Editorial
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Gazeta do Povo
Lula dá entrevista para TV chinesa e admite que não tem plano de paz para a Ucrânia| Foto: CCTV
Em sua megalomania característica, Lula continua se achando capaz de conseguir colocar um fim no conflito entre Rússia e Ucrânia e, quem sabe, aumentar a relevância brasileira no cenário internacional – se na esteira disso vier um Nobel da Paz, obviamente o petista não reclamaria nem um pouco. No entanto, suas declarações mais recentes, algumas delas feitas durante a viagem à China e ao Oriente Médio, se revelaram um desastre completo. Se queria parecer neutro, pairando acima dos beligerantes para se colocar em posição de mediador, o que Lula fez foi rebaixar a diplomacia brasileira ao deixar muito evidente que ele tem um lado – e não é o lado da vítima, da liberdade, da soberania e autodeterminação das nações.
Fiel à ilusão de que a guerra poderia acabar em torno de uma mesa de bar, Lula afirmou à televisão estatal chinesa CCTV, no último dia 14, que não tem plano nenhum para seu alardeado “clube da paz”. Questionado sobre qual seria sua proposta, o petista disse que “Eu não tenho plano específico. Eu não tenho uma coisa produzida. A proposta vai sair de muitas conversas entre muitas pessoas”, afirmou, antes de criticar as democracias ocidentais por enviar armas para que a Ucrânia se defenda. Mas o pior ainda estava por vir. Na passagem pelos Emirados Árabes Unidos, em entrevista coletiva, Lula disse que “a decisão da guerra foi tomada por dois países”, que “o presidente Putin não toma iniciativa de parar, o Zelensky não toma iniciativa de parar. A Europa e os Estados Unidos terminam dando a contribuição para a continuidade desta guerra”, e que “nós precisamos convencer as pessoas de que a paz é a melhor forma para se estabelecer qualquer processo de conversação”.
Ao criticar Zelensky e os ucranianos, que estão lutando pela própria sobrevivência, por “não tomar a iniciativa de parar”, Lula deixa claro que seu conceito de paz é a paz dos valentões, o mero apaziguamento
Ao culpar a Ucrânia pela guerra e colocá-la no mesmo nível moral que a Rússia, Lula compra sem pestanejar todo o pacote de propaganda que Vladimir Putin usa para justificar sua agressão. O petista certamente não seria capaz de mencionar uma única atitude de Kyiv que tivesse representado ameaça a Moscou e fosse razão suficiente para um ataque militar de grande escala como o iniciado em fevereiro de 2022. A não ser, claro, que Lula considere “provocação” o fato de os ucranianos quererem decidir seu próprio destino – incluindo uma aproximação com o ocidente – e que, para o presidente brasileiro, a Ucrânia realmente não passe de um “apêndice” sobre o qual a Rússia tem pleno direito e que não pode fazer nada sem pedir a autorização do vizinho maior. Pois o fato é que a decisão da guerra foi tomada por um único país, que unilateralmente atacou uma nação vizinha que exercia sua soberania. Não há equiparação moral possível entre Rússia e Ucrânia: há agressor e vítima claramente definidos.
Que a paz é o objetivo a atingir, disso não há dúvida. Mas que paz? Quando Lula critica o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, por “não tomar a iniciativa de parar”, e ataca europeus e norte-americanos por “dar a contribuição para a continuidade dessa guerra”, o petista deixa subentendido que paz ele imagina. Afinal, não é difícil prever o que aconteceria se Zelensky “tomasse a iniciativa de parar” e se as democracias ocidentais parassem de ajudar os ucranianos a se defender. O conceito de paz lulista, portanto, é a paz dos valentões, o mero apaziguamento, a “paz para os nossos tempos” de que se gabou o britânico Neville Chamberlain em 1938 após a assinatura dos Acordos de Munique, que entregaram à Alemanha nazista partes da Tchecoslováquia na ilusão de que Hitler pararia por ali (menos de um ano depois, começaria a Segunda Guerra Mundial).
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Quando Lula, ainda antes de sua viagem, chegou a afirmar que Zelensky “não pode querer tudo”, em uma referência à Crimeia, ilegalmente anexada pela Rússia em 2014, já legitimou a agressão imperialista. Pois o “tudo” que Zelensky e os ucranianos querem é simplesmente o respeito à integridade de seu território, violada pelos russos. Zelensky não pode “tomar a iniciativa de parar” porque isso seria abrir mão de sua sobrevivência. Europeus e norte-americanos não podem abandonar a Ucrânia porque alimentariam uma ameaça à manutenção da ordem internacional e exporiam a Europa a novas aventuras expansionistas. Por isso a condição primordial para qualquer negociação de paz (a paz verdadeira, não a paz lulista) inclui o respeito às fronteiras originais ucranianas. Zelensky, os ucranianos e as nações que os apoiam têm toda a legitimidade para seguir lutando em busca desse objetivo – que, no entanto, parece demais para Lula.
Na menos desastrosa das hipóteses, Lula quis colocar Ucrânia e Rússia no mesmo patamar para se qualificar como mediador – e já teria errado grotescamente, pois não faltam elementos para rejeitar qualquer tipo de equiparação moral entre o invasor e a vítima. Mas há uma possibilidade ainda mais abjeta, que descarta a mera ignorância geopolítica: Lula estaria deliberadamente deslocando o Brasil para longe das democracias ocidentais e aproximando-o das autocracias e ditaduras por um misto de ultrapragmatismo econômico e antiamericanismo pueril. Em qualquer dos casos, as escolhas do presidente lembram aquelas razões que levaram a chancelaria israelense, em 2014, a chamar o Brasil de “anão diplomático” – não por sua suposta irrelevância, mas pelas péssimas escolhas que o petismo faz.
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