Editorial
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Gazeta do Povo

Paulo Guedes, Arthur Lira e Rodrigo Pacheco em entrevista na qual explicaram acordo para pagamento de precatórios em 2022.| Foto: Michel Jesus/Câmara dos Deputados


O martelo está praticamente batido para que o governo resolva, de uma forma tipicamente brasileira, o impasse criado pela necessidade de pagar quase R$ 90 bilhões em precatórios em 2022, obrigação que inviabilizaria gastos como o Auxílio Brasil, o programa social que Jair Bolsonaro lançou para substituir o Bolsa Família: empurrar o problema para a frente. Os presidentes da Câmara e do Senado, Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (DEM-MG), e o ministro da Economia, Paulo Guedes, anunciaram, após reunião nesta terça-feira, um acordo pelo qual a União só teria de pagar quase R$ 40 bilhões dessas dívidas no próximo ano; os R$ 50 bilhões restantes ficam para 2023, havendo ainda a possibilidade de um “encontro de contas” com estados e municípios credores.

Além do governo e do Congresso, também o STF e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) vinham buscando meios de contornar a exigência de pagamento – precatórios são dívidas do poder público que tiveram reconhecimento definitivo por parte da Justiça. Partiu do CNJ, com mediação do presidente do Supremo, Luiz Fux, a ideia de usar como base o valor de precatórios pago em 2016 (R$ 30,3 bilhões), o ano da aprovação do teto de gastos, e aplicar correções pela inflação sobre este número para se chegar ao valor que seria desembolsado a cada ano. Foi assim que surgiam os R$ 40 bilhões para 2022 – não se sabe se a conta será incluída na PEC dos Precatórios, que previa um parcelamento desses pagamentos, ou se haverá novo projeto de lei ou PEC. Também não está claro, ainda, qual será o critério para decidir quem receberá em 2022; a sugestão do CNJ era a de priorizar dívidas de até 60 salários mínimos.

Os precatórios não cabem integralmente no orçamento da União porque o Estado gasta demais, gasta mal, enxerga-se como um fim em si mesmo e não demonstra a menor disposição em reverter seus maus hábitos

Rodrigo Pacheco defendeu o acordo. “Não é calote. É uma prorrogação”, afirmou, sabendo que não terá de dizer isso pessoalmente a todos os que conquistaram o direito de receber valores em 2022 – dinheiro que pode fazer toda a diferença para um credor nestes tempos complicados – e, agora, serão obrigados a rever seus planos. Pois é preciso afirmar: calote, sim, ainda que com verniz legal, ainda que oriundo de um acordo com todos os poderes da República e quem mais de direito, ainda que aprovado em duas votações em cada casa legislativa com maioria qualificada. O “devo, não nego, pago quando puder” se transforma em política de Estado. Os precatórios voltam a caber no orçamento, mas com um preço altíssimo: o de dar à União a fama de devedor que não cumpre suas obrigações e que não merece confiança – justamente o atributo que mais fará falta na hora de atrair investimentos que gerem emprego e renda ao brasileiro.

Afinal, quem garante que, quando chegar a hora de definir o orçamento de 2023, haverá espaço para incluir tanto os precatórios originalmente previstos para aquele ano quanto esses R$ 50 bilhões “adiados” de 2022? O governo voltará a dizer que não terá como pagar tudo? A conta sugerida pelo CNJ será feita outra vez, chegando-se a um novo valor e empurrando o restante para 2024? Os credores de 2022, que ouviram a promessa de receber no ano seguinte, serão empurrados para a frente mais uma vez, para dar prioridade aos pequenos precatórios de 2023? É bem provável que isso ocorra, tudo porque a pergunta fundamental não é feita: por que os precatórios não cabem integralmente no Orçamento da União?


Não cabem porque o orçamento é extremamente engessado, cheio de obrigações, vinculações e indexações que deixam uma parcela mínima de toda a receita federal para que o governo a utilize como achar adequado e executar seus investimentos e políticas de governo. Porque os parlamentares, por meio das emendas (mais recentemente, com as ditas “emendas de relator”), avançam sobre parcelas cada vez maiores dos recursos públicos. Porque o ajuste fiscal não é feito, ou é feito de forma aguada, como ocorreu na reforma da Previdência e, ao que tudo indica, ocorrerá novamente na reforma administrativa. Enfim, porque o Estado gasta demais, gasta mal, enxerga-se como um fim em si mesmo e não demonstra a menor disposição em reverter seus maus hábitos.

Não faltarão, por certo, críticos ao acordo dos precatórios que, como o relógio quebrado que acerta as horas duas vezes por dia, defendem justamente o Estado inchado e gastador, acreditam que para se aumentar a qualidade de qualquer serviço público basta despejar-lhe dinheiro, têm horror a qualquer reforma liberal, ajuste fiscal, desindexação, desobrigação e desvinculação. Acertarão na crítica específica a um acordo pontual, mas seguirão sendo parte do problema ao fomentar um modelo de Estado inviável.


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