Oportunidade histórica perdida
Congresso reuniu condições especialmente favoráveis para as reformas em 2019 e 2020
Diante das atuais negociações e previsões envolvendo as presidências da Câmara e do Senado, é impossível não reconhecer que o Congresso, nos últimos dois anos, reuniu condições ímpares – historicamente muito raras – para a realização das reformas de que tanto o País precisa. Ao mesmo tempo, é também inegável a constatação de que o governo de Jair Bolsonaro conseguiu a proeza de desperdiçar acintosamente essa raríssima oportunidade.
Em primeiro lugar, as eleições de 2018 promoveram uma renovação inédita do Congresso. Cansada das administrações e escândalos petistas, a população elegeu muitos novos parlamentares dispostos a repensar e a rever leis e políticas públicas, sem as amarras e condicionamentos que tantas vezes emperram o andamento das reformas legislativas. Sem nenhum ufanismo, é possível afirmar que poucas vezes se viu na história recente do País um Congresso tão independente, por exemplo, das pressões de corporações públicas como o da legislatura iniciada em 2019.
Além disso, e aqui reside o grande diferencial relativo aos anos de 2019 e 2020, a Câmara dos Deputados contou com uma presidência alinhada com as prioridades do País. Não significa, logicamente, que não tenha havido falhas ou erros no período. O fato é que a atuação do deputado Rodrigo Maia, ao longo dos últimos dois anos, esteve incontestavelmente orientada para a realização das reformas.
A circunstância especialmente favorável às reformas aqui não foi tanto o alinhamento pessoal do presidente da Câmara com as prioridades sociais e econômicas do País, mas sua capacidade de coordenar e angariar apoio político em torno de projetos legislativos muitas vezes impopulares. Isso ficou especialmente evidente na aprovação da reforma da Previdência, quando o próprio Palácio do Planalto atuou para esvaziar e deslegitimar a alteração das regras previdenciárias.
Houve, assim, nos últimos dois anos, um fenômeno um tanto único no Congresso. Em um mesmo período, deu-se a coexistência de dois fatores especialmente positivos: (a) deputados e senadores, em sua maioria, dispostos a apoiar as reformas; (b) presidência da Câmara extremamente hábil na coordenação e tramitação desses projetos. A ocorrência de um desses fatores já é difícil; a dos dois juntos, oportunidade histórica.
E foi precisamente essa oportunidade que o governo de Jair Bolsonaro perdeu. Veja-se, por exemplo, a reforma tributária. Poucas vezes o Congresso teve em mãos uma proposta tão politicamente viável e tão amadurecida, resultado de longo estudo de especialistas das mais variadas áreas. O governo, no entanto, preferiu insistir de todas as formas na aprovação de uma nova CPMF, dificultando enormemente o andamento do projeto.
O sistema político é outro tema que poderia ter avançado muito no biênio 2019-2020. Durante a campanha presidencial, Jair Bolsonaro prometeu apoiar uma ampla reforma política que ajudasse a diminuir e coibir o fisiologismo. Como se sabe, é muito mais fácil aprovar mudanças dessas matérias no início do mandato do que no período final, próximo a novas eleições. No entanto, nesses dois anos, o governo de Jair Bolsonaro não fez nada para reformar a legislação, fosse para melhorar as práticas políticas, fosse para aperfeiçoar a representação.
As circunstâncias do Congresso no último biênio foram também especialmente propícias para a realização da tão necessária reforma da administração pública, de forma a estabelecer um novo patamar de eficiência e moralidade. O mesmo se pode dizer quanto às privatizações. O governo federal, no entanto, desperdiçou tais oportunidades, preferindo dedicar-se, por exemplo, a mudanças populistas da legislação de trânsito, a ampliar o acesso da população às armas e a enfraquecer o controle relativo ao meio ambiente.
Nos dois anos e meio de governo de Michel Temer, muito se fez por meio do Congresso, apesar de condições políticas absolutamente adversas. Nos dois anos de Jair Bolsonaro, viu-se o oposto. Poucas vezes foi possível fazer tanto e, infelizmente, tão pouco se fez.