Risco da descriminalização
O que esperar da política de drogas no governo Lula: menos punição e “redução” de danos
Por
Ana Carolina Curvello – Gazeta do Povo


Governo pretende tratar a política contra drogas “como questão de saúde pública e não policial”| Foto: Reprodução/ Internet

Alguns ministros do governo federal e o próprio presidente da República já deram alguns sinais de como será a política contra drogas nos próximos quatro anos. A ideia do atual governo é alterar a lei de drogas para reduzir punições e o encarceramento.

Na última semana, o ministro dos Direitos Humanos Sílvio Almeida defendeu a descriminalização das drogas como a melhor forma para combater o tráfico, durante uma audiência na Comissão de Segurança Pública da Câmara dos Deputados. “Descriminalização de drogas não significa que não possa haver um controle sobre isso. A gente não pode confundir controle e regulação com a questão criminal”, disse.

De acordo com Almeida, o atual governo pretende tratar o uso das drogas como uma questão de saúde pública e não policial. “Temos que tratar isso como uma questão de saúde pública, como uma questão que não se resolve por meio do encarceramento, com prisão e com punição”, disse.

Já o ministro da justiça e segurança pública, Flávio Dino, negou no ano passado, após a vitória de Lula, qualquer tentativa do governo de descriminalizar as drogas e que isso não seria prioridade. “Não vai haver, nesse instante, nenhum debate sobre descriminalização. A não ser quando e se o Supremo decidir essa temática porque, realmente, isso não consta das nossas prioridades”, disse Dino, em entrevista à BBC News.

“No Brasil, vai haver descriminalização nos próximos anos? Não, não vai haver. O que pode haver é exatamente esse ajuste que faz alusão sobre dosimetria, ampliar medidas alternativas e a compressão, aí sim, justa de que um dependente químico ou um usuário não deve ir para o cárcere”, complementou Dino.

Na campanha eleitoral do ano passado, ao ser questionado no Flow Podcast se ajudaria a liberar a maconha caso fosse eleito, Lula se esquivou. “Essa não é uma questão que o governo tem que tratar. Essa é uma questão que ou o Congresso Nacional trata, ou a Suprema Corte cuida disso”, declarou o petista.

Um documento publicado pelo PT no ano passado, no entanto, apontou algumas orientações do partido para a política de drogas no Brasil, como a de redução de danos, que na prática tem sido usada para estimular o uso de drogas.

Para os policiais, o partido recomenda a “substituição do atual modelo de guerra de combate ao tráfico por estratégias de enfrentamento e desmantelamento de organizações criminosas, baseadas no conhecimento e na informação”.

O assunto da liberação da maconha está em discussão no Congresso, mas tem ganhado grande repercussão com as recentes decisões de juízes e do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Também existe um julgamento sobre a descriminalização das drogas para uso pessoal no Supremo Tribunal Federal (STF).

Descriminalização das drogas
O Ministro do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira, é um dos integrantes do governo petista que defende abertamente a descriminalização das drogas, sem levar em conta as experiências negativas de outros países. O modelo citado por ele do Uruguai, por exemplo, que liberou o comércio e a produção da maconha, não trouxe os benefícios apontados por defensores da liberação das drogas como Teixeira. No ano em que o comércio da maconha teve início, os homicídios tiveram uma alta de 5,6%. De 2017 para 2018, o salto foi de impressionantes 45,8%. Segundo o governo do Uruguai, metade desses assassinatos tem a ver com o tráfico de drogas.

Teixeira é o autor do PL 10.549/18 que disciplina o controle, a fiscalização e a regulamentação do uso da cannabis no Brasil para uso medicinal (ainda sem evidências científicas) e também para uso pessoal. Além disso, dispõe sobre o cultivo doméstico, o cultivo por meio de cooperativas e a produção para fins medicinais. O texto também propõe a distinção objetiva entre usuários e traficantes, com intuito de descriminalizar o usuário.

O ex-deputado também foi presidente da comissão especial da Câmara dos Deputados que aprovou o PL 399/2015, que libera o plantio de maconha para fins medicinais, comerciais e industriais. Ele votou a favor do projeto que aguarda a análise no plenário da casa legislativa, antes de seguir ao Senado. “‘Temos que romper esse obscurantismo, esse retrocesso. Por que o doente americano e o europeu têm direito a se tratar com remédios à base de cannabis e no Brasil não pode?”, disse Teixeira em uma audiência da comissão.

Em um artigo no site do PT, o ex-deputado fez menção a um julgamento do STF que pode descriminalizar o uso pessoal da maconha. O julgamento sobre o assunto foi interrompido em setembro de 2015, quando o então ministro Teori Zavascki pediu mais tempo para analisar o caso. Depois da morte em acidente aéreo de Teori, em janeiro de 2017, o ministro Alexandre de Moraes “herdou” a vista.

O relator, ministro Gilmar Mendes, votou pela descriminalização do porte de quaisquer drogas; Edson Fachin e Roberto Barroso votaram apenas pela descriminalização do porte de maconha, mantendo o crime no caso de outros entorpecentes. Alexandre de Moraes liberou o processo no fim de 2018. Desde então, o STF ainda não julgou o processo.

“O País e a sociedade só têm a ganhar se o STF confirmar a inconstitucionalidade das punições a quem usa drogas”, escreveu Paulo Teixeira.

Quando o STF começou a julgar a descriminalização, as principais entidades médicas brasileiras – o Conselho Federal de Medicina (CFM), a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), a Associação Médica Brasileira (AMB) e a Federação Nacional dos Médicos (Fenam) – assinaram nota conjunta pedindo a manutenção da redação atual da Lei de Drogas. Naquela ocasião, os médicos apontaram o que qualquer pessoa de bom senso consegue perceber: a droga causa um dano enorme ao ser humano.

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Secretaria de Políticas sobre drogas
O órgão responsável pela articulação da política de drogas no país é a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas e Gestão de Ativos (Senad), vinculada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública. Porém, a “fiscalização, apreensão de drogas e repressão, são atribuições das forças policiais no campo da segurança pública”, conforme explicou o ministério à Gazeta do Povo.

Entre as ações da Senad, compete a aplicação da lei, incluindo a descapitalização das organizações criminosas do narcotráfico e qualificação da atuação repressiva com base em inteligência e estratégia; o apoio técnico às polícias e às perícias, especialmente no que diz respeito à descoberta de novas drogas; e a produção de pesquisas que embasem as políticas públicas sobre drogas.

O ministério ainda informou que todas as atividades, projetos e programas da Senad “estão alinhados às grandes diretrizes do governo federal, tais como: participação social, combate ao racismo, promoção da equidade de gênero, garantia de direitos e proteção a grupos vulnerabilizados”.

A secretaria de políticas sobre drogas é comandada pela professora Marta Machado, mestre e doutora em Filosofia e Teoria de Direito, pesquisadora do Núcleo de Estudos sobre o Crime e a Pena, fundadora e co-coordenadora do Núcleo de Justiça Racial e Direito na FGV Direito.

Na última semana, a secretária Marta emitiu um parecer favorável à atuação do STJ que assumiu a decisão sobre aprovar ou não o plantio da maconha no Brasil, algo que não é função do Judiciário, mas do Legislativo. Ela considerou “imperiosa” uma regulação que autorize o uso medicinal da cannabis.

“Trata-se de medida imperiosa para sanar as obscuridades do atual marco regulatório. Esta secretaria considera altamente conveniente uma ampla e adequada regulação da importação e cultivo de variedades de cannabis com baixa concentração de THC [efeito psicoativo], para fins industriais, farmacêuticos e medicinais”, escreveu a secretária Marta Machado.

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