História por Notas & Informações  • Jornal Estadão

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem boas razões para comemorar o ano que passou. Em um governo de esquerda liderado por um presidente abertamente avesso à responsabilidade fiscal, o ministro conseguiu avanços importantes em sua agenda econômica, que não teriam sido possíveis sem muita negociação com o Congresso.

O Orçamento impôs, antes mesmo da posse, um enorme desafio ao ministro. A emenda constitucional da transição impulsionou gastos em um nível muito acima do necessário para recompor a verba das políticas públicas devastadas por anos de bolsonarismo. Dar fim ao desmoralizado teto de gastos e propor um novo arcabouço fiscal em seu lugar foi a primeira de suas tarefas, e, para isso, precisou vencer a resistência de seu próprio partido e do presidente Lula da Silva para impor uma nova âncora, ainda que frouxa.

Aos trancos e barrancos e sob muito ceticismo, o ministro conseguiu apoio para as medidas que podem ampliar a arrecadação no ano que vem por meio da taxação dos fundos exclusivos e offshore, apostas esportivas e a regulamentação das subvenções de ICMS. E, depois de décadas de debates e uma enorme dificuldade para formar um consenso mínimo, a reforma tributária sobre o consumo foi finalmente aprovada pelo Congresso.

Pode-se argumentar que a nova âncora não é firme o suficiente para reequilibrar as contas públicas e conter a trajetória de crescimento da dívida pública. Enfraquecidas ao longo da tramitação legislativa, as medidas de reforço de arrecadação definitivamente não alcançarão as ambiciosas metas calculadas pela equipe econômica. Os tratamentos privilegiados que a reforma manteve ou criou trouxeram dúvidas sobre a alíquota final do novo imposto. Muita gente não está convencida do potencial que a reforma tributária pode gerar em termos de eficiência e produtividade da economia.

Porém, com exceção da desoneração da folha de pagamento, apoiada por boa parte do PIB nacional e do Congresso, o ministro soube escolher bem as batalhas em que entrou. É fato que cada uma delas saiu cara em termos de emendas e cargos, mas foi um custo que o ministro – e, por óbvio, o próprio presidente Lula da Silva – aceitou pagar para construir a credibilidade da política econômica do governo.

Felizmente, a economia também conseguiu andar com as próprias pernas. O desempenho do agronegócio deve garantir um crescimento de 3% ao Produto Interno Bruto (PIB) neste ano, o Banco Central (BC) tem vencido a resistência da inflação pós-pandemia e o desemprego segue em patamares historicamente baixos.

No exterior, os conflitos entre Rússia e Ucrânia e Israel e Hamas continuarão a dominar o cenário internacional, bem como as incertezas sobre a economia nos Estados Unidos, Europa e China. O Brasil, no entanto, tornou a ser visto como um porto seguro para investidores, sobretudo depois que voltou a se comprometer com o avanço da agenda ambiental e o combate ao desmatamento.

Há riscos a serem enfrentados no ano que vem. Os sinais de desaceleração da economia têm encorajado os defensores do gasto público a retomar a carga por medidas do passado, a reeditar tentativas de driblar a regra fiscal e a apostar em estatais como motor de desenvolvimento. As eleições municipais são sempre um estímulo adicional para a aprovação de gastos sem qualidade.

Caberá ao ministro usufruir da legitimidade que o Congresso lhe deu para seguir em frente, ajudar a regulamentar a reforma tributária e suas leis complementares e enviar a segunda etapa da proposta, sobre a renda. Seu maior teste será em março, quando o governo terá de tomar uma decisão sobre a meta de déficit zero em 2024.

Há, no entanto, uma lição a ser tirada deste ano. Quanto maior o alinhamento com o Congresso, maior a chance de a agenda econômica do ministro avançar. Se Haddad não levou tudo o que queria, o saldo final dessas negociações foi positivo para a sociedade. Espera-se, portanto, que o ministro tenha sabedoria para fazer boas escolhas, dividir o mérito delas com o Legislativo e, apesar do boicote petista e da ambiguidade de Lula, resistir no caminho da responsabilidade fiscal.

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By valeon