Chega de desculpas

Alinhamento de Bolsonaro com Arthur Lira e Rodrigo Pacheco é nítido e relação com o Congresso não pode mais ser usada como justificativa para fracassos na agenda do governo

Por RICARDO CORRÊA – JORNAL O TEMPO

Editor de Política, Ricardo Corrêa fala da boa relação de Jair Bolsonaro com os comandos da Câmara e do Senado. Não será possível mais justificar o descumprimento de promessas alegando travamento no

Depois de uma relação conflituosa com Rodrigo Maia (DEM) na Câmara e com períodos dúbios com Davi Alcolumbre (DEM) no Senado, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) não pode se queixar do alinhamento obtido com os atuais comandantes das duas Casas Legislativas. Com Arthur Lira (PP-AL) entre os deputados e Rodrigo Pacheco (DEM-MG) entre os senadores, o presidente não tem mais como dar a justificativa de que não consegue cumprir o que prometeu por resistência entre os parlamentares.

No caso da Câmara, a boa relação já era esperada. Afinal, o apoio do Palácio do Planalto, com cargos e verbas, foi fundamental para a vitória do líder do centrão. Havia claramente um candidato do governo e outro de oposição, e a vitória do Lira certamente estava alinhavada em um acordo por cargos e participação no governo que garantirá, ao menos momentaneamente, certa tranquilidade ao governo. Ninguém nunca duvidou disso.

Em relação ao Senado, embora Rodrigo Pacheco também tenha sido apoiado pelo Planalto, havia dúvidas sobre o grau de alinhamento, principalmente pelo fato de o comandante do Senado ter chegado à cadeira também com o apoio de partidos de oposição, como o PT por exemplo. Contudo, no primeiro mês no cargo, Pacheco deixou claro que é sim um aliado do Palácio do Planalto. A entrevista da última segunda-feira no programa Roda Viva deixou tudo transparente. Mesmo instado a criticar óbvios erros do presidente, Pacheco preferiu contemporizar.

Em um caso específico a postura de Pacheco já ajuda demais o Planalto. Na resistência a abrir a CPI da Covid, para investigar o gravíssimo problema que culminou com a falta de oxigênio em Manaus. Embora, como o próprio presidente do Senado tenha dito, trate-se de uma tentativa de apuração de uma situação específica e que não necessariamente impactaria no presidente, é evidente que em uma CPI o desgaste do governo federal por erros claros no combate à pandemia seria enorme. Como há assinaturas suficientes e há fato determinado, a CPI só não será aberta por proximidade política.https://53e1b3ab6c034246d5573ff88d6b09a8.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-37/html/container.html

Sem entrar nos méritos da utilidade da CPI, que normalmente é usada no Brasil apenas para a luta política, a proximidade exacerbada entre Congresso e Planalto pode até ser saudável para destravar as discussões que o país precisa para avançar, mas certamente prejudicam a função essencial de fiscalização do Legislativo sobre o Executivo, ainda mais importante no momento em que o Brasil enfrenta seu mais trágico momento na história democrática. Somos hoje o segundo país em mortes por milhão de habitantes na América do Sul, atrás apenas do Peru. A pandemia acelera e não há dúvidas de que o governo federal não cumpre seu papel a contento no combate a essa tragédia.

O bom momento vivido com os presidentes da Câmara e do Senado, por outro lado, certamente vai ajudar o governo, se quiser, a aprovar toda a pauta econômica colocada na Casa. O que tende a atrapalhar é o fato de o próprio Palácio do Planalto torcer o nariz para muitas medidas apresentadas pelo ministro Paulo Guedes. Há um claro choque entre o liberalismo de Guedes e a ânsia de controlar tudo que temos no presidente Jair Bolsonaro.

Em apenas uma coisa o alinhamento de Bolsonaro com o Congresso não tende a ajudar. Nas chamadas pautas ideológicas o buraco é bem mais embaixo. As Casas tendem a resistir muito mais e, diante do que se viu no episódio da PEC da Impunidade, que Lira tentou empurrar goela abaixo da sociedade, ficou nítido que mesmo uma minoria, se bem organizada, consegue frear medidas que não tenham um relativo consenso na sociedade. De toda forma, a excluir-se essa pauta ideológica radical, Bolsonaro não poderá reclamar que está sendo travado por deputados e senadores. As desculpas acabaram.

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By valeon