Flávia Biroli: Quanto das ideologias autoritárias de Bolsonaro pode virar lei?

Além de entender o grau de adesão de quem comandará o Congresso às pautas ultraliberais e ultraconservadoras do governo, é preciso medir nossa distância de tragédias futuras encomendadas no presente

Flávia Biroli*, O Estado de S.Paulo

Sem apoio do Congresso, a presidência da República é uma espécie de poder pela metade. Quem comanda a Câmara ou o Senado pode colaborar para que os interesses do governo avancem. Com controle regimental sobre a pauta, pode dar celeridade a iniciativas parlamentares, enquanto outras nem chegam a ser debatidas. A fragmentação partidária também aumenta sua importância nas articulações políticas.

Flávia BiroliA professora de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB) Flávia Biroli Foto: Gabriela Biló/Estadão

Bem, até aqui são as regras do jogo e seus efeitos. Mas o momento não é regular. Pela primeira vez desde a transição para a democracia, temos um presidente da República de extrema-direita. Também pela primeira vez, temos um presidente sem partido há mais de um ano. Alvo de mais de 60 pedidos de impeachment, seu enfrentamento da pandemia de covid-19 tem oscilado entre o negacionismo e a incapacidade. Por outro lado, é fácil reconhecer velhas imagens: a retórica anticorrupção, que teve importância eleitoral, não resiste aos arranjos com o “Centrão” e às suas ações para proteger parentes.

Claro, é importante entender o grau de adesão de quem comandará o Congresso às pautas econômicas ultraliberais promovidas por Paulo Guedes e boa parte do empresariado nacional, assim como às ultraconservadoras, promovidas com entusiasmo por Bolsonaro e setores tradicionalistas. É importante entender se haverá resistência à fúria armamentista e anti-ambiental do governo. Mas em cada adesão ou resistência, precisamos ver além e medir nossa distância de um país democrático e socialmente justo, nossa distância de tragédias futuras encomendadas no presente. De uma perspectiva democrática, é preciso avaliar quanto das ideologias autoritárias e antipluralistas empunhadas por Bolsonaro poderá tornar-se lei, quanto de sua aberta indisposição para a democracia poderá ser “purificado” nos lençóis das próprias instituições.

* Flávia Biroli é professora de Ciência Política da UnB. Foi presidente da Associação Brasileira de Ciência Política (2018-20). Publicou, entre outros, Gênero e desigualdades: limites da democracia no Brasil (Boitempo, 2018) e Gênero, neoconservadorismo e democracia (Boitempo, 2018, com Maria das Dores Machado e Juan Vaggione)

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