMITIR VENDA DA SAF - FogãoNET
Fonte: (FogãoNet)

Botafogo e Cruzeiro

Os primeiros clubes a se movimentarem após a aprovação da lei da SAF, foram Botafogo e Cruzeiro, que já possuem investidores. Ambos oficializados em dezembro de 2021, o Botafogo vai receber investimento do americano John Textor, sócio do Crystal Palace da Inglaterra. Já o Cruzeiro tem como investidor Ronaldo Fenômeno, que atualmente é dono do Real Valladolid da Espanha. 

Botafogo já possui registro de CNPJ, registro que toda empresa tem. Além disso, já anunciou nomes da diretoria e do conselho. Segundo o GE, John Textor terá direito aos 90% do clube-empresa permitido pela lei, os 10% permanecem com o Botafogo associativo. O  Botafogo SAF receberá R$ 400 milhões de investimento, diluídos da seguinte forma:

  • R$ 100 milhões à vista (na data de assinatura dos documentos).
  • R$ 100 milhões em até 12 meses.
  • R$ 100 milhões em até 24 meses.
  • R$ 50 milhões em até 36 meses.
  • R$ 50 milhões ao modelo associativo.

O Cruzeiro, que também já possui o CNPJ registrado, vendeu 90% dos seus direitos ao Ronaldo, os 10% permanecem no modelo associativo. Ronaldo fará um investimento de R$ 400 milhões nos próximos 4 anos. Através da SAF, o Cruzeiro terá 6 anos para quitar 60% da sua dívida, que chega a quase R$ 1 bilhão. Caso consiga atingir o objetivo, terá mais 4 anos para pagar o restante da dívida. 
Por fim, as punições esportivas permanecem as mesmas, pode haver perda de direito de contratar, de pontos ou de mando de campo. A gestão e o profissionalismo são sempre a solução para os times e gestores, seja como SAF ou associativo. 

Quais clubes no mundo deram certo com esse modelo?

No Brasil, o modelo clube-empresa ainda está engatinhando, mas na Europa, esse  modelo é muito comum e está presente na maioria dos clubes. Segundo um levantamento realizado pela consultoria EY, 92% dos clubes das cinco maiores ligas europeias funcionam como empresas. Alguns deles possuem até ações na bolsa de valores.

  • PSV – essa é uma relação histórica na Europa, a Philips e o PSV possuem anos de parceria. E o que muitos não sabem é que o nome do clube é Philips Sport Verening Eindhoven. 
  • Bayer Leverkusen – o time foi fundado pela empresa farmacêutica Bayer, que tem sede em Leverkusen e fundou o time após pedido dos funcionários. O time não possui outros investidores e todas as ações pertencem à Bayer. 
  • Manchester City – o time recebe cerca de 86% de investimento da Abu Dhabi United, e os outros 14% pertencem ao China Media Capital. Além disso, existe o Grupo City, onde clubes de outros países recebem investimentos e facilita a transferência de jogadores entre os clubes do Grupo.

Quais clubes deram errado?

Como citado anteriormente, a SAF não é a solução para os clubes brasileiros e inclusive pode levar à falência. O investimento não é sinal de que resultados dentro e fora de campo, eles precisam ser conquistados com o tempo. 

  • Figueirense – o time catarinense havia vendido 95% do clube para a empresa Elephant, o acordo de 20 anos foi rompido em 2 anos. A empresa foi acusada de desviar dinheiro do investimento, atrasou salários, não pagou comida e transporte para categorias de base. 
  • Parma – após a saída da Parmalat, que era a principal investidora do clube, o time italiano precisou declarar falência. A dívida que era na casa de R$ 200 milhões levou o time à Série D da divisão italiana. O time precisou se reerguer e atualmente disputa a Série B da Itália.
Após falência, Parma luta pelo terceiro acesso seguido na Itália | LANCE!
Fonte: (Lance)

O que podemos esperar com esse novo cenário?

Portanto, com tudo o que foi trazido neste texto, é possível concluir que ser clube-empresa também tem seus prós e contras. O modelo não é sinônimo de sucesso dentro de campo e nem de resultados rápidos, ninguém vira vencedor do dia para noite.  

A tendência é que haja uma maior adesão dos clubes brasileiros ao modelo SAF. E além dos clubes, vai haver uma movimentação do mercado esportivo, principalmente pela chegada de investidores nacionais e internacionais. 

Apesar da expectativa por essas movimentações do mercado esportivo brasileiro serem boas, elas também devem ser cautelosas. O futebol brasileiro possui diversos problemas com o calendário e a falta de união dos clubes são um dos pontos negativos. Isso pode fazer os investidores repensarem ao ter interesse no Brasil e até optar por investir em outro país. 

O caminho ainda é longo, mas os primeiros passos já foram dados. Agora cabe aos profissionais do futebol aprimorarem seu conhecimento e investir na profissionalização, independente de ser clube-empresa ou associativo. Com profissionais especializados em cada área, a chance de sucesso dentro e fora de campo é maior. 

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