História por Notas & Informações  • Jornal Estadão

O ministro indicado para a Fazenda, Fernando Haddad, durante coletiva no CCBB

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, decidiu editar uma medida provisória (MP) para reonerar a folha de pagamento de alguns dos principais setores da economia brasileira. Segundo ele, a proposta vai contribuir para manter o orçamento equilibrado e está em linha com a meta fiscal, que visa a zerar o déficit no ano que vem.

O anúncio foi realizado na última quinta-feira e, no dia seguinte, a MP foi publicada no Diário Oficial da União (DOU). Embora tenha entrado em vigor na data de sua publicação, o texto só produzirá efeitos a partir de 1.º de abril, data que não poderia ser mais simbólica, já que ninguém acredita que o governo terá sucesso no capítulo mais recente dessa empreitada.

A desoneração da folha de pagamento foi uma política proposta em 2011 pela então presidente Dilma Rousseff. Substituir a contribuição previdenciária patronal de 20% por um porcentual do faturamento das empresas era uma forma de ajudar alguns setores a se recuperar das consequências da crise mundial de 2008 sem ter de recorrer a demissões. Era para ser um auxílio temporário para enfrentar uma adversidade econômica momentânea, mas o benefício foi recorrentemente renovado desde então.

A desoneração, certamente, não é a solução dos problemas dos setores, mas atenua as dificuldades de muitas empresas e contribui para manter milhões de empregos formais. Na última vez em que a política havia sido prorrogada, em 2021, já se sabia que ela teria validade até o fim deste ano. Logo, se o Executivo estivesse realmente empenhado em apresentar uma alternativa, teria se antecipado às movimentações que ocorriam no Congresso para estendê-la.

O governo, no entanto, não apenas não o fez como foi incapaz de convencer sua própria base a rejeitá-la. Na Câmara, a prorrogação da desoneração até 2027 recebeu 430 votos favoráveis e apenas 17 contrários; no Senado, a aprovação foi simbólica. Ainda assim, a pedido do Ministério da Fazenda, o presidente Lula da Silva vetou o projeto sem ter algo em mente para substituí-lo. Três semanas se passaram sem que o ministro tivesse formalizado a proposta e o veto, por óbvio, foi derrubado.

Insistir nesse embate já seria contraproducente, mas o ministro Haddad decidiu anunciar sua contraproposta em pleno recesso parlamentar, no dia em que o veto foi promulgado pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). E tudo isso por meio de uma medida provisória, instrumento rechaçado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e sem diálogo prévio com os setores envolvidos.

Quiçá não falte confiança ao ministro, que angariou apoio suficiente para todas as suas propostas de recuperação de receitas no Congresso e até para a histórica reforma tributária sobre o consumo. Mas talvez Haddad não tenha ponderado os riscos de tentar driblar um veto rejeitado pelo Legislativo sem consultar suas principais lideranças, sem as quais nenhuma dessas medidas teria sido aprovada.

O silêncio de Lira e a reticência que Pacheco demonstrou nas redes sociais dizem muito sobre a forma como o Congresso recebeu a MP. Deputados e senadores se sentiram afrontados e já há quem pregue a devolução da proposta. Mais que o poder do lobby no Legislativo, é o comportamento da economia que explica as razões pelas quais a desoneração foi tantas vezes prorrogada.

Segundo o Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), entre 2011 e 2020, o País cresceu 0,3%, em média, muito aquém do restante do mundo e ainda menos que o 1,6% médio observado nos anos 1980, na chamada década perdida. Boa parte desse desempenho pífio se deve a um quadro de desequilíbrio fiscal que assumiu caráter permanente nos últimos anos.

Porém, a título de reverter essa situação e zerar o déficit no ano que vem, Haddad recorre, novamente, a medidas para ampliar a arrecadação, reonerando a folha de pagamento sem sequer cogitar tocar nos gastos da União. Por essas e outras razões, a rejeição da medida provisória pelo Legislativo é mais do que esperada. Talvez sirva como desculpa quando o ministro tiver de admitir a necessidade de mudar a meta fiscal em março.

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By valeon