Editorial
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Gazeta do Povo


Lula afirmou em entrevista que pode não seguir a lista tríplice da ANPR no momento de escolher um procurador-geral da República.| Foto: EFE/André Borges

Diz o artigo 128 da Constituição Federal que o procurador-geral da República é escolhido pelo presidente da República, em nomeação submetida ao Senado; o indicado precisa ser integrante do Ministério Público e ter 35 anos – nada mais que isso. E exatamente por esse motivo não há razão para o furor despertado pela afirmação do presidente Lula, em entrevista recente, de que poderia ignorar a lista tríplice enviada pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) a cada dois anos, quando se trata de nomear ou reconduzir ao cargo um procurador-geral. “Não penso mais em lista tríplice da PGR… Vou ser mais criterioso”, afirmou Lula à rádio BandNews – repetindo, aliás, o que ele já havia dito em meados de 2022, quando ainda era pré-candidato.

Se há algo a criticar na postura de Lula, é a hipocrisia de um partido que criticou severamente a mesmíssima decisão quando ela partiu de Jair Bolsonaro. Em 2019, quando Bolsonaro ignorou a relação enviada pela ANPR e escolheu Augusto Aras (que seria mantido no cargo em 2021), o PT chamou a atitude de “o maior retrocesso em 20 anos”. A não ser que os petistas tenham passado por uma verdadeira epifania a respeito do assunto, levando-os a mudar radicalmente suas convicções, o seu silêncio diante da afirmação de Lula é apenas a comprovação de que, aos seus, o PT permite absolutamente tudo, enquanto aos outros não permite nem mesmo aquilo que é facultado pela lei.

A lista tríplice para a escolha do procurador-geral é um costume, não algo previsto legalmente. Os únicos requisitos são os constitucionais: idade mínima e pertencimento aos quadros do Ministério Público Federal

E o fato é este: a lista tríplice para a escolha do procurador-geral é um costume, não algo previsto legalmente (ao contrário, por exemplo, da escolha de reitores de universidades federais, em que o presidente é obrigado por lei a selecionar um dos integrantes das listas enviadas pela comunidade acadêmica). Os únicos requisitos são os constitucionais: idade mínima e pertencimento aos quadros do Ministério Público Federal. Pode-se até entender a lista da ANPR como uma recomendação, vinda dos próprios integrantes do MPF, que levam ao conhecimento do presidente da República os nomes daqueles que consideram mais adequados para chefiá-los, mas não como uma imposição que, no fim das contas, amarraria as mãos do chefe do Executivo e o submeteria a uma decisão corporativista.

Pretender impor goela abaixo do presidente da República a obrigação de escolher um integrante da lista alegando transparência ou a autonomia do Ministério Público é ignorar que o problema brasileiro não está nos métodos de escolha, mas nas pessoas que participam desse processo. Augusto Aras foi uma escolha ruim não porque não constasse da lista tríplice, mas porque, antes mesmo de ser escolhido, já dava indícios de que não era a melhor pessoa para conduzir o MPF, com suas críticas à Lava Jato e posições bem distantes daquelas do eleitorado de Bolsonaro – posições essas que ele foi amenizando apenas quando se tornou cotado para a PGR. Uma vez escolhido, deixou como grande legado justamente o fim da Lava Jato, com a dissolução da força-tarefa constituída em 2014; o apoio (revertido tardiamente) aos inquéritos abusivos do Supremo; e uma subserviência ao Planalto que ficou longe da missão institucional do MPF de defesa dos interesses da sociedade.

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Assim como na escolha de ministros do Supremo, é salutar que sejam os representantes eleitos pelo povo – o presidente da República, que faz a indicação; e os senadores, que a avaliam e podem aprová-la ou recusá-la – a selecionar livremente, entre os que cumprem as exigências legais, aqueles que consideram dignos do cargo de procurador-geral da República, sem imposições externas. Se temos preocupação genuína com tais nomeações, que saibamos eleger para o Planalto e para o Senado pessoas que comprovadamente tenham bons critérios e escolham sabiamente os ocupantes desses cargos.

É aqui que mora o perigo quando se trata de Lula neste seu terceiro mandato. Durante seu primeiro período no Planalto, dois procuradores-gerais por ele escolhidos – Antônio Fernando de Souza e Roberto Gurgel, ambos oriundos da lista tríplice da ANPR – conduziram bem a denúncia do mensalão no STF, que resultou na condenação e prisão de uma série de chefões petistas como José Dirceu e José Genoino, e a memória deste processo pode guiar a próxima escolha para a PGR. Se Lula, em vez de repetir boas nomeações como as de Souza e Gurgel, quiser um procurador-geral camarada, um Aras para chamar de seu, esteja ele ou não na lista tríplice, que o Senado tenha a coragem de fazer o que jamais fez antes: rejeitar uma indicação presidencial para o posto.


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