História por Notas & Informações  • Jornal Estadão

Desde o fim do orçamento secreto, o Legislativo se movimenta para encontrar formas de reconquistar o poder que tinha no governo Bolsonaro. Com as emendas de relator, esquema revelado pelo Estadão, para obter apoio a seus projetos, o Executivo cedeu o controle e a distribuição de parte do Orçamento à cúpula do Legislativo.

O maior problema do orçamento secreto era a completa opacidade sobre a autoria das indicações, que nunca foram uma escolha do relator. Foi por isso – por violar os princípios constitucionais da transparência, impessoalidade, moralidade e publicidade – que o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a inconstitucionalidade das emendas do tipo RP-9. O STF, portanto, acertou em derrubar o orçamento secreto e em não declarar que as demais emendas eram inconstitucionais.

Como já dissemos neste espaço, as emendas parlamentares são parte do jogo democrático e um dos vários instrumentos de construção de governabilidade. Se alinhadas a políticas públicas nas mais diversas áreas, elas privilegiam os parlamentares que integram a base e podem ser um ganha-ganha para o Executivo e o Legislativo. Cerrar fileiras com a oposição costumava ser uma decisão de alto custo e que exigia muita convicção.

Em 2015, isso começou a mudar. Foi quando o Congresso tornou impositivas as emendas individuais e garantiu uma verba para cada deputado e senador, independentemente de seu posicionamento. Desde então, os vários tipos de emendas ocupam espaço cada vez maior no Orçamento. Em 2014, elas totalizaram R$ 8,7 bilhões; neste ano, chegaram a R$ 35,8 bilhões. O Congresso não quer abrir mão delas, o Executivo não tem tido conforto para aprovar seus projetos e a sociedade não tem visto o resultado das políticas públicas.

Ainda assim, os parlamentares não desistiram de criar alternativas para resgatar o orçamento secreto. O relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), Danilo Forte (União-CE), tentou criar a emenda de liderança, que ficaria sob o comando dos líderes partidários, mas recuou.

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), prefere ampliar as emendas de comissão, tornar seu pagamento obrigatório e criar um calendário para sua execução. Uma reportagem do Estadão mostrou que o parlamentar defende ampliar o espaço que cabe às emendas das Mesas Diretoras da Câmara e do Senado. Como na Câmara a Mesa é presidida pelo próprio Lira, isso pode fazer delas um retrofit do orçamento secreto.

O avanço das emendas teve outro efeito colateral e reduziu a autoridade que os líderes partidários tinham sobre suas bancadas. Parlamentares se sentem livres para ignorar as orientações de suas lideranças. Não seria um problema se as eleições legislativas não adotassem o sistema proporcional, no qual o mandato não pertence ao político, mas pertence ao partido.

Eventualmente, a emenda de liderança poderia ser um modelo de transição para recolocar algumas coisas em seu devido lugar. Se bem utilizada, ela poderia resgatar o papel dos partidos, reorganizar as bancadas, facilitar negociações para a formação de uma base para o governo e favorecer a atuação de uma oposição responsável e programática.

Para que isso funcionasse, tal emenda teria de ser discricionária e premiar apenas quem efetivamente votasse de acordo com a orientação de seu líder partidário – seja a favor ou contra o governo. Aos partidos, certamente não é positivo lidar com parlamentares insubordinados.

Em paralelo, seria mais do que desejável que se reduzisse o espaço de outros tipos de emenda, mas dentro de uma lógica bastante realista. O Congresso não aceitará retomar os patamares anteriores a 2015, e o Executivo terá de aceitar essa realidade.

É inegável, portanto, que as emendas parlamentares têm sido desvirtuadas no tamanho e na forma, o que sinaliza um certo esgotamento. É preciso questionar a quem interessa o modelo atual de distribuição desses recursos. Pode parecer que essa barganha sem limites e sem contrapartidas favorece todos os deputados e senadores. Mas quem tem ganhado, de fato, são as presidências da Câmara e do Senado.

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By valeon