História de André Shalders e Daniel Weterman – Jornal Estadão

BRASÍLIA – O deputado federal Kim Kataguiri (União-SP) pediu nesta quarta-feira, 03, que o Ministério Público Federal (MPF) e o Tribunal de Contas da União (TCU) investiguem os repasses do Ministério da Saúde (MS) a Estados e municípios feitos por meio da Portaria 544 de 2023. No caso do TCU, a investigação também foi pedida numa representação formulada pelo procurador Lucas Rocha Furtado. Kataguiri pediu ainda a convocação da ministra da Saúde, Nísia Trindade, para prestar esclarecimentos diante da Câmara. Procurado, o Ministério da Saúde disse que a liberação do dinheiro seguiu análise técnica das propostas apresentadas por prefeituras e Estados.

A ministra da Saúde, Nísia Trindade Foto: Rafael Nascimento / MS

A ministra da Saúde, Nísia Trindade Foto: Rafael Nascimento / MS© Fornecido por Estadão

Como mostrou reportagem do Estadão, a Portaria foi usada para distribuir cerca de R$ 8 bilhões em troca de apoio político no Congresso, atropelando limites do próprio ministério e gerando distorções. Dezenas de municípios receberam 1.000% a mais do que tinham condição de gastar, enquanto outros ficaram sem nada. Oficialmente, o Ministério nega que as verbas tenham sido liberadas de acordo com critérios políticos – mas congressistas ouvidos pelo jornal afirmam ter apadrinhado a liberação. Há também rastros das negociações na agenda oficial do ministério.

Todos os anos, o Ministério da Saúde define um limite de dinheiro que cada município pode receber, para certo tipo de atendimento. Este limite é traçado com base na infraestrutura que o local dispõe e na quantidade de serviços que ele pode prestar. O objetivo é evitar desperdícios e abusos. No caso dos serviços mais complexos, o limite é chamado de “Teto MAC” – a sigla significa “Média e Alta Complexidade”. No entanto, ao alegar “emergência”, a Portaria 544 permitiu ao ministério desconsiderar o Teto MAC. Como resultado, os repasses ultrapassaram o limite em 651 municípios. Em 20 deles, o Teto MAC foi ultrapassado em mais de 1.000%. Enquanto isso, outros ficaram sem nada.

Em Goiás, os 1.744 habitantes de São João da Paraúna contam com apenas um posto de saúde e nenhum hospital, segundo dados oficiais do Ministério da Saúde. O município declarou ter feito 28 mil procedimentos de média e alta complexidade em 2023, incluindo 4 mil exames de urina. A prefeitura recebeu, em novembro, R$ 1,25 milhão para bancar procedimentos de alta e média complexidade por meio da portaria. Rio Verde (GO), por outro lado, com 225,7 mil moradores e uma produção que superou 2 milhões de procedimentos especializados em 2023, pediu R$ 126,7 milhões por meio da mesma portaria para bancar os serviços, mas não recebeu nada.

Segundo Kim Kataguiri, a reportagem do Estadão “mostra que o orçamento secreto, chamado por Lula de ‘o maior escândalo de corrupção da história do país’, continua existindo em seu governo”. “Os indícios apontam não apenas favorecimento político, mas possíveis desvios já que municípios que não possuem capacidade de executar tanta verba estão sendo beneficiados. Vamos convocar os ministros Padilha e Nísia para explicarem o esquema na comissão de fiscalização e pedir para que o MPF investigue”, diz ele.

Ao representar sobre o assunto, o procurador do MP junto ao TCU Lucas Furtado argumenta que a prática do Ministério da Saúde significa uma continuidade do Orçamento Secreto, revelado pelo Estadão em 2021. “O teor na reportagem aponta para a possível continuidade de uma prática que se observou ainda no governo anterior, que, naquela oportunidade, operacionalizava-se por meio do chamado ‘orçamento secreto’, um instrumento de liberação de recursos do Orçamento da União por meio de indicação de parlamentares (com o uso das denominadas ‘emendas do relator’), sem transparência e sem critérios técnicos”, escreveu ele.

No TCU, as representações de Furtado e Kim Kataguiri serão analisadas pela área técnica do tribunal, que pode decidir ou não instaurar uma investigação a respeito. Na Câmara, a convocação de Nísia Trindade precisa ser pautada e depois aprovada na Comissão de Fiscalização Financeira e Controle (CFFC) da Câmara dos Deputados. A ministra acumula dezenas de requerimentos de convocação similares na CFFC.

No caso da representação ao MPF, Kim Kataguiri diz que os fatos trazidos pela reportagem “possivelmente constituem ato de improbidade administrativa”. “Diante do exposto, solicito a este Ministério Público Federal que sejam tomadas as medidas cabíveis para investigar e apurar as irregularidades relacionadas à distribuição dos recursos do Ministério da Saúde pelo governo federal”, diz um trecho. Cabe agora ao MPF distribuir o caso a um procurador, que decidirá se instaura ou não um inquérito civil para investigar o caso.

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By valeon