Por
Deltan Dallagnol


| Foto: Saulo Cruz / Câmara dos Deputados

Lula vai implementar uma visão econômica retrógrada, intervencionista e perdulária, que gera inflação e juros altos? Lula avançará na guerra cultural para liberar aborto, drogas e ideologia de gênero? Haverá mais Mensalão e Petrolão neste novo governo?

Muita gente preocupada com isso tem me abordado para dizer que suas esperanças estão sobre o novo Congresso, que é majoritariamente de centro-direita. Mas o novo Congresso é capaz de frear Lula e o freará nas agendas econômica, de costumes e de combate à corrupção?

Um presidente da República pode muito, mas não pode tudo. Essas pautas dependem em grande medida da atuação do Poder Executivo chefiado por Lula, mas alguns aspectos cruciais delas dependem do Congresso.

Na economia, o orçamento é definido por lei aprovada no Congresso. O presidente não pode furar o teto de gastos orçamentário sem autorização do Congresso, sob pena de correr risco de impeachment. Dependem do Congresso também a criação de novas estatais, a mudança de leis trabalhistas e a realização da reforma tributária.

Na agenda dos costumes, a descriminalização das drogas, mudanças das regras sobre o aborto e a legalização de jogos de azar não são decididas pelo presidente, mas pelo Congresso.

A agenda anticorrupção, por sua vez, depende essencialmente da criação pelo Congresso de um sistema robusto com a prisão em segunda instância, o fim do foro privilegiado, a reconstrução da lei de improbidade e o restabelecimento da competência da justiça federal para casos de corrupção.

Na agenda dos costumes, a descriminalização das drogas, mudanças das regras sobre o aborto e a legalização de jogos de azar não são decididas pelo presidente, mas pelo Congresso

E como o Congresso se comportará nessas matérias? Quanta força Lula tem no novo Congresso e qual o perfil dos parlamentares eleitos?

Lula tem apoio minoritário no Congresso. Na Câmara, apenas 122 dos 513 deputados são de partidos alinhados com Lula, menos de um quarto. São 187 alinhados com Bolsonaro e 204 independentes. Para aprovar leis são necessários 257 deputados em casa cheia e para emendar a Constituição, 308.

No Senado, apenas 12 dos 81 parlamentares são da base lulista, nem 15%. Há 45 independentes e 24 na base bolsonarista. A maioria para mudar as leis, com a casa cheia, é de 41 senadores. Para mudar a Constituição, é preciso 49.

Na primeira gestão lulista o apoio no Congresso também era minoritário, mas hoje o cenário é polarizado e há menor adesão à ideologia petista original. Lula chegou lá muito mais devido à rejeição a Bolsonaro por parte da sociedade do que por apoio social às suas propostas.

As propostas de Lula, aliás, mal foram expostas ou debatidas. Ele chegou a ser acusado de estar pedindo um cheque em branco da população. Além disso, há hoje um engajamento político de direita antes inexistente que conflita com o ideário petista.

Lula chegou lá muito mais devido à rejeição a Bolsonaro por parte da sociedade do que por apoio social às suas propostas

Esse cenário torna mais desafiadora a formação de maiorias para a aprovação de propostas do governo no Congresso, especialmente sobre economia e na agenda de costumes.

Some-se que o Congresso tem hoje poderes que não tinha nos governos anteriores de Lula. Tem exercido seu poder para derrubar vetos presidenciais e para aprovar, rejeitar ou alterar medidas provisórias. Não será fácil impor um ideário como foi antes.

Um instrumento da era lulista para barganhar com congressistas era a concessão de emendas parlamentares individuais, recursos do orçamento que cada deputado ou senador leva para atender a necessidade de uma região. Hoje, tais emendas são impositivas, ou seja, obrigatórias.

Lula provavelmente negociará o apoio de partidos concedendo-lhes as chaves de Ministérios, que serão multiplicados, e de Estatais, além de cargos de menor escalão que são usados como moeda política em detrimento de servidores técnicos.

Lula tende a recorrer também ao orçamento secreto que foi usado com o mesmo propósito de governabilidade pelo governo Bolsonaro, muito embora o primeiro tenha prometido acabar com ele.

Os métodos disponíveis, mesmo quando eram mais amplos e os tempos eram mais favoráveis, não foram suficientes, entretanto, para os governos petistas alcançarem governabilidade.

Os atuais desafios da governabilidade trazem uma sensação de “déjà vu”. Eles foram resolvidos nos governos Lula e Dilma por meio do Mensalão e Petrolão. Há fortes incentivos para sua recorrência.

Se o parlamento for cooptado por meio de subornos, como foi no passado, em que medida poderão sucumbir as pautas liberal e conservadora despeito do perfil do novo Congresso? E quanto o Brasil sofrerá com novos desvios bilionários?

O melhor é evitar que novos esquemas ocorram. E dá para contar com o Congresso para se opor a um novo Mensalão ou Petrolão? É possível criar um forte sistema anticorrupção? Esse tema merece ser tratado em um artigo próprio, em breve.


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