Cenário brasileiro segue entre os piores, permanecendo entre os sete que mais têm jovens que não estudam nem trabalham; faltam políticas públicas específicas
Sem contar com políticas públicas específicas para reduzir as taxas de jovens entre 15 e 29 anos que não estudam nem trabalham, o Brasil está estagnado em relação à maioria dos países analisados pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Em 2012, os nem-nem brasileiros eram 20% dessa faixa etária, índice que colocava o País entre os sete piores. Dez anos depois, tanto a posição no ranking quanto o porcentual são os mesmos, mas a taxa brasileira piorou na comparação com a da média das nações que fazem parte da organização – o Brasil ainda não integra esse grupo, mas sua adesão está em tramitação.
Os resultados obtidos pela Irlanda nessa década são os que mais impressionam, fruto de um trabalho que mescla capacitação, ajuda para obtenção de emprego e assistência financeira. Assim, o país saiu da 6ª posição na lista dos dez com maiores índices de nem-nem para ficar entre os sete que menos têm jovens nessa situação. A taxa passou de 21,1% para 8,9%. Os irlandeses ainda melhoraram em relação à média das nações que fazem parte da OCDE. Se em 2012 estavam quase seis pontos porcentuais acima da média da organização, em 2022 passaram a ficar quatro pontos abaixo.
Um dos programas desenvolvidos por lá se chama Springboard, que oferece cursos de qualificação para jovens em setores empresariais que estão em crescimento ou que apresentam necessidade de mão de obra. Já o Momentum auxilia desempregados de longo prazo a adquirirem habilidades necessárias para a reinserção no mercado de trabalho. Por sua vez, o Pathways to Work, do Departamento de Assuntos de Emprego e Proteção Social, garante assistência financeira e busca capacitar os jovens inativos. Há, ainda, projetos para oferecer estágios em organizações parceiras e iniciativas voltadas para jovens nem-nem com deficiência.
Grécia e Espanha também conseguiram grandes reduções em suas taxas, em torno de dez pontos porcentuais de queda. Com isso, os gregos deixaram o posto de país com maior porcentual de nem-nem que ocupavam em 2012 e passaram à 11ª posição. E a Espanha passou do segundo para o novo lugar. Ambos ainda estão acima da média da OCDE, mas com desvios bem menores.
De 21,1% para 8,9%
Foi a melhora na taxa de jovens nem-nem na Irlanda em uma década
O Reino Unido, por sua vez, cruzou essa fronteira e agora tem índice de jovens que não estudam nem trabalham abaixo da média da organização. Com apoio de um conjunto de políticas públicas, reduziu o porcentual de nem-nem de 16,3% para 10,6% e passou do 13º país com as taxas mais altas para o 13º com os menores índices.
Parcerias entre governo e empresas, além de programas de incentivo à contratação de jovens, foram peças importantes para essa evolução. Esse trabalho se intensificou com o início da pandemia. Lançado em setembro de 2020, por exemplo, o Kickstart financiou empresas para que contratassem jovens de 16 a 24 anos por seis meses, oferecendo colocação para pessoas em risco de desemprego a longo prazo e que dependiam de auxílios do governo britânico. Esses jovens passaram por capacitações para que, ao fim do programa, estivessem treinados para ocupar um cargo permanente.
Os beneficiários do Kickstart ganhavam do governo um salário-mínimo semanal entre 132 libras e 260 libras, variando de acordo com a idade do trabalhador. Já os empregadores recebiam 1.500 libras para cada emprego criado, além da cobertura de custos de seguro e previdência social. Ao fim do programa, em março de 2022, o saldo havia sido de 163 mil novos empregos temporários. E a taxa de desemprego entre jovens havia atingido o menor nível desde o início da série histórica, em 1992, segundo o governo do Reino Unido.
O grupo de nem-nem que acaba de se formar nas escolas também recebeu apoio: jovens de 18 e 19 anos que não encontravam empregos puderam se inscrever em cursos de capacitação em áreas de alta empregabilidade e nas quais faltavam profissionais. Os cursos duravam um ano e eram de áreas de importância na economia do Reino Unido. A partir deles, jovens puderam encontrar empregos ou se tornaram aprendizes e trainees. Para cada formando, o governo custeou 400 libras em cursos. O programa teve início em julho de 2020 e foi encerrado em 2023.
Outros projetos também tiveram como foco a formação de aprendizes e trainees, mesclando experiência de trabalho com cursos de capacitação em áreas variadas. A maior parte dos programas foi voltada para jovens até 24 anos, bem na transição entre as atividades educacionais e o mundo do emprego.
PROBLEMA TEM CAUSAS MÚLTIPLAS NO BRASIL
A causa para os altos índices de nem-nem no País é multifacetada, mas a falta de acesso à educação de qualidade e o desemprego estrutural entre os jovens são os dois principais pontos, na opinião do professor Renan de Pieri, da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV). O especialista explica que, apesar da universalização do ensino fundamental no Brasil, a grande taxa de evasão no ensino médio e o baixo acesso ao ensino superior dificultam a empregabilidade dos jovens.
“Por mais que os ganhos educacionais sejam maiores na infância, o ensino técnico atualiza os jovens e dá a eles ferramentas para as novas vagas que surgem em momentos de crescimento”, diz Pieri. A crise econômica entre 2015 e 2016 e a pandemia de coronavírus agravaram os problemas uma vez que diminuíram as oportunidades para os recém-chegados no mercado de trabalho e exigiram novas habilidades e acesso às ferramentas utilizadas no ensino a distância. Para Pieri, quanto mais tempo o jovem demora para ingressar no mercado de trabalho, mais dificuldades ele vai ter no futuro para se empregar.
“O ensino técnico atualiza os jovens e dá a eles ferramentas para as novas vagas que surgem em momentos de crescimento”
Renan de Pieri
professor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da FGV
De acordo com o especialista, a geração de empregos demanda que a economia cresça. “Mas, para que os empregos se formalizem, é necessário um crescimento sustentável por mais tempo. Só quando o mercado dá sinais de mais estabilidade começamos a observar as vagas formais aparecendo, dado que o custo demissional do trabalhador formal é bem mais alto”, explica Pieri.
O Brasil ainda não tem política sólida para lidar com os nem-nem. A situação pode começar a mudar, no entanto, a partir da assinatura do Pacto Nacional pela Inclusão da Juventude, criado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e a Organização Internacional do Trabalho (OIT), juntamente com o governo federal. A assinatura da parceria ocorreu em 11 de dezembro.
O QUE VEM FAZENDO O PAÍS COM A MENOR TAXA DE NEM-NEM?
Reduzir o índice de jovens de 15 a 29 anos que não estudam nem trabalham depende da estabilidade da economia. Mas não só. Também são necessários investimentos e políticas que sejam capazes de gerar oportunidades e boas condições de trabalho. Essa combinação explica em grande parte a situação da Holanda, que tem as menores taxas de nem-nem. Em 2012, o país era o mais bem colocado nesse quesito, situação em que se manteve em 2022.
Só que os holandeses conseguiram nesse período reduzir ainda mais seu índice, que passou de 6,7% para 4,5%. A queda se dá há pelo menos 20 anos, quando a taxa de jovens desocupados de 15 a 29 anos era de 7,1%.
Segundo Alexander Dicks, PhD pelo Centro de Investigação para a Educação e o Mercado de Trabalho (ROA) da Universidade de Maastricht, na Holanda, uma das justificativas para o baixo índice de jovens que não estão na educação, no emprego ou na formação é a economia sólida do país. “Além disso, a Holanda tem um forte sistema de educação profissional, práticas educacionais geralmente boas e universidades de alta qualidade”, afirmou Dicks, em entrevista ao Estadão/Broadcast.
O sistema educacional holandês é referência e resultado do trabalho do governo em apoiar jovens vulneráveis e limitar a evasão escolar. Até os 16 anos o ensino é obrigatório e, por lei, até os 18 anos os jovens devem obter um diploma qualificativo. As políticas dependem da parceria entre vários ministérios e órgãos governamentais locais e deixaram de focar no desemprego juvenil para melhorar as responsabilidades legais das escolas e municípios. Os custos baixos da educação também influenciam na permanência estudantil, além do apoio financeiro que os alunos podem receber, inclusive aqueles que abandonam o sistema educacional e têm entre 18 e 23 anos.
“A oferta de formação profissional pode ser considerada uma rede de segurança para jovens que não são tão bons em tarefas cognitivas, mas que ainda são mais do que capazes de aprender uma profissão”, diz Dicks. Ela é padronizada e concede aos aprendizes um diploma que especifica as habilidades aprendidas. Para o pesquisador, esse tipo de ensino é fundamental para a inserção dos jovens no mercado de trabalho.
SITUAÇÃO DAS MULHERES É PIOR NO MUNDO TODO
Tanto países desenvolvidos quanto em desenvolvimento registram mais mulheres do que homens entre os nem-nem. A Turquia, que aparece na segunda posição entre os que mais têm população jovem nessa situação, atrás apenas da África do Sul, registra a maior diferença entre os gêneros. Trinta e nove por cento da população feminina da Turquia na faixa etária dos 15 aos 29 anos não trabalha e nem estuda, segundo dados de 2022. Entre os homens, a taxa é de 17,3%, uma diferença de mais de 20 pontos porcentuais. Mas esses números já estiveram mais distantes. Em 2002, quando 21,5% dos homens estavam inativos, as jovens nem-nem somavam quase 60%.
Gerente sênior de pesquisas da Eurofound, agência europeia para a melhoria de condições de vida e de trabalho, Eszter Sándor confirma que essa realidade é global. “Isso ocorre porque as mulheres jovens correm um risco maior de estar em uma situação de nem-nem em razão das responsabilidades de cuidar dos filhos e de outros integrantes da família que precisam de assistência”, explica a especialista. “Elas também fazem outros trabalhos não remunerados, como o trabalho doméstico.”
39%
Da população feminina da Turquia na faixa etária de 15 a 29 anos está no grupo dos nem-nem; país é o que tem a maior diferença entre os gêneros
No México, o índice de mulheres inativas também é alto. Elas representam 29,5% da população nessa faixa etária, enquanto os homens são 9,2%. Há vinte anos, essa diferença era de 34 pontos porcentuais e, há dez anos, de 26 pontos. Isso indica uma melhora lenta, mas constante. Colômbia, República Tcheca, Hungria, Israel, Letônia, México, Polônia e Eslováquia, assim como o Brasil, têm diferenças significativas entre os números de mulheres e homens nem-nem há pelo menos dez anos.
Há também recortes raciais nessa desigualdade. No Brasil, o tempo gasto com o trabalho doméstico é ainda maior para as mulheres negras, como explica a professora da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) Juliana Teixeira. “Por mais que todas as mulheres fiquem sobrecarregadas, as mulheres negras são as que mais executam esse trabalho do cuidado”, afirma. Ela ainda explica que as mulheres negras têm uma rede de apoio menor e menos condição de terceirizar o trabalho doméstico.
Entre as soluções para reintegrar as mulheres no ensino e no mercado de trabalho estão ações governamentais necessárias, como ao oferecer condições de assistência social para mães. Eszter Sándor aponta que a taxa de nem-nem na Europa tende a diminuir quando a transição para o emprego é acompanhada da oferta de serviços de apoio à família, principalmente no cuidado das crianças. Essa análise faz parte de um relatório que será lançado em breve pela agência Eurofound, da União Europeia.
Juliana Teixeira, professora da UFES, também menciona o desafio de adaptar os locais de trabalho e estudo, fazendo com que sejam acessíveis para que mulheres possam levar seus filhos. “É preciso repensar os nossos espaços para que as mulheres que cuidam de crianças possam ser reintegradas à educação e ao emprego.”
Com reportagem de:Julia Camim e Letícia Ozório