parceria com Unicef e OIT pode ajudar

Países reduzem taxa de jovens nem-nem enquanto Brasil mantém índice há dez anos; entenda por quê

Por 13º Curso Estadão de Jornalismo Econômico – Jornal Estadão

Afalta de políticas públicas específicas para jovens de 15 a 29 que não estudam nem trabalham contribuiu para que o problema se tornasse crônico no País. Atualmente, 10,9 milhões de pessoas, o equivalente a 22,3% da população dessa faixa etária, se encontram na condição de dupla inatividade. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou os novos dados em 6 de dezembro e, poucos dias depois, foi anunciado o Pacto Nacional pela Inclusão da Juventude, que promete trazer foco para os nem-nem brasileiros.

Até então, o grupo era tratado como parte de outras ações do governo. A apuração do Estadão/Broadcast identificou ainda que iniciativas específicas também andavam a passos lentos no Legislativo, em diferentes comissões. “Existem vários projetos que tratam do componente da assistência psicológica e social, entre outros. Mas, no tocante aos nem-nem, ainda há uma deficiência nas propostas”, afirmou o presidente da Comissão de Trabalho na Câmara dos Deputados, Airton Faleiro (PT).

ETHIENY KAREN PEREIRA FERREIRA/ESTADÃO

Secretária Nacional da Política de Cuidados e Família do Ministério do Desenvolvimento Social, Laís Abramo também havia apontado para a ausência de programas voltados a essa parcela da população. “Estão sendo desenvolvidas políticas de inclusão socioeconômica, qualificação profissional e estímulo à inclusão no mercado de trabalho, mas não são medidas especificamente para os jovens nem-nem, apesar de os incluírem.”

Criado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e a Organização Internacional do Trabalho (OIT), juntamente com o governo federal, o Pacto pela Inclusão da Juventude é o início para a construção de uma política voltada a esses jovens, segundo Gustavo Heidrick Oliveira, oficial do Unicef no Brasil para a iniciativa Generation Unlimited.

“Realmente, há muitos anos o Brasil não tem uma política (para a reinserção dos nem-nem) e o Pacto é o primeiro movimento para termos”, diz Oliveira. “A ideia é resgatar esses jovens com formação profissional, retorno à escola e oportunidades de trabalho e renda.”

A iniciativa delineia compromissos para poder público, empresas, organizações de trabalhadores e fundações que atuam com jovens. Em seu documento oficial, o Pacto prioriza o compromisso com a criação de políticas flexíveis de emprego, em que o jovem possa estudar e trabalhar, e destaca a importância de combater a informalidade. As ações são propostas por meio da articulação de áreas como educação, saúde e assistência social, além do incentivo ao empreendedorismo juvenil.

“Realmente, há muitos anos o Brasil não tem uma política (para a reinserção dos nem-nem) e o Pacto é o primeiro movimento para termos”

Gustavo Heidrick Oliveira

oficial do Unicef no Brasil para a iniciativa Generation Unlimited

Os atuais programas de emprego para a juventude no País encontram algumas ineficiências que o Pacto busca combater. “Muitos jovens que passam pelo programa de aprendiz acabam indo para funções menores e não constroem um caminho de desenvolvimento múltiplo”, aponta Oliveira. “Há um desafio do acesso, mas também um desafio enorme na qualidade da oportunidade. Infelizmente, algumas empresas apenas cumprem a cota de 5% a 15% de jovens aprendizes, determinada por lei.”

As metas impostas pelo Pacto são baseadas em acordos internacionais, como os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU, e na Agenda de Trabalho Decente para a Juventude, construída de forma conjunta pelo governo, pelas empresas e pelos representantes dos trabalhadores no Brasil em 2011. No entanto, os mecanismos de acompanhamento que permitiram mensurar o cumprimento das metas ainda estão sendo elaborados.

Diferentemente do Pacto, as medidas governamentais que existem hoje ajudam apenas de forma indireta a população nem-nem. Além disso, os esforços do governo focam em mitigar o aumento dos jovens em dupla inatividade no futuro e não em mudar a realidade daqueles que atualmente já se encontram nessa situação.

Quando questionado sobre uma ação direta e específica para resgatar os brasileiros que atualmente são nem-nem, o deputado Airton Faleiro levantou a possibilidade de, no futuro, criar uma comissão temática. “Ainda não existem medidas concretas na Comissão do Trabalho. Estamos pesquisando para criar o corpus da comissão temática.”

Projetos estaduais e iniciativas privadas até o momento têm prestado auxílio aos jovens nem-nem com programas que contemplam o estudo continuado e dando oportunidades para vagas de trabalho. Também indicam caminhos para o empreendedorismo e garantem mentorias e acompanhamento psicológico.

ETHIENY KAREN PEREIRA FERREIRA/ESTADÃO


QUAIS SERIAM AS SOLUÇÕES? ESPECIALISTAS RESPONDEM

A população nem-nem no Brasil tem características que revelam problemas antigos. No geral, quem não estuda nem trabalha são jovens em diferentes situações de vulnerabilidade, como econômica, familiar ou de saúde. Para atuar no cerne do problema, seriam necessárias políticas públicas multidisciplinares, como defende a presidente da Comissão das Mulheres, Lêda Borges.

De acordo com a ela, as políticas públicas para os nem-nem deveriam ter um olhar global. “Não adianta apenas construir escolas mais modernas, não é isso que os afasta da escola, mas sim a vulnerabilidade. É necessário projetos de lei em várias frentes, trabalho, escola, saúde e assistência social, com bolsa de estudo e programas de incentivo.”

A psicóloga e superintendente do Itaú Educação e Trabalho, Ana Inoue, concorda que há uma carência de ações governamentais no Brasil. “É crucial a implementação de políticas públicas, visto que, embora o ensino médio seja responsabilidade do Estado, os jovens nem-nem são um problema do governo federal.” De acordo com a especialista, muitas vezes, há a ideia equivocada de que são jovens desocupados e desinteressados. “No entanto, trata-se de um grupo de pessoas que enfrenta dificuldades em dar continuidade ao seu desenvolvimento.”

“É crucial a implementação de políticas públicas, visto que, embora o ensino médio seja responsabilidade do Estado, os jovens nem-nem são um problema do governo federal”

Ana Inoue

psicóloga e superintendente do Itaú Educação e Trabalho

O vice-presidente do Instituto Ayrton Senna, Ewerton Fulini, aponta a necessidade de combater a evasão escolar. “É preciso criar modelos de políticas públicas que façam busca ativa de alunos e que tornem a escola mais atraente”, diz.

Além de um estudo com mais qualidade e voltado para a inserção no mercado de trabalho, desenvolver competências socioemocionais pode ser útil para que os nem-nem obtenham sucesso na vida acadêmica e profissional. Fulini ressalta que é importante pensar ainda na esfera emocional e na saúde mental dos estudantes. “Muitas vezes, o jovem tem acesso ao emprego, mas o comportamento faz com que ele seja demitido.”


NEM-NEM COM RESPONSABILIDADES FAMILIARES

De acordo com especialistas, é preciso levar em consideração a diferença entre os gêneros na hora de pensar em soluções e em políticas públicas para resgate de pessoas que estão sem trabalho e sem estudo no Brasil. Segundo dados divulgados no início de dezembro pelo IBGE, 63,4% da população nem-nem de 15 a 29 anos é formada por mulheres.

“Se você se debruçar sobre os dados, é possível entender que há um enorme viés de gênero (na questão dos nem-nem). Os homens que não trabalham ou estudam têm características completamente diferentes das mulheres”, afirma a especialista em participação feminina no mercado de trabalho Simone Wajnman. “Há um porcentual mínimo de homens que não estão trabalhando ou estudando para cuidar de alguém ou das tarefas domésticas. Enquanto a grande maioria das mulheres têm de lidar com essas tarefas”, diz Simone.

Para trazer perspectiva de futuro para as meninas, a especialista acredita que a solução está em propiciar uma atenção integral. “Precisa-se de creche, pré-escola, escola de tempo integral. Isso resolve duas pontas do mesmo problema, a da primeira infância com um atendimento exemplar e educação, e libera as mães, ou a pessoa responsável pelo cuidado.”

Simone apoia a implementação de políticas de capacitação para meninas, incentivando-as a seguir profissões mais valorizadas e desassociando a imagem feminina exclusivamente desses papéis domésticos. “Não há problema em ter uma parcela da população dedicada ao cuidado, mas não é justo que majoritariamente as meninas sejam responsáveis por essa função. E isso não deveria ser visto como um trabalho de baixo valor”, destaca.

Segundo a especialista, apenas garantir postos de trabalho não resolve completamente o problema. O caminho envolve, na opinião de Simonte, a implementação de políticas ativas e multissetoriais, combinadas com uma abordagem mais abrangente para evitar a recorrência do problema, e esse papel recai sobre o governo.


Com reportagem de:Ana Luiza Antunes, Be Nogueira, Fellipe Gualberto, Geovani Bucci e Iraci Falavina


Cresce número de jovens nem-nem com ensino médio completo

Quase metade do grupo dos que estão inativos, ou 5,5 milhões de pessoas, atingiu esse nível de escolaridade; especialistas apontam problemas na educação e na qualidade das vagas

ETHIENY KAREN PEREIRA FERREIRA/ESTADÃO

O número de jovens que não estudam e nem trabalham, mas têm ensino médio completo, cresceu quase dez pontos porcentuais entre 2015 e 2022, alcançando 5,5 milhões de pessoas, conforme mostra levantamento feito pelo Estadão/Broadcast com base em dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do IBGE. A situação, apontam especialistas, pode estar associada ao fato de que o aumento da escolarização não acompanha o ritmo das transformações nas demandas do mercado de trabalho no Brasil.

De acordo com os dados coletados pela reportagem, mais de 50% da população nem-nem entre 15 e 29 anos atingiu esse nível de escolaridade. Em 2015, esse grupo correspondia a 40%.

Sociólogo da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Alexandre Fraga explica que essa disparidade ocorre pelo descompasso entre o desenvolvimento econômico do País e a evolução do sistema educacional. “O Brasil tem essa promessa de escolarização como forma de se inserir no mercado de trabalho e há pesquisas que mostram isso, mas o mercado não absorve pessoas apenas com diploma.”

Há inúmeras exigências por qualificações complexas no processo de inserção profissional, conforme diz Fraga, especialmente para aqueles com ensino médio completo. “É um looping infinito. O mercado quer diferencial profissional, mas não oferece oportunidade para que os jovens adquiram essa experiência prática”, relata o sociólogo. “Então, não tem como ele ser absorvido pelo mercado, mesmo com ensino médio completo. É um grande dilema.”

“Eu até passo nas primeiras fases, mas nunca cheguei a ser aceito. Não estou fazendo nada atualmente”

Daniel Ramos

pernambucano de 23 anos

É o que vem acontecendo com o pernambucano Daniel Ramos, de 23 anos, que tenta entrar no mercado de trabalho desde que terminou o ensino médio, em 2017. Morador de Petrolina (PE), o jovem chegou a fazer ao menos dez entrevistas de emprego nos últimos meses, mas teve a entrada no mercado negada por não apresentar experiência profissional.

“Estou procurando emprego para ajudar com as dívidas de casa. Todos os dias verifico sites na internet e envio meu currículo”, conta o jovem. “Eu até passo nas primeiras fases, mas nunca cheguei a ser aceito. Não estou fazendo nada atualmente.” O pernambucano iniciou a faculdade de ciências da computação logo que saiu da escola, mas trancou o curso no início da pandemia.

Sociólogo e coordenador do Centro de Estudos dos Direitos da Cidadania (Cenedic) na Universidade de São Paulo (USP), Ruy Braga enfatiza um desequilíbrio que considera preocupante na equação educacional, causado pela dualidade entre a formação dos jovens e a escassez de vagas disponíveis para absorver esse grupo. Para ele, os números traduzem, ainda, a baixa qualidade do emprego no País.

50%
É o porcentual de nem-nem com ensino médio completo

Braga explica que, com a crise econômica de 2015, muitos postos de trabalho foram fechados. Quando o cenário voltou a melhorar, a situação já era outra. As vagas que surgiram pagavam menos e tinham jornadas maiores. Além disso, as oportunidades com carteira assinada caíram e algumas extinguiram a representação sindical. “Quando você tem essa reciclagem, a taxa de ocupação não é afetada. Mas a qualidade do emprego muda muito.”

As ofertas mal remuneradas e de baixa qualidade também afetam os jovens mais escolarizados e, em decorrência dessa situação, eles acabam por entrar no mercado informal, como aponta Enid Rocha, pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). “Em um contexto em que a demanda por profissionais qualificados é crescente, muitos jovens se deparam com oportunidades de trabalho que não condizem com suas expectativas”, afirma a pesquisadora. “Os empregos de baixa qualidade são pouco atrativos para os mais escolarizados.”


DESESTÍMULO LEVA JOVENS A BUSCAR VAGA FORA DO PAÍS

Parte do desestímulo do paulista Francisco Machado, de 22 anos, é fruto desse perfil menos atraente de vagas, segundo ele. “Juntar dinheiro no Brasil é difícil porque você vai se matar de trabalhar para ganhar R$ 1.200 ou R$ 1.500. Isso não compensa para mim”, diz Francisco. Ele chegou a cursar dois semestres de um curso superior de Cinema, mas diz não ter se adaptado à grade curricular. As instituições de ensino, para o jovem, têm modelos engessados demais.

Francisco resolveu buscar em outro país a sua primeira oportunidade de emprego formal. Mas também tem enfrentado dificuldade de se inserir no mercado de trabalho em Valência, na Espanha, pela falta de experiência.

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Também foi do outro lado do Atlântico que o casal Cadmiel Santos e Ananda Gnat decidiu tentar uma vida melhor. O fato de a esposa, que tem cidadania alemã, ter se mudado grávida para o país europeu possibilitou que a família conseguisse auxílios do governo para se manter.

“Abraçamos a oportunidade de morar fora do país junto com a família da minha esposa. Não foi pelo auxílio, porque no início não sabíamos se íamos ter direito”, relata Cadmiel. Atualmente, ele recebe o Soziale Wohnhilfe, um auxílio de acomodação social. Ananda é beneficiária do Bürgergeld, um auxílio para jovens, e seu filho tem direito ao Kindergeld, voltado a crianças. Para conseguir o apoio, Cadmiel precisou se matricular em um curso de cidadania e de língua alemã.

No total, o valor dos auxílios é de € 1.250 euros (cerca de R$ 6.625). Além da ajuda financeira, o governo garante moradia. No Brasil, Cadmiel cursava Biologia na Universidade Federal de São Francisco, em Petrolina (PE), e ganhava R$ 1.100, um salário-mínimo da época, como vendedor.


TRANSIÇÃO DA ESCOLA PARA O EMPREGO

Para o porta-voz do Fundo das Nações Unidas para a Infância no Brasil (Unicef), Gustavo Heidrick Oliveira, o ensino médio brasileiro é bastante tradicional. Na opinião dele, mesmo com as mudanças propostas seria necessário evoluir para ter uma escola mais alinhada aos interesses dos alunos. Oliveira aponta, ainda, a falta de uma preparação adequada, capaz de ajudar os jovens na transição da vida escolar para o mercado de trabalho.

Irys Bheatriz, de 21, vive essa realidade. Há três anos ela concluiu o ensino médio em uma escola pública de Juazeiro, na Bahia, e agora vive a pressão familiar para encontrar um emprego. A jovem afirma que são poucas as oportunidades ofertadas pelas empresas para quem está chegando ao mercado de trabalho e sem privilégios.

8%
Dos jovens que não estudam nem trabalham pertencem às classes sociais mais favorecidas

Escolher estudar, por enquanto, também não é uma opção. Ela conta que, assim como os amigos, se sente desestimulada pela competição por vagas nas universidades. Por isso, nunca prestou vestibular. Os pais e avós dela abandonaram os estudos.

Irys conta que a necessidade de ajudar na renda da casa fez com que muitos colegas fossem parar em atividades com baixa remuneração, como trabalho doméstico, garimpo e reciclagem. “Hoje em dia, o jovem de baixa renda é pouco visto até mesmo nos cargos pequenos. Não há oportunidades, a não ser que tenha experiência em currículo”, conta Irys, que sonha em um dia cursar psicologia.

Essa desigualdade é evidenciada por dados levantados na reportagem. Menos de 8% dos jovens em situação de não estudar e não trabalhar pertencem às classes sociais mais altas, enquanto a grande maioria está distribuída nos estratos sociais menos favorecidos. Neste último grupo, menos de 10% teve acesso ao ensino superior. No entanto, entre os poucos jovens nem-nem das classes mais altas, ao menos 50% possuem formação universitária completa.


FALTA ENSINO PROFISSIONALIZANTE

Segundo Ruy Braga (Cenedic/USP), a falta de consenso quanto às habilidades necessárias aos estudantes emerge como uma problemática educacional. Ele diz que apenas cerca de 10% das vagas do ensino médio no País são destinadas à formação profissionalizante.

Esse porcentual está abaixo da média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que varia entre 35% para estudantes de 15 a 19 anos e 65% para aqueles com idades entre 20 e 24 anos, conforme o último relatório Education at a Glance 2023, que compilou dados sobre a educação dos países-membros da OCDE e de nações em fase de adesão, incluindo o Brasil.

Por um lado, explica o sociólogo, há um esforço para capacitar jovens visando o ingresso na universidade. Por outro, no entanto, existe uma evidente falta de vagas universitárias para acomodar essa demanda massiva e uma deficiência na formação de profissionais. “É uma equação complexa”, afirma Braga.

Uma alternativa, na percepção do porta-voz da Unicef, Gustavo Heidrick Oliveira, seria investir no ensino profissionalizante técnico (EPT). Essa mudança na lógica escolar, segundo ele, permitiria aos jovens mais vulneráveis a oportunidade de ter uma melhor remuneração para não venham a cair no ensino precário e, consequentemente, em um emprego de baixa qualidade.


Com reportagem de:Diane Bikel, Elanny Vlaxio, Giovanna Marinho, Juliano Galisi, Michelle Pértile e Ramana Rech

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