Thomas Friedman: leia artigo

Foto: Radek Pietrusz/EFEPor Thomas Friedman – Jornal Estadão

Promessas e exageros dos EUA podem inflar demais as expectativas e criar consequências indesejadas

THE NEW YORK TIMES – Crescendo em Minnesota, fui um grande fã do time local de hóquei no gelo, o North Stars, e um comentarista esportivo, Al Shaver, me ensinou a primeira lição sobre política e estratégia militar. Ele terminava os programas com a seguinte frase: “Quando perder, fale pouco. Quando vencer, fale menos. Boa noite e bons esportes”

O presidente Joe Biden e seu time fariam bem em adotar a sabedoria de Shaver.

Semana passada, na Polônia, nas proximidades da fronteira com ucraniana, o secretário da Defesa americano, Lloyd Austin, chamou minha atenção — e certamente a de Vladimir Putin — quando declarou que o objetivo de guerra dos Estados Unidos na Ucrânia não se resume mais em ajudar os ucranianos a restabelecer sua soberania, mas também em produzir uma Rússia “enfraquecida”.

“Queremos ver a Rússia enfraquecida ao ponto que ela não seja capaz de fazer o que fez ao invadir a Ucrânia”, afirmou ele. “Portanto, os russos já perderam muito de sua capacidade militar e, falando francamente, muitos soldados. E queremos vê-los sem a capacidade de reproduzir esse tipo de capacidade muito rapidamente.”

Secretário da Defesa dos EUA, Lloyd Austin, em audiência no Senado em 19 de janeiro de 2021; suas declarações sobre a Rússia causaram preocupação. Foto: Jim Lo Scalzo/Pool via Reuters

Secretário da Defesa dos EUA, Lloyd Austin, em audiência no Senado em 19 de janeiro de 2021; suas declarações sobre a Rússia causaram preocupação. Foto: Jim Lo Scalzo/Pool via Reuters Foto: Jim Lo Scalzo/Pool via Reuters

Por favor, digam-me que essa declaração foi resultado de uma reunião do Conselho de Segurança Nacional liderada pelo presidente. E que as autoridades decidiram, depois de avaliar todas as consequências secundárias e terciárias, que é de nosso interesse e temos poder para degradar tanto as forças militares da Rússia até que o país não seja capaz de projetar poder novamente — logo? algum dia? não ficou claro — e que somos capazes de fazer isso sem arriscar uma resposta nuclear de um Putin humilhado.

Não duvidem: Eu espero que esta guerra acabe com as forças militares russas acentuadamente degradadas e com Putin fora do poder. Mas eu jamais diria isso publicamente se fosse autoridade, porque isso não gera nenhum benefício e possivelmente pode custar caro.

Lábios à vontade demais afundam navios — e também ocasionam exageros de guerra, esforços vãos, desconexões entre fins e meios e enormes consequências indesejadas.

O time de Biden está exagerando demais nesse sentido, e os equívocos têm exigido remédios demais. Por exemplo, pouco depois da declaração de Austin, um porta-voz do Conselho de Segurança afirmou, segundo a CNN, que os comentários do secretário refletiram especificamente os objetivos dos EUA “de fazer desta invasão um fracasso estratégico para a Rússia”.

Autonomia para reagir

Boa tentativa — mas isso não passou de um esforço artificial de remediação. Forçar a Rússia a se retirar da Ucrânia não é o mesmo que declarar que queremos vê-la enfraquecida a tal ponto que ela não seja capaz de fazer isso novamente em nenhum outro lugar — isso é um objetivo de guerra mal definido. Como saberemos quando isso for alcançado? E trata-se de um processo em andamento — continuaremos a degradar a Rússia?

Em março, durante um discurso na Polônia, Biden afirmou que Putin, “um ditador dedicado a reconstruir um império, jamais apagará o amor do povo à liberdade”. E o presidente americano foi além: “Pelo amor de Deus, este homem não pode continuar no poder”.

Em seguida a essa declaração, a Casa Branca argumentou que Biden “não estava colocando em questão o poder de Putin na Rússia ou considerando uma mudança de regime”, mas, em vez disso, afirmando que “não pode ser permitido (a Putin) exercer poder sobre seus vizinhos ou sobre a região”.

Foi mais uma salada de terminologia remediadora, que me convence apenas de que o Conselho de Segurança Nacional não realizou nenhuma reunião para estabelecer limites a respeito de onde começa e até onde vai o envolvimento americano na Ucrânia. Em vez disso, as autoridades americanas agem autonomamente. Isso não é bom.

O presidente Vladimir Putin (E) se reúne com seu ministro do Trabalho, Anton Kotyakov, na residência oficial de Novo-Ogaryovo, em 4 de maior. Foto:  Mikhail Klimentyev / Sputnik / AFP

O presidente Vladimir Putin (E) se reúne com seu ministro do Trabalho, Anton Kotyakov, na residência oficial de Novo-Ogaryovo, em 4 de maior. Foto: Mikhail Klimentyev / Sputnik / AFP Foto: Mikhail Klimentyev/Sputnik /AFP

Nosso objetivo começou simples e deve permanecer simples: Ajudar os ucranianos a lutar enquanto eles tiverem disposição à luta e ajudá-los a negociar quando eles perceberem que é a hora certa para isso — para que eles sejam capazes de restabelecer sua soberania e nós possamos reafirmar o princípio de que nenhum país pode simplesmente devorar um país vizinho. Autonomia além dessas linhas causará problemas.

Por quê? Para começar, não quero que os EUA sejam responsáveis pelo que venha a acontecer na Rússia se Putin for derrubado. Porque algum desses três cenários será o resultado mais provável:

(1) Putin é substituído por alguém pior;

(2) O caos toma conta da Rússia, um país que possui cerca de 6 mil bombas nucleares. Como vimos na Primavera Árabe, o oposto da autocracia nem sempre é a democracia — é com frequência a desordem;

(3) Putin é substituído por alguém melhor. Um líder melhor na Rússia tornaria o mundo inteiro um lugar melhor. Rezo por isso. Mas para essa pessoa ter legitimidade numa Rússia pós-Putin é vital não parecer que tenhamos instaurado ele ou ela no poder. É necessário um processo russo;

Se o caminho for pela Porta N.º 1 ou pela Porta N.º 2, não gostaríamos que o povo russo ou o mundo responsabilizassem os EUA por desencadear uma instabilidade prolongada na Rússia. Lembram-se do nosso medo sobre “bombas nucleares à solta” na Rússia após a queda do comunismo, nos anos 90?

Também não queremos que Putin nos separe de nossos aliados — nem todos se alistariam para uma guerra cujo objetivo fosse não apenas libertar a Ucrânia, mas também depor Putin. Sem dar nome aos bois, o ministro turco de Relações Exteriores, Mevlut Cavusoglu, reclamou recentemente de que a Otan, na verdade, “quer que a guerra continue. Eles querem que a Rússia se enfraqueça”.

Lembrem-se: Muitos países permaneceram neutros nesta guerra porque, por mais que possam simpatizar com os ucranianos, eles realmente não gostam de ver os EUA ou a Otan agindo como valentões — mesmo com Putin. Se essa guerra se prolongar e a Ucrânia for capaz de recuperar a maior parte de seu território, é vital que esse conflito seja percebido como “Putin versus o mundo”, não “Putin versus EUA”.

E sejamos cautelosos para não elevar demais as expectativas dos ucranianos. Países pequenos que subitamente recebem ajuda de grandes potências podem ficar inebriados. Muita coisa mudou na Ucrânia desde o fim da Guerra Fria — exceto uma: sua geografia. A Ucrânia ainda é, e sempre será, uma nação relativamente pequena que faz fronteira com a Rússia. E terá de fazer concessões duras antes que este conflito acabe. Não tornemos isso ainda mais difícil para a Ucrânia acrescentando objetivos irreais.

Ao mesmo tempo, tenham cuidado ao se apaixonar por um país que vocês não conseguiam localizar no mapa depois de 10 tentativas um ano atrás. A Ucrânia tem um histórico de corrupção na política e oligarcas violentos, mas estava progredindo na direção de reformas democráticas antes da invasão russa. A Ucrânia não virou a Dinamarca nos últimos três meses, mas, Deus os abençoe, muitos jovens ucranianos estão se esforçando realmente, e quero lhes dar apoio.

Relatos da guerra na Ucrânia

Em Zaporizhzhia, um grupo de pessoas retirado da usina de Azovstal, em Mariupol, respiram um pouco mais aliviados.

Mas eu vi um filme em 1982 que não me sai da cabeça. Israelenses haviam se apaixonado por falangistas cristãos no Líbano, com quem se agruparam para expulsar de Beirute a OLP de Yasser Arafat. Juntos, eles reformariam o Levante. Mas foram longe demais. Isso ocasionou todo tipo de consequências indesejadas — o líder falangista foi assassinado; Israel atolou-se num lamaçal no Líbano; e uma milícia xiita pró-Irã emergiu no sul libanês para resistir aos israelenses. Esse grupo se chama Hezbollah — e domina atualmente a política libanesa.

O time de Biden se deu muito bem até agora com seus objetivos limitados. E deveria ficar onde está.

“A guerra na Ucrânia deu ao governo americano uma oportunidade de demonstrar recursos singulares no mundo de hoje: Sua capacidade de forjar e manter uma aliança global de países para confrontar um ato autoritário de agressão; e, em segundo lugar, a capacidade de empunhar um superarmamento econômico em resposta, o que apenas a dominância do dólar na economia global torna possível”, explicou Nader Mousavizadeh, fundador e diretor-executivo da Macro Advisory Partners, uma firma de consultoria geoestratégica.

Se os EUA foram capazes de acionar eficazmente esses dois recursos, acrescentou ele, “isso aumentará imensamente nosso poder a longo prazo, melhorará nossa posição no mundo e mandará uma poderosa mensagem de dissuasão tanto para a Rússia quanto para a China”.

Em relações internacionais, sucesso engendra autoridade e credibilidade, e credibilidade e autoridade engendram mais sucesso. Simplesmente restaurar a soberania da Ucrânia e frustrar as forças de Putin seria uma enorme proeza, com dividendos duradouros. Al Shaver sabia bem o que dizia: Quando perder, fale pouco. Quando vencer, fale menos. Todo mundo consegue ver o placar. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

*É COLUNISTA, ESCRITOR E GANHADOR DO PRÊMIO PULITZER

Loading

By valeon