Seis décadas de sucesso no rock’n roll
Na estrada desde 12 de julho de 1962, a banda já vendeu mais de 300 milhões de álbuns, fatura um incalculável número de milhões de dólares e ainda conquista fãs por todo o mundo; confira sua trajetória
Texto: Carlos de Oliveira – Especial para o Estadão / Infografia: Bruno Ponceano
Três notas. Uma combinação de si, ré bemol e ré tocada em uma única corda, a quinta da guitarra. Turbinado por uma distorção ainda pouco radical, estava criado o grito primal do rock’n’roll. Os puristas vão dizer que há outros, que o acorde inicial de A Hard Day’s Night é imbatível. Pode ser. Mas o riff de Satisfaction ainda soa como uma avalanche de pedras que rolam sem parar. Há 60 anos.
Compreender os motivos de tanto fôlego é tarefa que exige algumas, ou muitas, considerações iniciais. Há uma cadeia de fatos interligados que culminaram na mais longeva banda de todos os tempos.
Odiados ou idolatrados, pouco importa. Gostem ou não, o fato é que os Rolling Stones estão oficialmente na estrada desde aquele dia 12 de julho de 1962, quando um certo Michael Phillip, suburbano de Dartford, trocou a Escola de Economia e Ciência Política da Universidade de Londres pelo palco apertado do Marquee Club e transformou-se no bocudo Mick Jagger. Nascia o Rollin’ Stone, com apóstrofe e no singular.
AUSTRALIANO HORROROSO
Mick tinha um amigo ou, talvez, apenas um conhecido de adolescência de nome Keith Richards. Tipo meio estranho, de sotaque desleixado de Kent, que a vizinhança chamava de “australiano horroroso”. Nem australiano era.
Costumavam se encontrar no trem que liga Dartford ao centro de Londres. No rápido percurso de uns 25 quilômetros falavam sobre música. Rhythm & blues, blues e sobre os negros americanos que povoavam o imaginário musical de jovens ingleses criados nas dificuldades do pós-guerra. Para usar a definição mais simplista da época, eram rebeldes. Mal sabiam que essa rebeldia seria cultivada por esquemas de marketing que duram até hoje.
POR ACASO
Sessenta anos depois daquele 12 de julho de 1962 no velho Marquee, os Stones devem ao acaso sua prima nocte com a fama. Em primeiro lugar, eram um sexteto que nem nome tinha: Mick Jagger, Keith Richards, Lewis Brian Hopkin-Jones (de fato e de direito, o fundador da banda), Ian Stewart, Dick Taylor e Mick Yvory.
Keith, que tem o dom de mastigar palavras e rir ao mesmo tempo, é quem conta a história. Naquela noite o show seria da Blues Incorporated que, apesar do nome, tinha uma queda pelo jazz. Ocorre que pouco antes da apresentação, a BBC os convidou para uma transmissão ao vivo. Entre o público restrito do Marquee e o alcance da BBC, a Blues Incorporated não pensou duas vezes.
ROLLIN’ STONE
Com seu line-up comprometido, coube a Brian Jones aproveitar a oportunidade e encaixar sua banda no lugar vago. Premido pelo tempo, o dono do Marquee quis saber o nome do grupo e Jones apelou para o primeiro que lhe veio à cabeça: Rollin’ Stone, com apóstrofe e no singular, um blues de Muddy Waters.
BILL E CHARLIE
Com apresentações cada vez melhores e bom público, a Rollin’ Stone sofreu algumas mudanças. Por ter dois amplificadores, Bill Wyman, veterano baixista na noite londrina, assumiu o instrumento no lugar de Dick Taylor. No início de 1963, meio contra a vontade, Charlie Watts, um baterista com pendores jazzísticos, tomou o lugar de Mick Yvory.
A banda se consolidava e teve a sorte de conseguir um empresário ousado. Ainda em 1963, com apenas 19 anos, Andrew Loog Oldham, ex-assistente de Brian Epstein (sim, o empresário dos Beatles), passou a cuidar dos interesses do grupo e a primeira coisa que fez foi ser fiel ao idioma inglês.
MARKETING
Exigiu que a banda passasse a se chamar The Rolling Stones, sem apóstrofe e no plural. Numa inteligente campanha de marketing, pintou os rapazes como transviados e lançou uma pergunta desafiadora no sombrio fog de Londres, logo replicada pelos tabloides oportunistas: “Você deixaria sua filha se casar com um Rolling Stone?”
A manobra publicitária somada ao estilo rude dos rapazes deu super certo e os Stones foram contratados pela Decca para gravar um compacto simples, aquele disquinho de vinil com uma música de cada lado.
SÍMBOLO ROLLING STONES
Há 52 anos, o logotipo dos Rolling Stones transcendeu a banda e se tornou maior e mais lucrativo do que o designer e criador John Pasche jamais imaginaria.
- O símbolo começou a ser criado em 1970, quando a banda entrou em contato com a Royal College of Art em Londres. A primeira versão do logo não agradou o grupo e a segunda, criada por John Pasche após ter sido contratado pelo assistente pessoal da banda, Jó Bergman, remontava à estética dos anos 1930 e 1940.Andy Warhol, provavelmente porque foi ele quem levou os créditos pelo design do álbum Sticky Fingers.
- Warhol nunca fez questão de esclarecer a questão dos direitos autorais do símbolo, mas em 1976, Pasche firmou um contrato oficial com a banda e passou a ter participação de 10% na receita líquida do merchandising.1976
- A banda britânica passou a lucrar bilhões de libras usando o logotipo “em todo lugar”, como disse o veterano de relações públicas do grupo nos anos 1980, Alan Edwards.1980
- Em 1982, o designer acabou vendendo seus direitos autorais do logotipo à banda.1982
- Em 2008, o desenho original do logotipo foi comprado pelo V&A Museum. Segundo a curadora do museu, Victoria Broackes, o símbolo percorreu um grande caminho, apesar de ter sido desenvolvido de maneira discreta e com baixo custo.2008
STONES CANTAM BEATLES
No repertório, Chuck Berry e Muddy Waters. Num segundo compacto, a música de uma promissora dupla de compositores do norte, de nomes John Lennon e Paul McCartney. Sim, os Stones gravaram I Wanna Be Your Man, dos Beatles, e fizeram sucesso, chegando ao Top 10 no Reino Unido, em janeiro de 1964.
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Não se sabe se modesto ou cabotino, o primeiro álbum da banda chamou-se apenas The Rolling Stones, como se isso fosse o suficiente para lhes garantir sucesso. Não estavam errados. Naquele junho de 1964, apenas dois anos depois da estreia no Marquee, Mick e Keith passaram a compor.
Abriram apresentações para artistas americanos em tour pelo Reino Unido, entre eles Little Richard, Gene Vincent, Bo Diddley e Everly Brothers.
SATISFACTION
Em 1965, com o álbum Out Of Our Heads, a dupla Jagger & Richards já rivalizava com Lennon & McCartney. Dele faz parte um dos mais louvados hinos do rock e a consolidação dos Stones nas paradas de sucessos da Inglaterra e Estados Unidos. (I Can’t Get No) Satisfaction até hoje reverbera por todas as garagens do mundo onde possa haver um garoto com sonhos de ser um rockstar.
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As apresentações dos Rolling Stones na Inglaterra eram marcadas por uma histeria diferente daquela que acompanhava os Beatles. Em vez de meninas pré-adolescentes declarando seu amor a John, George, Paul e Ringo, os fãs dos Stones eram hooligans violentos e os concertos não raramente acabavam em pancadarias e destruição regadas a muita droga.
ALTAMONT
A mesma violência acompanharia a banda até os Estados Unidos, onde se apresentaram no dia 25 de outubro de 1964, no Ed Sullivan Show. Nessa primeira vez, tudo bem. Nada além de gritos na plateia, a mesma que já havia gritado pelos Beatles em 3 de fevereiro do mesmo ano. O horror mesmo aconteceria em 6 de dezembro de 1969, em Altamont, Califórnia.
TRAGÉDIA
O concerto, que deveria ser uma demonstração de convivência pacífica entre cerca de 500 mil pessoas, acabou em tragédia. Não sem motivo: a “segurança” do evento foi confiada aos Hells Angels, uma gang de motociclistas adeptos da ultraviolência.
Depois de vários espancamentos de fãs que tentavam subir no palco, um jovem negro de nome Meredith Hunter, vestido com um terno verde, foi esfaqueado pelas costas pelo Hell Angel Alan Passaro. Mais tarde soube-se que Hunter estava armado e Passaro foi absolvido por legítima defesa.
INGREDIENTES DA FAMA
Por todos os motivos acima, é mais prudente afirmar que um amálgama de ingredientes concorreu para a fama dos Stones ao longo dos últimos 60 anos. Uma coisa, porém, é certa: seus vários managers, entre eles o novaiorquino Alan Klein, o mesmo que agiu como pivô na separação dos Beatles, sempre flertaram com a imagem “bandida” do grupo.https://arte.estadao.com.br/uva/?id=y3LBBQ&show_title=false&show_description=false&show_brand=false
Eram os drogados, os “marginais” em apuros com a polícia. Eram os beberrões que deviam fortunas ao fisco inglês. Para completar, houve a morte do fundador Brian Jones em circunstâncias ainda hoje mal esclarecidas. Afogou-se ou foi afogado na piscina de sua mansão, no dia 3 de julho de 1969, aos 27 anos?
Coincidentemente, Jones havia sido expulso da banda pouco tempo antes. Nem seus colegas conseguiram conviver com suas eternas bebedeiras, viagens alucinógenas e outras tantas drogas.
A GRANDE VIRADA
Ainda que durante cerca de oito anos tenham disputado as paradas de sucesso com os Beatles, de quem eram amigos muito próximos e não rivais, um fato é inegável: os Stones souberam aproveitar um esquema que se delineava no horizonte do showbiz e do qual os Beatles fugiram: os mega shows.
Cansados de viajar, os Beatles enclausuraram-se em estúdios e, a despeito da magnifica obra produzida, o máximo de ousadia foi fazer uma despedida no telhado da Apple, na Saville Row.
Os Stones partiram para a estrada e entenderam que concertos grandiosos e longas turnês eram a mina não apenas de muito dinheiro, mas de consolidação da fama. Não à toa, credita-se aos Stones as superproduções musicais realizadas em arenas normalmente utilizadas para eventos esportivos e adotada por um sem-número de artistas.https://arte.estadao.com.br/uva/?id=2lDGm2&show_title=false&show_description=false&show_brand=false
OS MEGAEVENTOS
Essa tendência foi se fortalecendo e tornou-se regra a partir de 1981, com uma nova excursão da banda aos Estados Unidos. Estava definitivamente aberta a era dos shows gigantescos, com exaustivas três horas de duração, palcos que se moviam ao sabor de cada música e toneladas de equipamentos de som e de luzes.
Acrescente-se à fórmula, os fartos patrocínios e uma legião incalculável não mais de fãs, mas de fanáticos de todas as idades dispostos a pagar qualquer preço por um lugar na plateia.
MICK E KEITH
Dos membros originais de 1962 sobraram os septuagenários Mick Jagger e Keith Richards. O guitarrista Ronnie Wood (ex-Faces), que no último dia 1º completou 75 anos, chegou depois, em 1975, para substituir Mick Taylor, que substituíra Brian Jones.
Vale considerar que a banda passou por várias formações e, além da morte de Brian Jones, perdeu o baterista Charlie Watts em 24 de agosto de 2021, aos 80 anos. Para se ter uma ideia, 28 músicos fizeram parte dos Rolling Stones, 14 oficialmente e outros 14 de apoio. A banda vendeu mais de 300 milhões de álbuns e ainda fatura um incalculável número de milhões de dólares.
MICK COM COVID
A atual turnê da banda chegou a ser interrompida pouco antes do concerto na Joan Cruijff Arena, em Amsterdam, Holanda, por conta do teste positivo de Mick Jagger para a covid-19. Deram um tempinho antes de voltar à estrada. Voltaram. Longa vida aos Stones. Afinal, o que são 60 anos para quem se tornou eterno?
Astros da moda
No início da década de 1960, a banda em formação reproduzia a embalagem de bons moços de terno, como os Beatles, mas já guardava a alma baderneira e sensual que ficou eternamente marcada na carreira do grupo. Na construção do estilo pessoal dos Stones, eles misturaram o que, na época, era “roupa de mulher”, trazendo o veludo, o cetim, a calça apertada, o salto alto, a boca de sino e as camisas abertas para os shows. “Os Stones brincavam com os gêneros e influenciaram os homens da época a também utilizarem roupas consideradas femininas. Todo mundo queria copiar”, diz o estilista Fábio Gurjão.
A presença nos palcos continuou em destaque mesmo após 60 anos de história e se tornou um caminho para ser ressignificado pelos jovens: “A moda é uma reciclagem dos estilos e os Stones criaram um novo caminho a ser desbravado, colocaram a moda de hoje nesse lugar fantasioso de ser um rockstar”, afirma o estilista.
Os ‘proibidões’ dos Stones
De flertes com o demo, a apologia às drogas e fortes doses de machismo, as músicas dos Rolling Stones correspondem à fama de rebeldes, para dizer o mínimo
SYMPAPHY FOR THE DEVIL (1968)
BEGGARS BANQUET
Jagger se põe no lugar do coisa ruim e diz ter convivido com Cristo, Pilatos, Anastasia Romanov, a blitzkrieg nazista, John Kennedy. Dizem que se inspirou no poema Litanias de Satã, de Charles Baudelaire, e no livro O Mestre e Margarita, do russo Mikhil Bulgacov, que relata uma visita do demônio à extinta União Soviética.
DANCIN WITH MR. D (1973)
GOATS HEAD SOUP
Foi lançada em 1973 e logo rejeitada pelas rádios americanas. Começava assim: “No cemitério onde temos o nosso encontro /O ar cheira mal/Ele nunca sorri, a boca apenas retorce/Mas eu sei o nome dele, ele é chamado de Sr. D.”.
SISTER MORPHINE (1969)
STICKY FINGERS
Single de 1969 e sua letra é absolutamente explícita: “Aqui estou na minha cama do hospital/Irmã Morfina, você veio para o seu turno?”
SOME GIRLS (1978)
SOME GIRLS
Foi banida das rádios. Sua letra, na parte publicável, Jagger canta seus encontros sexuais com mulheres ao redor do mundo e diz que “as chinesas são gentis, as britânicas são puritanas e as norte-americanas são gananciosas”.
STRAY CAT BLUES (1968)
BEGGARS BANQUET
Também foi banida das rádios. Sugerindo pedofilia, Jagger canta “Eu vejo que você tem uma amiga/ Que ela é mais louca do que você/ Porque você não a chama também?/ Se ela é tão louca, pode se juntar a nós”. (C.O)
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Neste mês, a banda dona de algumas das músicas mais icônicas e famosas do mundo da música completa 60 anos. No início dos anos 1960, surgia o grupo britânico The Rolling Stones, que pouco tempo depois viria a quebrar padrões no mundo do rock e do pop e revolucionar a cena musical de todo o mundo.
A história da lendária banda nascida em Londres e a trajetória das músicas e dos integrantes do grupo acabaram virando tema central de diversas produções, biografias e livros.