Polarizar afetivamente com os dois extremos é a alternativa para o centro

Carlos Pereira, O Estado de S.Paulo

Estudos de psicologia política e social sugerem que a polarização política se expressa cada vez menos a partir de diferenças ideológicas, mas, fundamentalmente, por meio de conexões afetivas. A construção de identidades não requer a concordância com valores ou atitudes políticas; basta simplesmente uma sensação de inclusão a um determinado grupo e de exclusão de outro.

Assim como democratas e republicanos nos EUA, lulistas e bolsonaristas cada vez mais desgostam uns dos outros, chegando mesmo a se odiar. Esses grupos polares identificam, antes de tudo, quem somos “nós” e quem são “eles”. Os membros de cada um dos grupos se consideram superiores aos membros do grupo rival e esse julgamento está baseado em conexões de identidade e pertencimento, e não em ideologias ou políticas específicas.

Em estudo recente, mostro que eleitores que reprovaram o desempenho do governo Bolsonaro na pandemia se opuseram ao programa de auxílio emergencial quando perceberam que tal política iria beneficiar Bolsonaro. Vale salientar que a avaliação negativa da política de transferência de renda foi contraditoriamente mais forte entre eleitores de esquerda, que, a princípio, seriam favoráveis a políticas de proteção social. Por outro lado, os apoiadores do presidente, que ideologicamente seriam contrários a políticas de transferência de renda, mostram grande suporte ao programa quando perceberam que Bolsonaro dele poderia se beneficiar. 

Até 2018, a polarização tinha se cristalizado em torno das identidades do petismo e do antipetismo. Com a volta de Lula à disputa eleitoral de 2022, o petismo, que já se confundia com o lulismo, tende a ser completamente absorvido por este. O antipetismo, por outro lado, que vinha sendo incorporado pelo PSDB, foi apropriado pelo bolsonarismo na campanha à Presidência. O perfil belicoso de Bolsonaro, caracterizado pelo confronto com as instituições, consolidou o antibolsonarismo. A polarização afetiva no Brasil passou a ter, portanto, dois novos pêndulos de desafeto: Lula e Bolsonaro. 

Vários aspectos explicam os sentimentos anti-Lula e anti-Bolsonaro. Em relação a Lula, uma das principais imagens que compõem seu desafeto é, sem sombra de dúvida, a corrupção. O esquema ilegal de recompensas a parceiros políticos, exposto no escândalo de mensalão, e as cifras bilionárias do escândalo do petrolão cristalizaram o antilulismo. Já quanto a Bolsonaro, um dos principais elementos de desafeto tem sido a irresponsabilidade com a vida durante a pandemia, revelada pela negação da gravidade da doença e descaso com as medidas de isolamento social, culminando com a completa ineficiência na aquisição de vacinas. 

O que resta, então, a partidos de centro fazer neste ambiente afetivamente polarizado? 

Como é provável que para muitos eleitores de centro, entre o “bandido” e o “genocida” não exista mal menor, o candidato que ambicione obter esses votos deve jogar afetivamente contra esses dois polos extremos. A oportunidade para uma candidatura de centro não seria se apresentar como uma plataforma autossuficiente, mas, sim, como uma alternativa reativa à corrupção e ao achincalho à gestão da pandemia.

Ou seja, para se tornar competitivo, não basta ao centro polarizar apenas com Bolsonaro, como sinalizado em manifesto recente pela consciência democrática. Terá também de polarizar com Lula para ser uma alternativa atraente para os antilulistas. 

É esperado que Lula e Bolsonaro sinalizem compromissos ao centro para tentar capturar seus eleitores. Porém, esses movimentos só serão críveis se os partidos e candidatos de centro deixarem que esses eleitores esqueçam os motivos que motivaram seus desafetos.

*CIENTISTA POLÍTICO E PROFESSOR TITULAR DA ESCOLA BRASILEIRA DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E DE EMPRESAS (FGV EBAPE)

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By valeon

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