Alertas sobre a MP de privatização da Eletrobrás

Privatizar a estatal é fundamental, mas não há espaço para aventuras, nem para milagres, nem para milagreiros

Adriano Pires*, O Estado de S.Paulo

Depois de muitas idas e vindas e quando parecia existir um consenso de que não haveria privatização/capitalização da Eletrobrás, o governo apresenta uma MP, na tentativa, dentre outras, de recuperar a imagem de ser um governo liberal.

A privatização e/ou capitalização da Eletrobrás é desejável e fundamental ante a falência da capacidade de investimento da empresa e do estado atual do setor elétrico brasileiro. Estamos com bandeira amarela desde o início de 2021, no auge do chamado período úmido. A questão dos reservatórios já se arrasta há anos. Não dá mais para culpar apenas a “hidrologia ruim” ou a falta de sorte.

Existem fatores estruturais que precisam ser endereçados. O resultado de adiar o enfrentamento das verdadeiras questões estruturais pode ser um aumento contínuo e significativo das tarifas.

Eletrobrás
Privatizar uma empresa como a Eletrobrás é fundamental, mas não da forma como o governo sugere. Foto: Wilton Junior/Estadão

No entanto, o formato e o instrumento anunciados pelo governo na MP 1.031 não parecem ser os mais adequados. 

O primeiro é que capitalização não é privatização. A União passa a ter uma golden share o que representa risco político e desvaloriza a empresa. Após o episódio da demissão do presidente Castello Branco da Petrobrás, fica mais difícil o investidor acreditar na isenção da União na gestão das empresas. Ou seja, o modelo de empresas de capital misto parece não funcionar no Brasil, o que nos leva a duvidar se esse modelo de corporation com uma presença significativa da União e de golden share não terá os mesmos problemas do modelo de capital misto.

O segundo ponto é a ênfase dada na redução da tarifa de energia, ainda mais num contexto de que teremos elevações significativas em 2021. Caso a real intenção seja reduzir as tarifas, o livro-texto recomenda que seja feito através de políticas públicas claras, financiadas abertamente pelo Tesouro, ou mudanças nas relações entre o mercado cativo e o livre. Nos últimos anos tivemos um subsídio explícito do consumidor cativo em direção ao livre que precisa ser corrigido. No passado, vimos que a tentativa de reduzir os preços de energia pela MP 579/2012 foi desastrosa, e sentimos os efeitos até hoje. De outubro de 2012 a setembro/13 a energia residencial caiu 14,78%. Nos 12 meses seguintes, outubro/13-setembro/14, subiu 14,72%. Em novembro/14 já tinha acumulado alta de 18% zerando a queda. Em janeiro/15 a energia já tinha subido 28,45%, mais do que compensando a redução. De outubro/13 até agora subiu 107,65%.

A interpretação de que um dos objetivos da MP seria a redução de tarifas levanta a questão da efetividade desse instrumento e se isso não dificultaria a atração de investidores. A capitalização deveria ser para aumentar os investimentos da Eletrobrás, e não para reduzir tarifas.

Mesmo o objetivo de modicidade tarifária pode não ser atingido. Não está claro até que ponto teremos redução das tarifas colocando recursos da capitalização na CDE, ao mesmo tempo que ocorre o fim do regime das cotas promovidas pela MP 579 que levará a um aumento das tarifas para os consumidores cativos. O correto é que a redução das tarifas via CDE deveria beneficiar apenas os consumidores cativos, excluindo os consumidores livres. Os eleitores do presidente Bolsonaro estão no mercado cativo, e não no livre.

Ainda temos o risco de reduzir os aumentos tarifários nos próximos anos, como aconteceu com a MP 579, e a conta chegar no futuro, já que não estamos atacando as verdadeiras causas de termos tarifas elevadas.

Além das questões expostas acima, ainda existem outros fatores em aberto. Com o PL 414 em tramitação na Câmara haverá um crescimento mais rápido do mercado livre e, consequentemente, aumento na tarifa dos cativos. E qual vai ser o destino de programas como o Proinfa, que hoje estão embaixo da Eletrobrás. Como ficarão depois da capitalização da Eletrobrás?

Concluindo, privatizar uma empresa como a Eletrobrás é fundamental. Mas a escolha de um modelo de privatização num momento de crise e de pandemia, conduzido por uma necessidade de reduzir tarifas e agradar a alguns políticos, trará o risco de criar uma empresa com mais custos do que benefícios para a sociedade brasileira. Não há espaços para aventuras, nem para milagres, nem tampouco para milagreiros. 

*DIRETOR DO CENTRO BRASILEIRO DE INFRAESTRUTURA (CBIE)

Loading

By valeon

One thought on “Alertas sobre a MP de privatização da Eletrobrás”
  1. I have been browsing online more than 3 hours today, yet I never found
    any interesting article like yours. It is pretty worth enough for me.

    In my view, if all website owners and bloggers made good content as
    you did, the web will be a lot more useful than ever
    before.

Comments are closed.