Como diz o ditado italiano, “para embriagar uma mulher, tem que esvaziar o tonel”, e para manter o povo ébrio de subsídios é o cofre da União que é sangrado

 

A Roma dos imperadores sofreu graves problemas de inflação, definida como “doença da moeda”. Desde aquela época, emitir mais moedas, quantas fossem necessárias para as trocas de mercadorias produzidas, acabava por desvalorizar sua capacidade de compra.

Mais moeda em circulação do que mercadoria em oferta convida a aumentar o preço. A gestão monetária em tempos modernos se complicou ainda mais. Bem por isso, um governo precisa gastar o que arrecada para não desequilibrar procura e oferta, realizar pequeno superávit sempre que possível, aquela poupança que dá tranquilidade para o futuro.

O que vem ocorrendo de abril para cá é a emissão de bilhões de reais que não são fruto de arrecadação. Dessa forma, a circulação de centenas de bilhões por meio dos planos de ajuda pela crise gerada pela pandemia tem colocado em circulação uma massa monetária imensa, que tem sustentado artificialmente o mercado e disponibilizado moeda muito além do normal. Assim, as compras de alimentos e de materiais de construção registraram um incremento portentoso.

A disparada do dólar, que evoluiu de R$ 3,50 para RS 5,50, tem deixado muito atraentes a produção e o estoque de produtos agrícolas. Tradings estrangeiras, especialmente chinesas, entraram no mercado interno comprando um volume imenso de alimentos para levá-lo para casa.

Fato é que, nos últimos dias, alguns produtos começaram a faltar, tanto pelo portentoso aumento do consumo interno quanto pelas exportações. Pois é, isso era previsível, como certa onda inflacionária. Quem nasceu depois de 1980 não viveu a época da hiperinflação de dois dígitos mensais que assolou o Brasil e acabou deixando milhões de pessoas na mais absoluta miséria, até que, em 1994, o Plano Real e as medidas econômicas que o acompanharam estabilizaram a moeda brasileira. Estamos com 25 anos de moeda estável que proporcionou, por si só, um aumento expressivo de benefícios e condições de vida. O salário mínimo pulou de um correspondente a US$ 50 para US$ 300, geraram-se milhões de empregos, e o Brasil viveu seu melhor momento econômico e social do século nos 20 anos de estabilidade que se seguiram.

Em 1998, Fernando Henrique se reelegeu no primeiro turno, cavalgando o milagre provocado pelo Plano Real, que varreu inflação de até 30% ao mês, algo que atualmente acontece apenas na Venezuela.

É preciso olhar, aliás, esse país vizinho, mergulhado na hiperinflação, para refrescar a memória de quem passou por aqueles momentos antes do Plano Real. Gastava-se, irresponsavelmente, muito mais do que se arrecadava, emitindo consequentemente mais moeda, que colocava em disparada vertiginosa os preços de alimentos e bens necessários.

Foi uma época tenebrosa e obscura, em que nada funcionava, especialmente os serviços públicos de saúde, segurança, educação e infraestrutura, num mercado descontrolado e penoso, principalmente para as classes mais carentes.

Nos últimos dias, esvaziaram-se estoques de aço de construção, de cimento, óleo de soja, arroz, feijão, os preços dispararam de 20% para até 50%. Assiste-se a uma aceleração, em parte especulativa, empurrada por uma fantástica circulação de moeda, como nunca se viu. Embora se vivam momentos de euforia, o fenômeno pode ser o prelúdio de outros corrosivos, caso medidas urgentes aumentem a oferta de produtos.

A inflação que se aguarda será, como sempre foi, um perverso confisco de renda e de empobrecimento.

O ministro Paulo Guedes tem pela frente um desafio árduo, já que o aumento de R$ 190 mensais para R$ 600 por beneficiário, além de cerca de 10 milhões de salários desempregos e novos “carentes”.

Paralelamente, a popularidade de Bolsonaro, como já alertamos em maio e julho, nesta coluna, disparou, apesar do caso Queiroz e de derrotas no Congresso. O reduto eleitoral de Lula, o Nordeste, registra um portentoso crescimento de aceitação de Bolsonaro por via do “seiscentão”, como é definido o benefício de R$ 600 por mês pago pela Caixa. Como o Bolsa Família alavancou Lula, Bolsonaro conquistou entre os beneficiados uma aceitação oceânica. Até quando a manterá? Isso pode ter vida breve se medidas enérgicas e um retorno imediato à produção, o freio às exportações de alimentos e o aumento da importação dos itens que estão com preços em disparada (com câmbio subsidiado) não acontecerem.

Como diz o ditado italiano, “para embriagar uma mulher, tem que esvaziar o tonel”, e para manter o povo ébrio de subsídios é o cofre da União que é sangrado. E, nesse caso, a festa é destinada a durar enquanto existir vinho.

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By Moysés

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