Governabilidade sob risco
Por
Sílvio Ribas – Gazeta do Povo
Brasília

Brasilia DF 01 10 2019 A senadora Simone Tebet e o senador Tasso Jereissati durante sessão da Comissão de constituição e justiça do Senado para votação do relatorio da Reforma da Previdencia. (Foto: Marcelo Camargo/Ag. Brasil)


Ministra Simone Tebet (Planejamento), uma das fiadoras do “governo para todos”, que não se confirmou na visão do ex-senador Tasso Jereissati| Foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil / Arquivo

Em pouco mais de dois meses no cargo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) perdeu o apoio de quase todos os nomes de relevo da chamada terceira via, os quais apostaram nele para derrotar o rival Jair Bolsonaro (PL) nas eleições de 2022. O ex-senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) foi o último a declarar publicamente a sua decepção com a postura nada agregadora do petista, que resiste em sair do palanque eleitoral e promove uma gestão na economia inspirada no modelo fracassado da ex-presidente Dilma Rousseff (PT).

“A expectativa era de que o Lula viesse com disposição de fazer um governo para todos, mas isso não aconteceu. Estamos vendo um Lula até raivoso em determinados momentos. Ele mesmo falou que era preciso acabar com o “nós contra eles”. Não veio um “Lula Mandela”, veio um Lula anti-Bolsonaro”, comentou Jereissati nesta segunda-feira (6) ao jornal O Estado de S. Paulo. Ele lamenta, sobretudo, os ataques do chefe do Executivo contra o presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto.

O político cearense se soma à lista de outros nomes como os dos economistas liberais Arminio Fraga, Edmar Bacha, Pedro Malan e Elena Landau, além do banqueiro Roberto Setubal. Poucos dias após o resultado do segundo turno, eles foram surpreendidos com declarações de Lula contra o mercado financeiro e o empresariado. A exceção é André Lara Resende, um dos pais do Plano Real, que endossa a crítica governista ao patamar atual da taxa básica de juros.

Apesar de ter votado no petista, o ex-presidenciável João Amoêdo (ex-Novo) diz não estar arrependido, mas reconhece que Lula cometeu erros com potencial de prejudicá-lo na próxima eleição.

Logo nas primeiras semanas de governo, Lula inverteu posicionamentos e desfez promessas eleitorais. Começou o terceiro mandato lançando dúvidas se não buscaria um quarto em 2026, depois provocou fissuras na estratégica relação com o MDB ao classificar de golpe o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), até mesmo em viagens ao exterior.

Ao menos com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), antes visto como inimigo, o diálogo ficou ameno já em 2022, na negociação da PEC fura-teto.

Para alimentar o desencanto dos que aderiram pragmaticamente ao então candidato mais competitivo contra Bolsonaro, Lula tem explicitado uma série de contradições.

Uma das ações do novo governo foi a aplicação da prerrogativa de sigilo presidencial, anteriormente criticada pelo próprio presidente, sobre as imagens do vandalismo no Palácio do Planalto em 8 de janeiro e sobre a lista de convidados para o evento da posse no Itamaraty. O último sigilo acabou sendo revisto após a repercussão negativa.

Lula também admitiu que não usará a lista tríplice das carreiras do Ministério Público na escolha do procurador-geral da República que substituirá Augusto Aras. O presidente vai repetir a prática adotada por Bolsonaro e que foi alvo de críticas por parte do PT à época.

Nessa toada, o discurso de frente ampla – que iria ampliar o leque de forças para além da esquerda e alcançaria centro, centro-esquerda e centro-direita – nunca se sustentou. Analistas ouvidos pela Gazeta do Povo acreditam que, apesar da postura desagregadora, o problema maior ainda é abrir espaços para acomodar interesses partidários.

Para a Esplanada do Ministério foram incluídos representantes do MDB, PSD e União Brasil, mas com domínio do PT. As tensões entre o partido de Lula e os que não estavam na coligação vitoriosa, mas foram incorporados à gestão petista, não param de crescer. Um dos lances mais recentes foi a caça às indicações de nomes relacionados à gestão Bolsonaro por parte do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira (PSD), para sua pasta e para a Petrobras.

Diante desses ruídos, Arthur Lira deu um recado direto a Lula: “o governo não tem maioria na Câmara e no Senado nem para aprovar um projeto de maioria simples, muito menos para matéria constitucional (três quintos do plenário)”. Ele também aproveitou para avisar que não irão prosperar no parlamento iniciativas como revisões das reformas trabalhista e previdenciária ou recuo na autonomia do BC.

A sobrevida dada por Lula na segunda-feira (6) ao ministro das Comunicações, Juscelino Filho (União Brasil), que está sendo pressionado a deixar o cargo pelo PT em razão das denúncias acumuladas, pode ser um gesto de cautela do presidente, em nome da governabilidade. A fidelidade de PSD e União Brasil tem sido cobrada, mas o governo sabe que depende dos votos do Centrão na Câmara para aprovar matérias essenciais a ele, como a âncora fiscal e a reforma tributária, além de medidas provisórias.

Economia é área mais sensível
A economia é a área mais sensível do governo e de cujo sucesso depende a sua própria governabilidade. Mesmo tendo dois fiadores da “frente ampla” nessa área, os ministros Simone Tebet (Planejamento) e Geraldo Alckmin (Desenvolvimento, Indústria e Comércio), a política econômica tem sido o palco preferencial dos embates entre ações mais técnicas do ministro Fernando Haddad (Fazenda) e desejos populistas de figuras influentes do PT sobre o governo, como sua presidente nacional, deputada Gleisi Hoffmann (PR), e seu secretário de Comunicação, Jilmar Tatto.

Por várias semanas, Lula, dirigentes do PT e até ministros da equipe econômica, embora de forma menos agressiva, protestaram contra o nível elevado da taxa básica de juros no Brasil, atualmente em 13,75% ao ano, questionando os argumentos apresentados pela autoridade monetária para conter a persistente inflação.

Com respaldo de partidos aliados da esquerda, como o PSol, os líderes petistas também defendiam a necessidade de revogar a independência do BC e de substituir Campos Neto – a alegação é de que ele está associado ao governo Bolsonaro.

Tal qual na chamada “Nova Matriz Econômica”, de Dilma Rousseff, também vieram propostas de financiar projetos considerados estratégicos com recursos do Tesouro, uso do caixa da Petrobras para estimular a economia e moderar preços de combustíveis e até taxar exportações de commodities. Essas sinalizações de mais ingerência nos fundamentos da economia levaram incertezas ao horizonte, refletidas em desvalorização de ativos brasileiros nas bolsas de valores, em altas do dólar e das taxas de juros futuras.

Em paralelo, em razão do próprio Lula, o discurso de moderação perde espaço e o PT continua alargando seu domínio dentro do governo. Não por acaso houve a reabilitação de figuras como Zé Dirceu, homenageado na festa de 43 anos do partido mês passado, além de Dilma.

Desde a linguagem neutra adotada pelo cerimonial do Planalto às promessas de crescente intervenção em preços de combustíveis e nos financiamentos do BNDES, passando por uma controvertida política externa, que inclui indiferença com atrocidades na Nicarágua na ONU, iniciativas para atrair “centro democrático” parecem ter sido sepultadas.

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